Conto: Li Wang

    Mesmo exausta, com o corpo dilacerado e a mente à beira do colapso, Li Wang não hesitou. A ardência no peito parecia uma fornalha viva, mas ela não a temia.
    Era como se o próprio sofrimento fosse o combustível de algo maior.
    Avançou.

    Num movimento explosivo, seu punho cortou o ar, mirando o rosto de Lyria.
    A criatura apenas sorriu, desdenhosa, o olhar banhado de escárnio. Não se moveu. Não levantou defesa alguma, confiante de que seria apenas mais um soco inútil.

    — De novo? — disse ela, revirando os olhos. — Você realmente não aprende…

    Mas o som que veio depois não foi o de um golpe fracassado.
    Foi o de carne rasgando.
    De ossos sendo sacudidos.
    De algo que não deveria acontecer.

    O punho de Li Wang atingiu em cheio o rosto de Lyria, girando violentamente sua cabeça. Um jato espesso de sangue negro e viscoso escapou pela boca da criatura, que cambaleou alguns passos para trás, com os olhos arregalados de incredulidade.

    — O que…? — murmurou, levando a mão ao rosto.

    Li Wang permanecia ali, com os punhos cerrados, arfando. Seus olhos ardiam com um brilho negro profundo, e seus músculos tremiam com algo que não era mais exaustão…
    Era transformação.

    O cristal cravado em seu peito pulsava como um coração artificial, emitindo uma luz rubra hipnotizante que cortava a escuridão ao redor. A transformação se completara: Azazel se moldara sobre seu corpo como uma segunda pele, formando uma armadura negra impecável, feita de um tecido espesso e maleável, mas que claramente escondia propriedades sobrenaturais.

    O traje era inteiramente preto, com linhas douradas correndo ao longo dos ombros, braços e pernas, como se traçassem circuitos ou inscrições antigas de um idioma esquecido. A gola era alta, rígida, envolvendo seu pescoço com imponência.
    As mangas, longas e ajustadas, terminavam com punhos reforçados por discretos rebordos dourados, e os detalhes bordados em forma de folhas secas ou chamas estilizadas pareciam vivos, como se o próprio traje respirasse com ela. A calça negra acompanhava a elegância da parte superior, desenhando perfeitamente suas pernas.

    No centro do peito, fincado diretamente na carne, o cristal rubro pulsava cada vez mais rápido, como um núcleo de energia mal contida. De dentro dele, finíssimos veios de energia negra irradiavam-se pelo traje, serpenteando em padrões orgânicos até sumirem sob o tecido, como raízes famintas em busca de mais força.

    O olhar de Li Wang estava diferente: antes determinado, agora gélido, dominado por uma expressão de absoluta serenidade misturada a um desprezo silencioso, como se cada movimento fosse inevitável e predestinado. Seus fios de cabelo, negros e longos, dançavam atrás dela com o movimento da luta, conferindo à sua figura uma beleza letal, fria e hipnotizante.

    Sem dar tempo à inimiga, ela avançou novamente, mas, dessa vez, duas Lyrias surgiram. O clone restante voou em sua direção com as garras prontas para rasgar sua carne.

    Li Wang não recuou.
    Girou o corpo no tempo exato, desviando das garras do clone e usando o movimento para enfiar a faca quebrada que ainda carregava direto na axila dele, com brutal precisão.
    O clone se desfez como os outros três.

    Lyria original rugiu de raiva e saltou contra Li Wang, mas esta a recebeu com uma sequência de golpes — socos, cotoveladas, chutes — cada um mais violento que o anterior.
    A luta parecia uma dança entre a vida e a morte, entre fúria e resistência.

    — Isso… Isso não é aura… — murmurou, mais para si do que para Li Wang. — O que é isso…?

    Ela avançou como um raio negro, com movimentos tão rápidos que o ar parecia cortar. Lyria tentou reagir, mas os golpes agora eram fortes demais, rápidos demais. A cada impacto, seu corpo era arremessado como se tivesse perdido toda a sua majestade.

    O ar estava saturado pelo cheiro metálico de sangue e pelos sons ofegantes de duas criaturas que já haviam ultrapassado seus limites.

    Li Wang e Lyria se encaravam no centro do estádio devastado, uma arena marcada por crateras, fragmentos de pedra e resquícios do combate brutal que travavam há minutos sem fim.

    O cristal negro cravado no peito de Li Wang pulsava com uma energia fria e incessante. Sua respiração era pesada, o corpo coberto pela armadura orgânica de Azazel, que parecia ter se fundido à sua carne.

    Lyria, por outro lado, arfava, com os olhos faiscando ódio e humilhação. As escamas que antes reluziam com arrogância agora estavam opacas, partidas em diversos pontos. Suas asas que antes batiam furiosas…
    Agora havia apenas uma.

    Num movimento de força bruta, Li Wang havia arrancado uma das asas de Lyria, provocando um grito de dor que ecoou como o lamento de uma fera ferida.
    A asa mutilada jazia no chão, envolta em sangue escuro e viscoso, espasmos involuntários ainda percorrendo sua estrutura.

    Agora, sem o domínio aéreo, Lyria se via obrigada a lutar no mesmo plano que Li Wang: corpo a corpo, frente a frente.

    E lutaram.
    Golpe após golpe.
    Investida após investida.

    Li Wang tentava, com socos e chutes revestidos pela força sombria de Azazel, perfurar a resistência sobrenatural da pele de Lyria… mas nada parecia capaz de penetrar completamente aquelas escamas remanescentes.

    Por outro lado, Lyria atacava com garras e presas, mas… também não conseguia.
    O traje negro absorvia o impacto de seus golpes.
    Li Wang já não sangrava, já não cambaleava.
    A armadura era como um escudo absoluto.

    Minutos se transformaram em eternidades naquela dança de fúria estéril.
    O cansaço começava a pesar nos músculos de ambas, e o ar parecia ficar cada vez mais rarefeito naquele duelo sem fim.
    Nenhuma delas parecia capaz de derrotar a outra.

    De repente, a voz rouca e firme de Hendrick cortou o silêncio como um trovão:

    — Basta!

    Ambas congelaram.

    Li Wang, exausta, deu um passo para trás, o corpo tremendo, esperando que Hendrick atacasse sem piedade. Mas ele não avançou.

    Lyria, por sua vez, recuou, os olhos arregalados de medo e respeito — uma emoção rara em sua expressão.

    Hendrick caminhou lentamente pelo campo arruinado, seus passos ecoando com uma tranquilidade perturbadora. Sua expressão era impassível, os olhos brilhando na penumbra.

    Ele se colocou entre as duas, como se pudesse, com um simples gesto, deter a fúria de ambas.

    — Não adianta. Vocês podem passar o resto da noite lutando, mas nenhuma conseguirá matar a outra — falou com autoridade.

    — Li Wang foi a vencedora — declarou com firmeza.

    Lyria, inconformada, lançou um ataque rápido em direção a Li Wang, mas Hendrick reagiu em um piscar de olhos, desferindo um golpe seco e certeiro que a derrubou no chão, nocauteada.

    Sem pressa, Hendrick colocou Lyria desacordada sobre os ombros, seu semblante sombrio.
    Virando-se para Li Wang, falou, com uma nota de aviso na voz:

    — Sua família está segura… por enquanto. Mas nós voltaremos. No futuro, tudo mudará.

    Com passos firmes, Hendrick deixou o estádio, carregando a criatura caída e deixando para trás um silêncio pesado, um campo de batalha manchado.

    Li Wang, com o corpo exausto e fraco, mal conseguiu ficar de pé.
    As pernas tremiam, e a visão começava a escurecer.
    Antes que pudesse resistir mais, o mundo ao seu redor desabou em escuridão, e ela desmaiou, caindo suavemente no chão frio do estádio.

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