Conto: Li Wang

    Mas então, algo o fez recuar.
    Vireon congelou por um instante, os olhos arregalados. O rosto antes colado ao pescoço de Li Wang afastou-se num rompante, tomado por um medo instintivo.

    O corpo de Li Wang tremeu.
    E então… como se algo dentro dela explodisse.

    Veias saltaram por toda parte, pulsando como cordas vivas.
    A pele vibrava, parecia prestes a rasgar.

    O calor que emanava de dentro dela era tão intenso que o ar ao redor tremia, como num deserto escaldante.
    A respiração tornara-se arfante, animalesca, como a de um touro prestes a atacar.
    Vapor escapava pelas narinas. Os olhos, antes conscientes, agora eram só fúria.

    Ela rugiu.

    Um rugido seco, rouco, carregado de uma raiva ancestral.
    Vireon sequer teve tempo de reagir.

    Li Wang cravou os dedos no rosto dele, arrancando tiras de carne com as unhas.
    O sangue negro espirrou em todas as direções.
    Com um giro brutal, desferiu uma cotovelada tão violenta no queixo do monstro que o lançou contra uma parede de concreto.
    A estrutura desabou sobre ele.

    Mas ela não parou.

    Correu em direção aos escombros como uma besta faminta.
    Cada passo fazia o chão vibrar.

    Hendrick observava, sentado.
    Os olhos atentos, como quem assiste a uma cena rara.
    O charuto queimava lentamente entre seus dedos.

    — Interessante… — murmurou, como quem saboreia um bom vinho.

    Vireon tentava se erguer.
    Li Wang agarrou-o pelo pescoço e começou a esmurrá-lo com uma força que quebrava ossos e rachava o concreto.

    Uma.
    Duas.
    Dez vezes.

    O rosto dele já não tinha forma.
    O corpo, mesmo com sua absurda capacidade de regeneração, não acompanhava mais a velocidade do dano.

    E ela não parava.

    Não havia mais estratégia.
    Não havia mais dor.
    Não havia mais Li Wang.

    Havia apenas um monstro… esmagando outro.

    A carnificina continuava.
    E Hendrick observava em silêncio.

    O sorriso desaparecia devagar.

    — Agora sim… — sussurrou para si mesmo. — Então é isso que estava escondido em você.

    Seus olhos brilharam.
    Não de medo.
    Mas de deslumbramento.

    Como se visse uma obra de arte.
    Como se visse… o nascimento de algo novo.

    Ela tentou de tudo.

    Arrancou os braços de Vireon com pura força bruta, puxando músculos e tendões até que se rompessem com estalos grotescos.
    Jogou os membros longe como se fossem lixo.
    Vireon gritou, mas não de dor. De ódio.

    Mesmo assim, sorria.
    Mesmo assim, se regenerava.

    Das costas do monstro, cresceram seis asas negras, três de cada lado, abrindo-se como as de um anjo caído.
    Vireon se debatia, tentando se soltar de Li Wang, tentando alçar voo.

    Mas ela não parou.

    Cravou os dentes em seu rosto, arrancando pedaços de carne como um animal selvagem.
    Arranhou até os ossos aparecerem.
    Chutou o estômago dele com tanta força que rachou as costelas.
    Cada soco era um grito da alma.
    Cada golpe, um desespero primitivo buscando alívio na destruição.

    Mas ele voltava.
    Os braços cresciam outra vez.
    O rosto se recompunha.
    A risada deformada zombava dela, da sua impotência diante do impossível.

    Hendrick, até então observando como quem assiste a uma peça macabra, inclinou-se levemente à frente.
    O sorriso presunçoso se desfez por um instante.

    — Talvez ela realmente consiga… — murmurou, quase sem acreditar.

    Li Wang rugiu de novo.
    As veias saltavam em seu pescoço como serpentes vivas.
    Seu corpo era sangue, dor e fúria.

    Com um grito gutural, cravou as mãos no peito regenerado de Vireon… e o abriu à força.
    As costelas partiram-se como madeira podre.

    Vireon esperneava, urrava, debatia as pernas.
    Mas Li Wang era imparável.

    Lá dentro… estavam os corações.

    Sete.
    Sete núcleos pulsando, cada um batendo em um ritmo distinto.
    Cada um sustentando uma parte da monstruosidade que o mantinha vivo.

    — NÃO! — Vireon gritou, em pânico. — SOCORRO, HENDRICK! SOCORRO!

    Mas Hendrick apenas assistia.
    Sorria.
    Como quem vê o inevitável e o aprecia.

    Li Wang cravou os dedos no primeiro coração.
    E o esmagou.

    Um espasmo.
    O segundo. Um jorro de sangue.
    O terceiro, o quarto, o quinto… o corpo de Vireon se contorcia em convulsões violentas.
    O sexto coração explodiu em suas mãos.
    E então, o sétimo, com um urro final, vindo das entranhas do inferno, foi esmagado.

    Vireon estremeceu. E enfim, parou.
    A regeneração cessou.
    O brilho sinistro em seus olhos apagou-se.
    Os músculos cederam, o sangue escorreu, e o que restava dele caiu ao chão, inerte.

    Li Wang ofegava como uma besta no fim da caçada.
    O corpo ainda vibrava com calor e raiva.
    Estava coberta de sangue, quase irreconhecível.
    Mas de pé.

    Hendrick a observava.
    Pela primeira vez, sem ironia.
    Com uma sombra de respeito… e cautela.
    Inspirou fundo, soltando a fumaça do charuto em uma espiral lenta.

    — Fascinante.

    Li Wang não parou.
    O olhar dela não distinguia mais inimigos de obstáculos.
    Hendrick estava ali.
    Observando.
    Respirando.
    Sorrindo.

    E isso bastava.

    Um rugido animalesco saiu de sua garganta enquanto ela se lançou para cima dele.

    Cada passo fazia o chão tremer.
    Os músculos pulsavam, prestes a romper a própria carne.
    Ela não era mais uma mulher.

    Era a encarnação da ira.

    Mas Hendrick…
    Nem sequer se moveu.

    No instante em que ela alcançou o raio de ação, olhos ardendo em sangue e punhos cerrados, Hendrick ergueu uma única mão.
    O gesto foi quase preguiçoso, como quem afasta uma mosca.

    E então… tudo se apagou.

    Um golpe. Só um.

    Li Wang foi arremessada para trás como uma boneca de pano, colidindo contra o solo com violência.
    O som seco do impacto ecoou entre os corpos.
    Poeira subiu.
    Silêncio.

    Ela não se mexeu.
    O corpo, ferido e coberto de sangue, ainda pulsava levemente.
    Mas aquele estado de fúria… havia cessado.

    Hendrick limpou a mão no próprio casaco, tirando uma gota de sangue que talvez nem fosse dele.
    Caminhou com calma em direção à saída do cartel, os olhos lançando uma última olhada para o campo de carnificina deixado para trás.

    Antes de desaparecer entre os escombros da cerca destruída, virou o rosto por sobre o ombro:

    — Foi um belo show — disse, satisfeito, como quem sai de um teatro. — Até a próxima, Wang.

    E então… ele se foi.

    A fumaça do caos ainda pairava no ar.
    E, ao centro dela, jazia Li Wang, desacordada, mas viva.

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