Conto: Li Wang

    Li Wang recuou um passo. A dor em sua perna ferida latejou com força.

    Ela já enfrentara soldados, torturadores, traficantes.
    Mas nunca algo como aquilo.

    — Acha mesmo que pode desafiar um pecado, humana? — disse ele, avançando com passos lentos, calculados, como uma serpente prestes a dar o bote. — Eu sou Vireon, o Orgulho encarnado. A superioridade em sua forma mais pura. E você? Um inseto corajoso… mas ainda assim, um inseto.

    Li Wang pegou outra arma caída no chão, sem desviar os olhos do inimigo.
    Sabia que estava em desvantagem, mas jamais abaixaria a cabeça.

    — Eu matei homens mais fortes que você — disse, a voz firme apesar do medo.

    Vireon gargalhou. Um riso rouco, desdenhoso, que reverberou pelas paredes do cartel como um presságio de morte.

    Enquanto os dois se preparavam para o combate, Hendrick, ainda sentado sobre a pilha de cadáveres, estendeu a mão distraidamente na direção de Vireon:

    — Um charuto — pediu, com a voz mansa e autoritária, como quem solicita uma bebida num jantar de gala.

    Vireon, sem desviar os olhos de Li Wang, tirou do bolso do terno um charuto envolto em um tubo metálico e o lançou com precisão cirúrgica para Hendrick.

    Hendrick o pegou no ar com elegância, mordeu a ponta e, ao acendê-lo com o próprio isqueiro, tragou profundamente, fechando os olhos como quem aprecia uma sinfonia.

    — Continue, Vireon — disse, soltando uma nuvem espessa de fumaça. — Me entretenha.

    A dor pulsava na perna de Li Wang como um tambor tribal, ritmando o medo a cada batida do ferimento.
    Mas ela não cederia.

    O suor escorria pela testa, misturando-se à poeira e ao sangue que manchava seu rosto.
    Os olhos atentos varriam cada movimento daquele monstro, um cão do inferno, de dentes expostos e sorriso animalesco, vibrando na antecipação do banquete.

    Ela empunhava a AK com as duas mãos, respirando fundo para manter o controle.

    A distância era sua única vantagem.

    Sabia que, se Vireon encostasse nela, estaria morta.

    — Venha, pequena líder — rosnou ele, os olhos dourados cintilando como brasas famintas. — Faça o que for preciso… antes que eu o faça.

    Ele avançou com um salto animalesco.

    Li Wang se jogou para o lado, rolando sobre cacos de vidro, e disparou uma rajada. As balas perfuraram o tórax de Vireon com um som surdo e molhado. Sangue escuro jorrou, manchando o chão e sua pele, mas ele apenas riu, soltando um grunhido selvagem.

    — ISSO! — berrou, exaltado.

    Ela recuou, cambaleante pela dor na perna, e trocou a AK por uma pistola.
    Atirou direto no joelho dele.

    Vireon tombou de lado, mas se ergueu segundos depois, com o osso estalando de volta à posição como se fosse feito de borracha viva.

    Hendrick assistia com os olhos semicerrados, sentado em sua grotesca poltrona de cadáveres. Cruzava as pernas como um aristocrata entediado num teatro.

    Hendrick acendeu outro charuto, com calma, tragando enquanto Li Wang trocava o pente da pistola com mãos trêmulas.

    Ela lançou uma faca.

    Cravou-se no olho de Vireon.

    O urro que ele soltou fez os pássaros levantarem voo a quilômetros de distância.

    Mas, mais uma vez, ele se regenerou.

    — Isso dói… mas é tão bom! — gritou. — Me fira mais! Mostre do que é capaz, humana!

    Li Wang mirou na garganta dele e disparou três vezes.
    Vireon engasgou com o próprio sangue e cambaleou para trás.

    Ela correu até uma das casas, protegendo-se atrás de uma pilastra.
    Sabia que não o venceria com força. Teria que esgotá-lo. Enganá-lo.

    Enquanto trocava de arma, sentiu o sangue escorrer com mais intensidade pela perna.
    A tontura ameaçava sua visão.
    O coração martelava como se quisesse romper o peito.

    Vireon atravessou a parede da casa com o ombro, como um touro enfurecido.

    — CHEGA DE FUGIR! — rugiu.

    Li Wang puxou a segunda pistola e disparou contra o ombro e o rosto dele, forçando-o a recuar.

    Ele tombou sobre a madeira, sangrando em dezenas de pontos, mas os músculos já se contorciam, se rearranjando sob a pele como vermes vivos.

    Hendrick bateu palmas, lentamente.

    — Você está me entretendo, Wang. Continue viva… só mais um pouco.

    Ela cuspiu no chão, o rosto distorcido entre fúria e medo controlado.

    — Não sou seu brinquedo.

    — Não, de fato — disse Hendrick, sorrindo. — Você é… meu teste. Vamos ver se passa.

    A luta prosseguiu.
    Uma dança violenta entre estratégia e brutalidade, inteligência e loucura.
    Ainda assim, o maior inimigo de Li Wang não era Vireon.
    Era o tempo.
    E o sangue que insistia em deixá-la mais fraca a cada segundo.

    — A humanidade sempre foi interessante… — começou ele, em tom quase pensativo. — Capaz de tanta beleza… e, ao mesmo tempo, de uma estupidez indescritível.

    Li Wang rolou pelo chão, escapando de um golpe que quase partiu seu crânio.
    Vireon era rápido. Letal. Assustadoramente preciso. Não poupava esforços.

    — E mesmo agora… — continuou Hendrick, ajustando-se levemente sobre os corpos — ainda resistem. Como formigas tentando mover um prédio.

    Li Wang acertou um chute no estômago de Vireon.
    Ele recuou, cambaleante, mas logo se reequilibrou.

    Ela mal conseguia respirar.
    A perna sangrava sem trégua.
    Os músculos imploravam por descanso.

    Mas os olhos dela ainda queimavam.

    — É por isso que gosto de você, Li Wang — disse Hendrick, agora com certo entusiasmo. — Você não chora. Não implora. Só continua lutando… mesmo sabendo que não vai vencer.

    Vireon avançou outra vez, e o som da batalha se misturou ao riso baixo e cruel que ecoava do trono de cadáveres.

    O corpo dele cobria-se de sangue, perfurações e cortes, todos se fechando com sons repulsivos de carne moldando-se e ossos encaixando como peças vivas.
    O monstro se ergueu novamente, arfando como uma besta prestes a explodir.

    E então, algo mudou.

    Os olhos de Vireon brilharam com um tom púrpura profundo, pulsante.
    As veias em seus braços tornaram-se negras, como tinta viva.

    Ele ergueu as mãos para os lados, absorvendo a própria escuridão ao redor.
    A energia que surgia entre os dedos parecia líquida e densa, pesada como fumaça condensada em forma sólida.

    Li Wang engoliu em seco.

    De repente, Vireon lançou a primeira rajada.

    Uma esfera de pura treva cortou o ar como um cometa demoníaco.

    Li Wang se jogou para o lado no último segundo.
    A explosão atingiu o pilar onde, momentos antes, ela havia se abrigado — pulverizando madeira e concreto como se fossem papel.

    — Mas o quê…? — sussurrou, ofegante, o coração disparado.

    Vireon gargalhava.

    — Não é maravilhoso? É como cuspir o próprio ódio! — gritou, preparando outra descarga.

    Mais três projéteis saíram em sequência.

    Li Wang abaixou-se, rolou e correu em zigue-zague, desviando com puro instinto.
    Cada disparo que errava devastava o entorno com força absurda: paredes implodiam, o chão se rachava, o ar vibrava com energia maligna.

    Ela se escondeu atrás de um caminhão e fechou os olhos por um segundo, tentando se recompor.

    “Que tipo de monstro Vireon é? Ele se regenera… e agora dispara essas coisas. Como posso matá-lo?” — pensou Li Wang.

    A mente gritava já em pânico, mas o corpo agia no limite da sobrevivência.
    As mãos tremiam. A respiração falhava.

    Mesmo assim, ela continuava se movendo, pensando, resistindo.

    — Você está me surpreendendo, Wang! — gritou Hendrick, tragando o charuto. — Desviar de uma rajada dessas não é algo que muitos conseguem. Você está se saindo… bem.

    Li Wang ignorou.

    O olhar seguia fixo em Vireon, que caminhava em sua direção com a lentidão cruel de um predador que sabe: a presa está ferida, encurralada.

    Ela recarregou uma das pistolas, enquanto a mente estava no limite em busca de soluções.

    Sabia que tiros funcionavam, temporariamente.

    Precisava ganhar tempo.

    Precisava de um plano.
    Porque, mesmo conseguindo evitar as rajadas, não sabia por quanto tempo o corpo resistiria.

    O sangue escorria da perna, mais rápido, mais quente, enfraquecendo a visão, apagando a força.
    E Vireon ergueu os braços outra vez.
    A energia escura girava ao seu redor como um vórtice prestes a engolir tudo.

    Li Wang prendeu a respiração.
    Era matar ou morrer.

    Vireon avançou como uma besta frenética, os passos cavando o chão a cada investida.
    Disparava rajadas em sequência, violentas, impiedosas.
    Mas Li Wang, mesmo ferida, mesmo esgotada, ainda se movia.
    Rolava, disparava com precisão.
    E mesmo quando errava, ganhava distância.
    Criava espaço.
    Pensava como uma guerreira.
    Lutava como alguém que já tinha morrido antes…

    Lutava como alguém que não poderia morrer…

    Hendrick observava em silêncio, soprando a fumaça espessa do charuto entre os dedos.
    Os olhos cravados nela, atentos, famintos.

    Então, após uma esquiva em que ela acertou um tiro certeiro na perna de Vireon — que explodiu em carne e sangue antes de se regenerar — ele falou, com calma:

    — Hm… você é mesmo tudo aquilo que Nathan disse.

    As palavras bateram nela como um tiro silencioso.
    Ela hesitou. Os olhos arregalaram por um instante.
    Vireon aproveitou.
    Quase a alcançou.

    Ela se jogou para trás, caiu no chão e rolou, desviando por milímetros.

    A traição que ela se recusava a aceitar voltou como uma faca no estômago.

    “Então ele realmente os conhecia. Mentiu pra mim. Me enganou. Estava envolvido nisso o tempo todo…”

    Um ódio surdo nasceu dentro dela, queimando como ácido.
    Os punhos apertaram as armas com tanta força que os dedos formigaram.
    Os olhos, antes ofuscados pela dor e pelo medo, agora brilhavam com algo novo.
    Raiva.
    Raiva genuína.

    Ela se ergueu, ofegante, cambaleante, encarando Hendrick com o peito arfando.

    — Você mente. — A voz saiu rouca, carregada de desprezo. — Nathan nunca estaria do seu lado.

    — Acreditar nisso é o que te mantém viva — respondeu Hendrick, com um sorriso quase paternal. — Mas a verdade, minha querida, é que você ainda é muito emocional.
    E emoções… bem, são lindas. Mas também são o que enterram pessoas como você.

    As palavras atingiram fundo.
    Não era só arrogância, era convicção. Ele acreditava no que dizia.
    E, no fundo, uma parte dela… também.

    — Continue agindo assim, e você não vai sair viva daqui. — Ele apontou o charuto em sua direção, como se selasse uma sentença. — E se isso acontecer… Henry e Dayse vão morrer também.

    O nome do sobrinho foi um golpe na alma.

    Por um instante, tudo silenciou.
    O som da batalha desapareceu.
    A respiração bestial de Vireon, o riso abafado de Hendrick… sumiram.

    As batidas do coração ecoaram no vazio.

    Só restou a imagem de Henry. Seu rostinho frágil. Seus olhos confiando nela.

    A mão de Li Wang tremeu.
    Mas não de medo.
    De fúria.

    Ela ergueu a cabeça, limpou o sangue do rosto com as costas da mão e cuspiu no chão.

    — Se eu cair aqui… vou levar vocês comigo.

    Então, correu para o lado, em curva, disparando contra Vireon.

    Gritava a cada tiro.
    Mas não era desespero.
    Era quase uma declaração de guerra.

    A luta ainda não tinha terminado.
    Ela estava só começando.

    Uma rajada de energia negra cortou o ar como um trovão feito de ódio e atingiu a perna já ferida de Li Wang.
    O grito que escapou de sua garganta não parecia humano. A carne se abriu, os ossos estalaram, e ela caiu com força, engolindo a própria dor.
    O sangue jorrou em ondas espessas, misturando-se à poeira e às cinzas daquele campo de guerra.

    Antes que conseguisse engatilhar qualquer arma, ou sequer respirar fundo, Vireon já estava sobre ela.

    A mão brutal cravou-se em seus cabelos, puxando sua cabeça para cima como se fosse uma boneca.

    Os pés de Li Wang mal tocavam o chão enquanto ele a erguia.

    O rosto deformado pelos tiros estava diante do dela. A boca se abria, monstruosa, dentes como navalhas.
    O fedor de carne e morte que saía de seu hálito faria qualquer um vomitar.

    — Tão… frágil — sussurrou ele, lambendo os próprios lábios.

    Mas Li Wang não se entregava.
    Nem mesmo assim.

    Com as mãos livres, sacou uma faca e cravou com toda a força na bochecha de Vireon.
    A lâmina atravessou até quase sair do outro lado.

    Um jorro de sangue negro explodiu, mas o monstro apenas riu, ensandecido.

    Tudo parecia terminar ali.

    — Merda… — murmurou ela, os olhos embaçando. — Dayse… Henry…

    — Finalmente acabou — disse Hendrick, como se estivesse chateado com aquele fim.

    O fim da luta se aproximava.
    Li Wang desmaiou.

    Silêncio.

    O monstro riu, lambendo o pescoço de sua presa.

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