Conto: Li Wang

    Alguns dias se passaram desde o último contato. O silêncio era quase insuportável, uma espera tensa misturada à ansiedade de quem sabia que o tempo corria contra eles.

    Porém, Nathan, incansável, vasculhava todo tipo de fonte clandestina em busca de uma pista concreta.

    Finalmente, na madrugada do quinto dia, ele ligou para Li Wang dizendo-lhe informações valiosas sobre a possível localização do cartel.

    Sem perder tempo, o grupo organizou a partida.
    O plano era direto: infiltrar-se, obter o máximo de dados, eliminar os criminosos e salvar os reféns.

    Assim que chegaram, Dayse, como sempre, ficou em um local seguro, longe do perigo imediato. Ela seria o apoio à distância, monitorando tudo através dos equipamentos de comunicação.

    Li Wang e William, por outro lado, tinham outra missão: infiltrar-se no cartel que segundo as informações reunidas por Nathan, poderiam levar a informações sobre a Apocalypses.

    Chegaram de carro a aproximadamente 5 quilômetros do complexo do cartel. Era o mais perto que poderiam se arriscar sem levantar suspeitas. O lugar era vigiado 24 horas, com homens armados em todas as entradas e saídas possíveis.

    Dentro do veículo, a preparação começou.

    Li Wang prendeu o cabelo num rabo de cavalo apertado e vestiu o que agora chamava de seu “uniforme” de combate: um colete tático reforçado por placas de titânio, calças bélicas flexíveis para mobilidade, luvas militares anti-choque e, por cima, uma jaqueta de couro preta.

    William, experiente, verificou o carregador de sua pistola e conferiu os equipamentos de comunicação.

    — Pronta? — ele perguntou, sem desviar o olhar.

    — Sempre — respondeu Li Wang, com uma confiança fria.

    Os dois sabiam que cada passo dali em diante poderia ser o último. E mesmo assim, continuaram.

    O objetivo era claro: infiltrar-se, obter informações, eliminar os criminosos e resgatar os reféns. Mas, como Li Wang bem sabia, os planos mais perfeitos eram sempre os primeiros a desmoronar diante do caos real da batalha.

    A noite caiu rapidamente sobre o deserto colombiano, e sob a cobertura da escuridão, Li Wang e William começaram a avançar. A única coisa que iluminava o caminho era a pálida luz da lua. Ligar a lanterna seria um erro fatal, ela sabia disso. Um único feixe de luz, e a morte viria como um disparo silencioso no escuro.

    Ao longe, ela conseguia ver as luzes fortes que banhavam o cartel, como se a clareza brutal dos refletores pudesse afastar os próprios pecados do lugar.

    Li Wang se aproximou o suficiente para observar melhor. O complexo era protegido por extensos arames farpados, erguidos em camadas para dificultar qualquer tentativa de invasão. Passou alguns minutos estudando o padrão de movimentação dos guardas: a cada dois minutos, um deles fazia a ronda, passando metodicamente pelas laterais.

    Além disso, quatro guaritas altas marcavam os cantos do perímetro, cada uma com dois homens armados, atentos, olhando ora para dentro, ora para fora.

    Fez uma rápida estimativa. Pelo que podia ver e ouvir, havia cerca de cinquenta criminosos no local. Alguns fumavam perto de caminhonetes blindadas; outros vigiavam o carregamento de caixas, drogas, armas, ou algo ainda mais perigoso.

    William, mais atrás, observava com seu binóculo.

    — Muitas bocas para calar, — murmurou ele no comunicador.

    Li Wang esboçou um sorriso discreto. Não havia espaço para erros.

    Ela avançou pelo deserto como uma sombra viva, esgueirando-se entre a vegetação seca, cactos, rochas e árvores retorcidas pelo calor.
    O suor frio escorria pela nuca, mas ela o ignorava. Cada passo era calculado. Cada respiração, medida com precisão.

    Li Wang permaneceu imóvel entre as dunas de areia e pedras, a respiração ritmada como uma máquina. O deserto colombiano, naquela região árida e cruel, era seu aliado, nenhum som além do vento cortante preenchia a noite.

    Antes de se mover, Li Wang estudou cuidadosamente o arame farpado que cercava o cartel.
    Movimentação regular dos guardas, câmeras improvisadas, holofotes girando a cada cinquenta segundos, tudo mapeado em sua mente.

    Ela retirou de sua mochila um pequeno cortador térmico portátil, tecnologia militar, capaz de cortar aço em silêncio absoluto.

    O cortador brilhou brevemente, como um fantasma.

    Li Wang abriu uma fenda no arame, grande o bastante para passar deitada, deslizando como uma víbora.
    Escondida na escuridão, rastejou até o ponto cego entre duas guaritas, onde a rotação dos vigias deixava uma brecha de exatos doze segundos a cada dois minutos.

    Uma vez dentro, ela se misturou às sombras dos veículos e contêineres espalhados pelo terreno.

    Ela ajustou as luvas, puxou a máscara negra sobre o rosto e avançou.

    O primeiro guarda surgiu em sua linha de visão: distraído, acendendo um cigarro. Sem fazer barulho, ela deslizou atrás dele, cravou a faca entre as vértebras cervicais e o deitou no chão como se fosse um saco de areia. Um movimento limpo, quase silencioso.

    Ela prosseguiu.

    A cada passo, Li Wang se tornava mais sombra do que carne. Sua mente trabalhava como um relógio de guerra: frieza absoluta, cálculo preciso.

    Um grupo de três criminosos conversava perto de uma caminhonete.

    Li Wang jogou uma pequena pedra ao lado oposto. Quando um deles se virou para investigar, ela apareceu como um espectro.

    Uma bala silenciada atravessou o crânio do primeiro.

    Uma facada certeira atravessou a garganta do segundo.

    O terceiro sequer entendeu o que aconteceu antes de tombar com o pescoço quebrado.

    Nenhum grito. Nenhum tiro desnecessário.

    Ela limpava o cartel como quem varre poeira do chão.

    Nas guaritas, os vigias eram alvos mais complicados, mas Li Wang era paciente. Subiu pela estrutura metálica usando as sombras como capa.

    Um movimento preciso de lâmina no pescoço de um, outro tiro silenciado no olho do outro.

    Cada queda era amortecida pelas próprias mãos dela, para que o som dos corpos não denunciasse sua presença.

    O tempo era o seu aliado. O medo, sua arma invisível.

    Conforme avançava, Li Wang começava a criar brechas no sistema de segurança: abria as portas principais, cortava fios de comunicação, derrubava câmeras improvisadas. Ela transformava o cartel num campo de caça, no qual ela era a única predadora.

    Os criminosos restantes nem perceberam que estavam morrendo um a um.

    Alguns foram assassinados dentro de seus dormitórios, uma adaga atravessando o coração no meio de sonhos sujos.

    Outros foram mortos enquanto carregavam caixas, um disparo perfeito no meio da testa, feito a distâncias absurdas para qualquer atirador normal.

    Quando restavam apenas cinco homens, um deles, em desespero, disparou para o vazio.

    Um erro fatal de um covarde.

    Li Wang aproveitou o clarão do tiro para localizá-los.

    Movendo-se como uma fúria silenciosa, executou todos os cinco em poucos segundos com tiros certeiros na testa. Um som abafado de corpos caindo na areia.

    O estampido cortou o silêncio da noite como uma faca em carne viva. Em questão de segundos, as luzes do cartel se acenderam em alerta máximo.
    Gritos ecoaram.

    Mais criminosos surgiram dos alojamentos, alguns ainda meio sonolentos, mas armados até os dentes.

    Outros, em posição nas guaritas, começaram a disparar para todos os lados, sem saberem sequer para onde mirar.

    Li Wang não hesitou.

    Como um raio, mudou de posição, aproveitando a confusão generalizada.
    Ela disparava em movimento, cada tiro certeiro atingindo garganta, olhos ou coração.
    Seu corpo parecia em sincronia perfeita com a morte: deslizava, rolava, surgia atrás de pilares, veículos e caixas de armas.

    Li Wang era invisível, uma entidade fria e inumana em meio àquele pandemônio.

    Os criminosos gritavam ordens contraditórias, atiravam às cegas.
    Cada tiro errado apenas acelerava o colapso.
    Ela se movia rápido demais para ser vista, uma silhueta negra contra o fogo que começava a consumir as tendas de suprimentos e as pilhas de armas.

    Um dos homens correu em sua direção, fuzil em mãos, aos berros.
    Li Wang agachou-se, deslizou pelo chão de terra seca e atirou para cima, acertando a mandíbula dele com precisão brutal.
    O projétil explodiu a parte inferior de seu crânio em uma chuva grotesca de ossos e sangue.

    Sem perder tempo, ela pegou o corpo ainda quente como escudo e avançou em direção a outros três homens.
    Os tiros ricochetearam nas costas do cadáver até que Li Wang, com um movimento seco, largou o corpo e puxou duas facas de sua cintura.

    As lâminas dançaram em suas mãos.

    O primeiro inimigo teve a garganta cortada antes mesmo de ver o golpe se aproximar.
    O segundo tentou recuar, mas Li Wang cravou a faca na axila dele, atravessando a proteção do colete.
    O terceiro tentou disparar, mas ela jogou a outra lâmina girando no ar — o cabo acertou sua testa com força suficiente para deixá-lo atordoado.

    Antes que o homem caísse, Li Wang já estava em cima dele, esmagando sua traqueia com um golpe de joelho.

    Não havia hesitação, nem piedade.
    Cada movimento era cirúrgico, cada morte, calculada.

    Em menos de cinco minutos, o que antes era um cartel com cinquenta homens tornou-se um cemitério.

    Então, o deserto voltou a ficar em silêncio.

    Li Wang permaneceu ali, parada no centro do campo de corpos, respirando calmamente.

    Sua jaqueta preta, marcada pelo sangue seco, contrastava com a luz da lua, agora alta no céu.

    Ela não era mais uma guerreira em treinamento.
    Era um predador absoluto.

    William, observando de longe, levou um tempo até entender que tudo havia acabado. Ele apertou o comunicador, ainda incrédulo:

    — Está… está limpo?

    Li Wang apertou o botão e respondeu com uma voz fria, cortante como vidro:

    — Missão cumprida.

    Então ela caminhou entre os corpos sem olhar para trás. Mas, quando ergueu os olhos, percebeu que ainda havia sobreviventes.
    Dois caminhões surgiram do lado norte do acampamento, transportando mais homens armados, desesperados para salvar o que restava da operação criminosa.

    Sem hesitar, Li Wang recarregou suas armas e avançou.

    Os primeiros quatro criminosos nem tiveram chance: foram abatidos antes de saltarem dos caminhões, seus corpos tombando em ângulos grotescos.

    Outros tentaram usar o próprio caminhão como cobertura, disparando de trás das portas.
    Li Wang se abaixava, rolava, atirava em pontos vitais, queixo, garganta, têmpora, como se fosse um balé mortal.

    Tiros cruzavam o ar, faíscas saltavam das superfícies metálicas ao redor dela, mas Li Wang parecia intocável — uma tempestade negra movendo-se pelo campo de batalha.

    Um dos criminosos, percebendo o massacre iminente, lançou várias granadas em direção à entrada principal do cartel, justamente o local onde Li Wang ainda não havia verificado a presença de reféns.

    O tempo pareceu parar para ela.

    As granadas ricochetearam na areia e nos destroços, parando bem diante da construção.

    Uma sequência devastadora de explosões sacudiu o solo.

    As paredes do cartel, já enfraquecidas pelos tiros e pelo fogo, começaram a ruir.
    Nuvens densas de poeira e detritos se espalharam como uma onda cinzenta.

    Li Wang correu com tudo que tinha.
    Saltou por cima de corpos e pedaços de concreto, enquanto as vigas de sustentação cediam com estalos secos.
    Chutou uma porta em chamas para abrir caminho. Desceu as escadas e viu que, dentro do prédio, o caos era ainda pior.

    O local era sujo e fedorento. Podia-se ouvir ratos andando pelo chão. Estaria completamente escuro, não fosse uma lamparina a gás pendurada em uma viga de madeira no teto.

    Havia cerca de vinte pessoas no porão. Estavam em péssimas condições desnutridas, feridas, desidratadas.
    Todas algemadas à parede, como animais.

    Li Wang guardou a arma no coldre e pegou as chaves penduradas na parede próxima à escada.
    Soltou um homem que, mesmo sujo e fraco, parecia o mais saudável entre eles.
    Em seguida, entregou-lhe as chaves.

    — Ajude os outros — ordenou.

    Mesmo sem saber se ele compreendia suas palavras, o homem assentiu e começou a libertar os demais.

    Li Wang apertou seu comunicador, preso ao cinto

    — William, ajude as pessoas a saírem do cartel.

    — Estou a caminho. — Disse ele, ofegante, a voz cortava pelo som distante dos tiros e da estrutura rangendo.
    Conforme os reféns eram soltos, começaram a subir as escadas. A maioria mal conseguia caminhar por isso, apoiavam-se uns nos outros para não cair.
    O tempo, porém, era curto. A estrutura rangia cada vez mais, prestes a desabar.

    Gritos começaram a ecoar: reféns presos sob escombros, tentando escapar das pilhas de entulho.
    A fumaça densa cegava e sufocava. Pequenas chamas se espalhavam pelas madeiras partidas.

    Mais ao fundo, no canto menos iluminado, Li Wang avistou três reféns semi-enterrados: uma mulher e uma criança.

    — Fiquem abaixados! — gritou, sua voz cortando o pandemônio.

    Com força descomunal, arrancou vigas queimadas, empurrou placas de cimento e os libertou um a um.
    Mas, apenas a criança ainda estava viva.

    Era uma garotinha. Um pouco mais pálida que a mulher que a abraçava, provavelmente pela fome.
    Seus cabelos tinham a cor de cobre claro, um ruivo suave, mais claro que o da mulher ao lado. Os olhos, castanhos. Sardas delicadas salpicavam suas bochechas, logo abaixo dos olhos.
    Ela estava tão magra que era possível ver os ossos sob a pele do tórax e dos ombros.

    — Vamos, precisamos sair daqui — disse Li Wang, segurando-a gentilmente pelo braço.

    — Não… vou sair… — murmurou a garotinha, entre lágrimas, como se quisesse morrer junto ao que parecia ser sua mãe.

    Li Wang se viu sem tempo. E sem paciência.

    Agarrou a menina nos braços, mesmo contra sua vontade. Ela resistia, tentando se desvencilhar, mas cada segundo era uma batalha contra o colapso iminente.

    De repente, uma viga no teto rangeu, um som grave, oco, como o rosnar de um monstro prestes a cair.
    A ameaça era real. Mortal.

    Li Wang não hesitou.

    Com um movimento brusco, lançou a criança para fora da zona de risco. Em seguida, cravou os pés no chão e segurou a viga em queda com os dois braços.

    Soltou um rugido de esforço e arremessou a viga para o lado.
    Seus braços e pernas tremeram diante da força brutal necessária para o feito.

    Quando olhou para a menina, viu algo que congelou o tempo.

    Um criminoso.
    Atrás dela.
    Arma em punho.
    Mirando diretamente na criança.

    — Desgraçado! — gritou Li Wang, a voz cravada em fúria.

    Ela não permitiria.
    Nenhum dos homens que ajudaram a manter inocentes como moeda de troca veria a luz do dia novamente.

    Num reflexo fulminante, sacou sua arma e atirou, um disparo direto na testa do inimigo.
    Mas ele também puxou o gatilho.

    Um estalo seco.
    A bala atingiu sua perna.

    O sangue jorrou. A dor veio como uma lâmina.
    Li Wang soltou um grito abafado e cambaleou, mas não caiu.

    Coberta de poeira e sangue, respirando com dificuldade, arrastou-se até a menina.
    Voltou a erguê-la nos braços e, mesmo mancando, começou a subir as escadas.
    Cada degrau era uma batalha contra o próprio corpo.

    Quando finalmente emergiu pela saída do cartel, foi atingida pela luz brutal dos refletores.
    Sua visão falhou. Um clarão branco. Depois, escuridão.

    Ainda tonta de dor, Li Wang caiu de joelhos na areia quente. A garotinha, aninhada em seus braços, olhou para ela pela primeira vez com os olhos arregalados, não de medo, mas de espanto.

    — Você… você é o anjo? — sussurrou.

    Li Wang não respondeu.

    Atrás delas, o prédio continuava a desmoronar em gemidos secos e colapsos abafados.

    Mas seu olhar se perdeu no céu noturno, onde as estrelas brilhavam frias, distantes, indiferentes.

    A lua, solitária, refletia na poça de sangue que escorria de sua perna ferida. Ao redor, corpos espalhados como sombras vencidas.

    Os reféns que há pouco ela havia salvo se reuniram ao redor, olhando para Li Wang como quem contempla um milagre.

    O comunicador preso ao seu cinto chiou, quebrando o silêncio.

    — Li… temos problemas. — Era a voz de Dayse, tensa, trêmula.

    Li Wang permaneceu imóvel por alguns segundos, os olhos fixos no horizonte.

    — O que houve? — murmurou, a voz quase um sussurro.

    Houve um silêncio denso. Então:

    — Nathan me disse que a Apocalypses sabe o que aconteceu. E estão a caminho.

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