Capítulo 3 – Aurora
Conto: Andrew Oscar
Quando Andrew acordou, estava em um quarto velho e escuro. À sua frente, sua esposa, Sarah, chorava encolhida no canto da parede. Ele se aproximou lentamente, e tentou confortá-la.
— Calma, tudo vai ficar bem. Estou aqui e vou te proteger, eu prometo — sussurrou, e a envolveu em um abraço apertado.
Porém, ao tentar se lembrar do que havia acontecido, Andrew sentiu uma dor latejante na cabeça. Lembrava-se vagamente de ter sido atingido com força na nuca… e, de repente, uma suspeita incômoda começou a se formar em sua mente.
Ele encarou Sarah, que ainda chorava, e sentiu um calafrio na espinha.
— Sarah, o que aconteceu? — perguntou, ao tentar manter a voz firme.
Ela levantou os olhos marejados para ele, tremendo.
— Eu… eu não sei, Andrew. Eu acordei aqui e você estava ao meu lado.
Andrew franziu a testa. Algo não fazia sentido. A lembrança da pancada insistia em voltar, e, contra sua própria vontade, começou a desconfiar de Sarah.
“Seria possível que minha esposa tenha feito isso?” — Pensou, em silêncio.
Decidiu não dizer nada, não ainda. Mas, por dentro, fervia em raiva e desconfiança.
“Por que ela faria isso comigo?” — Se perguntava repetidamente.
Os dias seguintes se arrastaram em meio a uma névoa densa de desespero, desesperança e confusão. Andrew e Sarah estavam presos em um local pequeno e escuro, com paredes de pedra e chão de concreto frio. A única luz vinha de uma janela alta, estreita, que deixava entrar um tímido raio de sol nas primeiras horas da manhã.
Estavam completamente isolados do mundo. Sempre que Andrew tentava espiar pela janela, tudo o que via eram árvores densas, altas, que cercavam a construção como uma muralha viva. Sem telefone, televisão ou rádio. A única forma de contato que tinham era com os guardas que lhes traziam comida e os vigiavam dia e noite. A rotina era desumana. Acordavam cedo, comiam uma refeição simples e insossa, e passavam o dia sentados ou deitados, presos na própria mente.
A ausência de liberdade e a incerteza sobre o futuro eram sufocantes. A cela, embora os mantivesse juntos, também era um lugar de solidão. A falta de privacidade, aliada à vigilância constante, tornava tudo ainda mais opressor.
A experiência de estar preso ali foi, para ambos, uma das mais difíceis e desumanizantes que já haviam enfrentado. Colocava à prova sua sanidade, seu vínculo, e sua capacidade de suportar um ambiente tão hostil.
Os dias passavam lentamente, e Sarah estava cada vez mais próxima de dar à luz. Andrew via a ansiedade e o medo crescendo nos olhos da esposa, e sentia-se impotente por não saber como confortá-la.
A cela era um lugar completamente inadequado para um parto, e ele sabia que precisavam escapar antes que fosse tarde demais. Começou, então, a formular um plano de fuga, embora soubesse o quão difícil seria realizar qualquer coisa com Sasha prestes a parir. Ainda assim, precisava tentar, e rápido.
Andrew passou a observar atentamente os guardas e os horários das rondas, em busca de alguma falha na segurança. Sabia que a chance de sucesso era mínima, mas também sabia que falhar significava perder tudo.
Certo dia, ouviu os guardas conversarem do lado de fora da cela. Apesar de falarem em voz baixa, ele conseguiu captar algumas palavras.
— Quanto tempo ainda falta? — perguntou um dos guardas, impaciente, os dedos tamborilando na arma.
— Pouco. — respondeu o outro, com um sorriso torto. — Mal posso esperar pra acabar com esses malditos.
— Você realmente acha que é essa criança? A profetizada? — perguntou um terceiro, com a voz carregada de dúvida e repulsa.
— Claro que não. — o primeiro resmungou. — Mas não cabe a nós pensar. Só obedecer. Se o Pai ordenou, a gente cumpre. A vadia foi esperta… usou isso como desculpa pra adiar a morte. Ganhou uns meses de vida. Só isso.
Um arrepio percorreu o corpo de Andrew. Eles discutiam sobre matar Sasha e o bebê assim que nascesse. A raiva e o desespero o consumiam por dentro, mas ele sabia que não podia se deixar dominar por essas emoções. Precisava manter a mente fria. Precisava proteger sua esposa. Precisava proteger seu filho.
A madrugada caiu, trazendo um silêncio sepulcral e uma escuridão ainda mais densa do que o habitual. Sasha estava deitada, respirava com dificuldade, numa tentativa de controlar as contrações. Andrew, médico experiente, estava ao seu lado, monitorava com atenção o progresso do parto, e se preparava para agir com os poucos recursos que tinham.
Depois de horas de dor, suor e esforço, o bebê finalmente nasceu. Andrew cortou o cordão umbilical com as mãos trêmulas, mas precisas. Em seguida, limpou o recém-nascido da melhor maneira possível. O momento era carregado de emoção e alívio, mas sabiam que não havia tempo para comemorar. Precisavam manter o nascimento em segredo.
Yamamoto queria aquela criança morta. Andrew ainda mal conhecia o filho, mas só de imaginar um mundo sem ele, sentia como se o próprio ar faltasse. Não, ele não deixaria isso acontecer.
Ele se aproximou da porta da cela, encostou o ouvido contra o metal frio e tentou captar qualquer som. Ouviu uma voz abafada, baixa, mas urgente:
— Chame o Pai. A criança nasceu.
O sangue de Andrew ferveu instantaneamente.
— Não… — murmurou, antes de explodir.
Golpeou a porta com força. Seus punhos cerrados tremiam de raiva e desespero.
— VOCÊS SÃO MONSTROS! — gritou, com a alma em carne viva. — NÃO VÃO TOCAR NO MEU FILHO! NÃO VÃO CHEGAR PERTO DELE, ESTÃO OUVINDO?!
Ele socava a porta como se pudesse abri-la na força da dor. Gritava com fúria crua, desafiando os guardas do outro lado a encararem sua revolta.
Sarah tentava segurá-lo, conter a tempestade, mas Andrew estava além da razão.
— SEUS COVARDES! — bradou, cuspindo cada sílaba com ódio. — NÃO TÊM CORAGEM DE ENFRENTAR UM HOMEM DE VERDADE! PRECISAM SE ESCONDER ATRÁS DE ARMAS, DE PORTAS TRANCADAS… COMO RATOS!
Silêncio.
O tipo de silêncio que precede uma tragédia.
Foi então que um dos guardas abriu a porta com um movimento lento e deliberado. O ferro rangeu alto, e do lado de fora revelou-se uma floresta densa e escura, como se o mundo além da cela fosse ainda mais ameaçador.
Parado na entrada, o guarda se pôs à frente da cela, ele usava uma máscara demoníaca que parecia ter saído diretamente de um pesadelo. Vermelha e preta, com olhos amarelos que brilhavam com uma luz maligna, a máscara fazia parecer que o próprio inferno os observava.
Andrew recuou instintivamente, o medo tomou conta de seu corpo. Ele se afastou da porta, arrepiado, sentindo o perigo iminente.
Ele olhou para Andrew com um silêncio ameaçador. A tensão no ar era quase palpável, e Andrew sabia que algo terrível estava prestes a acontecer. Fraco e cambaleante devido aos dias de encarceramento e à alimentação escassa, ele mal conseguia se manter de pé. Cada passo exigia mais força do que ele possuía.
O guarda avançou violentamente, desferindo socos em seu rosto sem piedade. Andrew tentou se defender, mas estava vulnerável demais. O agressor era implacável.
Sarah gritou, desesperada, e correu para protegê-lo, mas foi empurrada brutalmente para longe. Então, sem qualquer explicação, o guarda parou de espancá-lo e o arrastou pela perna para fora da cela.
O chão da floresta era frio e áspero sob o corpo machucado de Andrew. Um segundo guarda já o aguardava do lado de fora, com uma arma apontada diretamente para sua cabeça.
— De joelhos! — ordenou, a voz firme e cruel.
Andrew foi forçado a obedecer, com as mãos entrelaçadas atrás da cabeça. Fechou os olhos, e preparou-se para a morte.
Mas então, um estrondo ensurdecedor ecoou pela floresta. Um tiro certeiro atingiu o guarda que estava prestes a executá-lo. O corpo do homem caiu inerte, mas no reflexo involuntário de seu dedo, a arma disparou.
Vários tiros foram disparados a esmo. Andrew sentiu uma dor aguda nas costas, o impacto queimava em sua pele. As pernas cederam, e ele caiu para frente, gemendo entre o terror e a dor insuportável.
— Andrew! — gritou Sarah, correndo até ele, os olhos arregalados de pavor.
Mas ele já sabia. Estava ferido demais para se levantar. Não conseguia mover as pernas. Seu corpo doía por inteiro, mas era o medo por Sarah e pelo filho que apertava seu peito mais que qualquer ferimento.
Todos os guardas entraram em alerta. Estavam sendo cercados por um grupo que surgiu do nada, com precisão e preparo. O som dos tiros encheu a floresta, os mascarados atiravam com fúria, mas o grupo invasor era mais rápido, mais letal. Um a um, os guardas com máscaras de demônio tombaram com tiros certeiros na cabeça. Era uma execução silenciosa e implacável.
— Temos que fugir daqui! — disse Sarah, enquanto segurava o bebê contra o peito, o medo estampado no rosto.
Uma mulher alta se aproximou deles com passos firmes. Havia algo nela de autoridade natural, como se carregasse o peso de mil batalhas. Forte, confiante e imponente, vestia-se como uma militar de elite. Sua presença dominava o espaço.
— Achei eles. — Afirmou ela no walkie-talkie com voz firme.
Andrew precisou de alguns segundos para reconhecer quem era. Já fazia muito tempo desde a última vez que vira Li Wang, e ela havia mudado demais. Seus traços estavam mais duros, sua postura mais rígida, o olhar carregado por experiências que ele desconhecia. Mesmo sem uniforme, teria sido difícil reconhecê-la.
Li Wang pousou a mão com firmeza no ombro de Sarah e disse, com um tom tranquilizador:
— Não se preocupem. Os reforços estão chegando.
Depois, agachou-se ao lado de Andrew, e pousou a mão com delicadeza nas costas dele.
— Você vai ficar bem, irmão.
Sarah olhou para a mulher, surpresa e assustada, mas os olhos de Li Wang a acalmaram. Havia ali algo sincero, uma segurança que se impunha mesmo no caos.
Andrew, ainda no chão, sentia a consciência escapar lentamente. O mundo ao seu redor escurecia. A última coisa que viu foi o rosto de Li Wang, antes de tudo se apagar.
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