Capítulo 13 – Estopim
Na imensa sala de conferências da sede central da ONU, o silêncio era absoluto, denso como concreto, impregnando cada respiração contida. As paredes envidraçadas, que em outros dias abriam-se para a vista da cidade em movimento, agora estavam ocultas por cortinas de aço opaco, isolando aquele momento do resto do mundo, como se ali, naquele espaço, o tempo estivesse suspenso.
No centro da sala, uma longa mesa de mármore negro estendia-se. Sua superfície polida refletia as luzes suaves embutidas no teto, criando pontos de brilho pálido que dançavam sobre os rostos imóveis dos presentes. Todos os assentos estavam ocupados: os altos-comissários da ONU, representantes escolhidos dos cinco continentes, figuras que detinham o poder de moldar o destino de nações com uma única decisão.
Estavam ali os líderes das divisões de Segurança, Relações Exteriores, Inteligência Global e Assuntos Estratégicos. Nenhum Esquadrão de Campo fora convocado; não havia soldados, tampouco imperadores ou comandantes. Apenas aqueles que, protegidos por paredes de vidro e concreto, decidiam as guerras que outros travariam.
Acima da mesa, um holograma translúcido pairava, girando lentamente com um zumbido quase imperceptível. Dois rostos dominavam a projeção: Eleonor Jhones e Yamamoto Myamoto. As imagens eram nítidas, quase vivas. Rostos que, para aqueles presentes, simbolizavam a falência de todos os mecanismos de controle que haviam sustentado a ordem mundial até ali.
— Confirmado — disse a diretora da Divisão de Inteligência, sua voz firme e contida como o aço que selava a sala. Ela fez um gesto, ampliando as imagens dos alvos. — Yamamoto sobreviveu ao ataque do Terceiro Esquadrão. Eleonor está com ele. Ambos permanecem em território japonês.
Um murmúrio se espalhou, como uma corrente subterrânea de indignação. A representante europeia foi a primeira a se levantar. Bateu levemente os dedos sobre o mármore, um som seco e calculado.
— E o Japão ainda se recusa a extraditá-los?
O representante asiático se remexeu na cadeira. Seu rosto, impassível à primeira vista, denunciava a tensão pelo leve trincar dos dentes.
— O governo japonês nega qualquer vínculo com as ações dos dois. Oficialmente, são civis fora de controle. Não reconhecem os crimes como atos de guerra — respondeu, com um tom que misturava constrangimento e defesa institucional.
— E nós? — a pergunta veio do diretor da Divisão Estratégica, sua voz grave preenchendo a sala como uma sentença. — Vamos aceitar isso calados?
— O Conselho de Segurança decidiu — interveio o secretário-geral, ajustando os óculos com precisão cirúrgica. — Não haverá declaração de guerra. Não podemos atacar um país que não nos atacou diretamente. Nem declarar guerra a indivíduos que, segundo registros oficiais, agem sem respaldo governamental. Isso violaria todos os tratados internacionais que nós mesmos assinamos.
A representante europeia inclinou-se para frente, a voz cortante:
— Mas eles mataram diplomatas. Invadiram bases da União. Executaram um esquadrão inteiro. Isso não é um ataque?
— E, ainda assim — completou outro, com desprezo contido —, não podemos nos mover sem destruir a arquitetura frágil da paz global. Que palhaçada!
Um coro de desaprovação abafada preencheu a sala. Até que, com um gesto contido, a diretora da Divisão de Operações Especiais ergueu a mão, impondo silêncio com a autoridade de quem já conduzira decisões fatais demais para hesitar.
— Silêncio. — Sua voz não precisou elevar-se. — Estamos sem três imperadores. Nathan recusou o cargo. Pandora está desaparecida, possivelmente morta. Logan Ekdias não dá sinais de vida há meses. Restam apenas dois imperadores em campo… e ambos estão no Japão, tentando contê-los por conta própria. Sem reforços. Sem apoio.
O peso daquela constatação reverberou, silencioso e opressivo.
— E os Esquadrões? — perguntou alguém, numa última esperança.
— Mais dois serão mobilizados — confirmou a diretora, com a frieza necessária a quem ordena homens e mulheres para a morte. — Apesar de estarem em clara desvantagem.
Os olhares se cruzaram. Nenhuma palavra foi dita, mas uma verdade se instalou, irrefutável: estavam enviando-os para uma missão onde as chances de retorno eram mínimas. Um sacrifício inevitável.
O representante africano, que até então se mantivera calado, soltou um suspiro e perguntou:
— E quanto a Li Wang? E a garota… Dayse?
O diretor de Segurança Internacional, com um deslizar ágil dos dedos sobre o painel holográfico, projetou novos dados.
— Oficialmente, traidoras. Li Wang desertou e desobedeceu a ordens diretas. A outra a auxiliou. Ambas são agora consideradas ameaças ao equilíbrio estratégico.
Novamente, o silêncio se impôs. Não aquele silêncio burocrático de reuniões longas, mas um silêncio denso, absoluto, de quem percebe que as engrenagens do mundo haviam avançado para um ponto sem retorno.
O mundo estava à beira de um colapso silencioso. Um campo minado, onde os tratados assinados com discursos esperançosos não passavam agora de véus finíssimos sobre montanhas de pólvora.
Por fim, o secretário-geral se levantou. Ajustou o paletó com um gesto automático, respirou fundo, como quem carrega o peso de mil decisões anteriores, e declarou, com a solenidade de quem inscreve uma nova página na história:
— A partir de hoje… — sua voz cortou o ar, firme, irrevogável — a situação deixa de ser uma questão de contenção. E passa a ser uma guerra silenciosa. E nesta guerra… cada escolha terá o peso de vida ou morte.
Nenhum aplauso. Nenhuma resposta. Apenas olhares imóveis, pesados como chumbo, fixos sobre ele. A compreensão mútua era total: a paz, que até então fora sustentada pelo medo e pela política, agora só poderia ser reconquistada pela força.
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