Capítulo 35 – História de Mentira, Guerra de Verdade
Conto: Hendrick
A chuva fina caía sobre o telhado da residência tradicional japonesa, produzindo um som ritmado, quase meditativo. O portão de madeira escura rangeu ao ser aberto, revelando Hendrick, encharcado, mas impassível. Suas botas tocaram o solo de pedra polida do complexo da casa Daimyo — uma estrutura ancestral, de arquitetura imponente, onde o tempo parecia congelado entre paredes de papel de arroz e pilares de madeira envernizada.
Guardas mascarados flanqueavam os corredores. Homens silenciosos, de postura ereta, vestindo quimonos pretos com uma insígnia bordada nas costas. Seus olhos não se revelavam atrás das máscaras de cerâmica, mas o peso da vigilância era palpável, como se os próprios corredores estivessem vivos e julgando cada passo de Hendrick.
Ao adentrar o salão principal, Hendrick notou o aroma de chá fresco misturado ao odor sutil de incenso queimando em um altar ao fundo. O ambiente era austero, decorado com armaduras cerimoniais e espadas ancestrais expostas como troféus.
No centro, havia um grande tatame, delimitando o espaço sagrado da reunião.
Lá estavam eles.
Sentados com solenidade, cada um com sua aura inconfundível — os três Cavaleiros que completavam o círculo da destruição:
Yamamoto, a Fome. Sereno como uma lâmina embainhada, um homem de traços orientais marcados pelo tempo e pela disciplina, cujo olhar amedrontador parecia atravessar a alma.
Eleonor Jhones, a Morte. A única que não se sentava formalmente, ocupava seu lugar sobre o tatame com uma postura quase desafiadora. Seu corpo era um mapa de cicatrizes e marcas antigas de queimaduras que serpenteavam pelo pescoço, ombro e parte do rosto, vestígios de uma história que ninguém ousava questionar.
Embora lhe faltasse o braço esquerdo, isso não a tornava menos imponente; ao contrário, havia nela uma aura de domínio absoluto, como se a ausência física fosse compensada por uma presença capaz de esmagar qualquer um ao seu redor.
Vestia apenas uma calça e uma camiseta caída assimetricamente sobre o corpo, deixando à mostra parte da pele queimada, como se fizesse questão de lembrar a todos que já havia enfrentado o inferno e voltado.
Os cabelos castanhos estavam soltos, ondulando como chamas silenciosas. A expressão entediada e o sorriso cínico. Ela girava um pequeno punhal entre os dedos com uma destreza quase artística.
O Santo, a Peste, permanecia com as mãos unidas em prece, envolto por um silêncio inquietante. Nenhum dos presentes, nem mesmo Hendrick, sabia seu nome verdadeiro, tampouco o que havia por trás da máscara branca e lisa que cobria todo o rosto, sem expressão alguma, exceto pelas finas aberturas nos olhos e o discreto contorno dos lábios esculpido sobre o material opaco.
Apenas Eleonor Jhones já havia visto sua face, embora jamais tenha revelado o que viu.
Vestia uma túnica tradicional branca, que deslizava pelo corpo com uma leveza quase cerimonial. Seus cabelos eram longos, lisos e negros como tinta fresca, caindo sobre os ombros e parte do peito, criando um contraste vívido com a palidez da máscara e da pele. A julgar pelo porte físico, parecia ser um jovem adulto, mas sua presença carregava algo antigo, um vazio vestido de pureza, com séculos de pestilência ocultos por trás do olhar calmo.
Eles estavam sentados sobre o tatame, em silêncio absoluto.
E agora o quarto cavaleiro havia chegado.
Hendrick, a Guerra, completava o círculo.
A hierarquia silenciosa permeava o ambiente.
Encostados contra a parede, de pé como meros espectadores, estavam quatro dos sete pecados:
Gula, ofegante e letárgico.
Avareza, inquieto, com os olhos fixos nos objetos de valor que decoravam o ambiente.
Inveja, roendo-se em silêncio, incapaz de disfarçar o desprezo que sentia por aqueles sentados.
e Preguiça, encostado de modo displicente na parede, com um meio sorriso de escárnio, como se desfrutasse de um segredo íntimo que tornava tudo aquilo uma peça de teatro.
Eles estavam ali, mas não pertenciam. Não eram dignos do tatame.
Hendrick respirou fundo, sentindo a tensão invisível pairando no ar.
Yamamoto o observava. Imóvel, sentado com as pernas cruzadas e os dedos entrelaçados sobre o joelho. Ele parecia um monge à beira de uma erupção. Sua presença, mesmo silenciosa, era opressora.
— Sente-se, Hendrick. — Ordenou ele, sua voz grave e cortante não havia hostilidade aparente, apenas autoridade absoluta.
Hendrick obedeceu sem dizer nenhuma palavra. Ajoelhou-se diante da mesa, o joelho tocando o tatame com firmeza, mas sem reverência. Ao acomodar-se, notou que os outros três cavaleiros o encaravam com olhos inquietos.
Nenhum deles falou.
O silêncio era espesso, incômodo, como se todos estivessem apenas esperando a primeira rachadura.
Ela veio com a voz gélida de Eleonor.
— Vireon está morto. — Declarou Eleonor, a frase caindo como um machado sobre o peito de Hendrick. — Como isso foi possível?
A pergunta foi lançada com frieza e raiva contida. Seus olhos cinzentos o fitaram como lâminas. Ela não buscava apenas uma explicação, procurava um motivo para despedaçá-lo.
Hendrick não respondeu de imediato.
Em vez disso, girou ligeiramente o rosto e murmurou:
— Onde está o Ira?
A provocação foi clara. Um desvio calculado.
— Não mude de assunto dessa forma! — gritou Eleonor, levantando-se abruptamente. O baque de seu punho contra a mesa fez o chá tremer nas tigelas cerimoniais.
O estalo da madeira ecoou pelo salão.
Os pecados ergueram levemente o olhar, como cães famintos farejando um conflito.
Hendrick ergueu-se com calma, quase com desdém. Seus olhos cruzaram os de Eleonor, cheios de sarcasmo e desafio.
— Quer mesmo resolver isso assim? Vai mesmo passar vergonha na frente desses inúteis? — disse, lançando um olhar enviesado aos pecados. Seu desprezo era palpável, e atingiu os quatro como uma bofetada silenciosa.
O ar ficou pesado. Literalmente.
A temperatura subiu.
O punho de Eleonor começou a brilhar em tons incandescentes, envoltos por labaredas vermelhas que surgiam entre seus dedos como serpentes de fogo.
— De novo isso? — murmurou o Santo, com um tom de exaustão. Ele não tirou os olhos do centro da mesa. Era como se tudo aquilo fosse um teatro que já vira dezenas de vezes.
Antes que qualquer um pudesse reagir, Hendrick sacou um revólver dourado de seu sobretudo e disparou um único tiro — rápido, certeiro, mirando a cabeça do Santo.
Mas o projétil foi interceptado.
Com a palma da mão.
— Que infantil. — disse o Santo com um longo suspiro, como quem observa uma criança fazer birra.
Por um instante, o silêncio voltou.
Então Eleonor gargalhou.
A tensão se desfez num segundo, como um castelo de cartas sopradas pelo vento.
Ela caminhou até Hendrick, sem apagar as chamas da mão, e passou o braço por seus ombros, como uma velha companheira reencontrando um amigo.
— Você continua imprestável. E ridículo. — disse ela, ainda rindo, com as chamas lambendo as roupas de Hendrick.
Ele estreitou os olhos, puxando o tecido chamuscado do ombro.
— Ei! Sua mão tá queimando minha roupa, sua maldita.
Eleonor gargalhou ainda mais, agora com lágrimas se formando nos olhos. As risadas ecoaram pelo salão, confundindo os pecados, que não sabiam se deveriam rir, temer ou simplesmente se encolher.
Mesmo entre aliados, a linha entre humor e hostilidade era perigosamente fina.
O riso cessou.
As brasas da provocação ainda queimavam no ar, mas agora um clima de solenidade pairava sobre a sala.
Todos os Cavaleiros do Apocalipse haviam se sentado novamente, recompostos, mas não relaxados.
O silêncio pesava sobre o ambiente como névoa densa,
Foi Yamamoto quem o rompeu, com seu tom calmo e firme:
— Como todos vocês sabem, fiz um acordo com Nathan, o antigo Imperador Militar. Em troca de sua vida, ele nos deu uma informação crucial: Vangeance nasceu. E está sendo protegido pelo Anjo da Salvação.
Uma pausa.
— Com isso, não precisamos mais continuar matando recém-nascidos. A busca terminou.
Um murmúrio quase imperceptível ecoou entre os pecados.
Os Cavaleiros se mantiveram impassíveis, exceto pelo Santo, que franziu a testa, cético.
— Por que ele entregaria uma informação tão valiosa? — indagou o Santo, com a voz carregada de desconfiança.
— Porque eu o estava caçando. — respondeu Eleonor com simplicidade brutal. — Ele escolheu viver. O preço foi a verdade.
Yamamoto então voltou seus olhos oblíquos para Hendrick, observando-o como se estivesse medindo não só suas palavras, mas seu coração.
— Hendrick… Você conseguiu descobrir a identidade do Anjo da Salvação?
Hendrick não hesitou:
— Sim.
— Quem é? — perguntou Yamamoto, já esperando uma mentira, mas querendo ouvir qual seria.
— Atreus Tpsári.
O nome caiu como uma bomba.
O salão mergulhou num silêncio absoluto.
Nenhum dos pecados ousou sequer respirar alto.
Os pecados o encaravam como se o tempo houvesse congelado, olhos arregalados, semblantes tensos.
E então veio o rugido.
— NÃO MINTA PARA MIM! — bradou Yamamoto, levantando-se com fúria. O chão de madeira rangeu, e as paredes começaram a vibrar com a força do grito. Até o chá sobre a mesa tremeu, derramando gotas escuras sobre o tatame.
Mas antes que a sala implodisse em violência, Eleonor se levantou devagar.
Havia ameaça em seus olhos.
— Ei, velhote… é melhor você parar. — disse, com uma tranquilidade sinistra. Seu olhar cortava mais que uma lâmina.
Yamamoto hesitou. O tremor cessou. O ar parou de vibrar.
Ele tossiu brevemente, talvez em frustração, talvez em vergonha.
— Já mandei investigar esse tal anjo. — Pontuou o Santo, seco e analítico. — Segundo minhas fontes e todas as informações disponíveis… trata-se de uma mulher.
— É apenas um enorme engano. — respondeu Hendrick, pronto, como se já tivesse previsto aquela objeção.
Ele inclinou-se um pouco à frente, assumindo um tom quase didático.
— Ayana Saidi está sempre com ele. Como nunca conseguem ver Atreus diretamente, atribuem tudo a ela. Ele atua nas sombras. É inteligente, letal… e discreto.
O Santo ficou em silêncio por um momento.
Depois falou, com um tom neutro, mas relutante:
— Você tem certeza disso?
— Se Hendrick falou, é verdade. Eu confio nele. — Interveio Eleonor, firme, sem hesitação.
Um sorriso enviesado surgiu no canto dos lábios de Lethos Veylor, o pecado da Preguiça. Um sorriso preguiçoso, quase entediado, que parecia dizer “isso está ficando divertido.”
Mas foi a voz da Inveja que quebrou o momento:
— Mas… eu tenho certeza que o anjo era uma mulher.
Todos olharam para ela.
Eleonor não respondeu com palavras.
Ela apenas ergueu sua única mão num gesto seco, imperioso e em seguida, os dois braços da Inveja caíram ao chão com um baque surdo.
O corte fora tão limpo que o sangue demorou alguns segundos para começar a jorrar.
As chamas nas feridas surgiram em seguida, crepitando com uma fúria divina.
A Inveja caiu de joelhos, gritando em agonia.
— Você está querendo dizer que um cavaleiro está mentindo? — perguntou Eleonor, encarando-a com desprezo absoluto, como se falasse com algo menor do que um inseto.
— Eu… sinto muito… — murmurou a Inveja entre gritos e lágrimas, arqueando-se sobre si mesma, tremendo.
— Já chega. — Ordenou Yamamoto, sua voz cortando como aço.
As chamas cessaram instantaneamente.
A Inveja permaneceu caída, arfando.
Seus braços mutilados jaziam ao lado do corpo, como lenços encharcados de sangue.
Yamamoto voltou-se para Hendrick.
Seu semblante era uma máscara impassível, mas os olhos diziam outra coisa: ele duvidava, ainda que não pudesse provar.
— Você pode provar o que diz, Hendrick?
Hendrick assentiu.
— Fui até a Colômbia para erradicar o cartel de Connor Vanghun com Vireon. Encontramos Atreus lá. Ele estava destruindo o cartel sozinho, procurando por pistas que o levassem até Connor. Acredito que ele queira acabar com o tráfico de pedras de aura em seu país.
— Prossiga.
— Vireon não o reconheceu. E, como era típico, subestimou o inimigo. Correu para matá-lo. Foi morto em segundos.
— E você apenas ficou olhando um dos Sete morrerem? — perguntou o Santo, a descrença evidente na voz.
— Eu fiz o que pude para salvá-lo. Mas vocês sabem tão bem quanto eu: Atreus é um dos poucos que pode se opor a nós. — Disse Hendrick sarcasticamente.
Yamamoto permaneceu em silêncio por longos segundos.
Então fez uma pergunta estratégica:
— Eu designei dois pecados para cada cavaleiro. Os seus são o Orgulho e a Luxúria. Então me diga, Hendrick… por que levou a Preguiça com você?
Hendrick respondeu sem hesitação:
— Recebi informações de que Ayana Saidi estava sozinha na Rússia. Levei dois pecados para tentar eliminá-la o mais rápido possível. Enfraquecer Atreus. Foi uma decisão tática.
O Santo virou-se lentamente para Lethos Veylor.
— Preguiça, você confirma o que Hendrick disse?
Lethos, ainda com o mesmo sorriso relaxado, curvou levemente a cabeça.
— Sim, senhor.
Mais uma mentira que passava como verdade.
Mas nem todos na sala pareciam convencidos.
O silêncio que se seguiu à confirmação de Lethos era quase sobrenatural. Como o instante exato antes de um terremoto. Os olhos de Yamamoto, estreitos como lâminas, fitavam Hendrick com a frieza de um juiz ancestral. O velho samurai ergueu-se do tatame com lentidão deliberada, como se cada centímetro exigisse autocontrole. A madeira rangeu sob seus pés, e um sutil estalo de energia percorreu o ambiente.
Yamamoto era a encarnação viva da disciplina e da honra. Durante séculos, ele guiara a organização com mão firme, esmagando impérios, desmantelando religiões, reduzindo civilizações à poeira. Mas agora… agora havia algo que nem todos seus séculos de comando o prepararam para encarar: a sombra da traição entre seus iguais.
Pela segunda vez.
A primeira fora Alexandre Wishart, um nome agora proibido, enterrado sob toneladas de silêncio e vergonha. Quando a organização ordenou que todos os Cavaleiros impedissem a ressurreição do herói Cadmus Eryon, exterminando órfãos de guerra nascidos sob uma profecia, Alexandre desobedeceu. Tentou salvar o máximo de garotos, atrasando as execuções, sabotando operações. No fim, deu tempo suficiente para Cadmus reencarnar.
Suas ações quase destruíram a estrutura da organização. Mas, paradoxalmente, também forçaram um frágil acordo de paz entre a ONU e os Apocalypses, por alguns anos.
Yamamoto o teria executado pessoalmente, com honra e justiça. Mas Eleonor foi mais rápida, fria e silenciosa e matou Alexandre durante uma operação na China.
Porém, nem mesmo morto, Alexandre Wishart cessou de desafiar as regras.
Secretamente, antes de partir, passara seu título — “Peste” — para um dos garotos que tentara salvar. Um jovem franzino, de olhos profundos e fé inabalável. O garoto a quem hoje chamam de O Santo.
O gesto selou um impasse cruel.
Segundo as leis da organização, um título só pode ser transferido novamente após um século. Isso significava que Yamamoto tinha duas escolhas: aceitar o garoto como parte da Apocalypses… ou matá-lo e arriscar um vazio de cem anos na balança de poder.
Engoliu a honra, sufocou a fúria e o acolheu. Não por respeito ao garoto, mas para proteger o equilíbrio.
E agora, diante dele, estava Hendrick.
O traidor de olhos calmos e sorriso difícil de decifrar.
Mas diferente de Alexandre, Hendrick não estava sozinho.
Hendrick permanecia sentado, relaxado, quase insolente.
Ele sabia que, por mais que Yamamoto o odiasse naquele instante, não poderia tocá-lo. Não enquanto Eleonor estivesse ali, como uma sentinela à sua retaguarda.
Yamamoto é o líder da organização.
Mas até ele sabia: Eleonor era a mais poderosa dentre eles.
Uma mulher que sozinha conseguia bater de frente com o poder de um herói.
A Morte em carne e osso.
Leal á Apocalypses, mas ela não mataria Hendrick sem provas.
Yamamoto respirou fundo, como um guerreiro prestes a declarar guerra ao céu.
— A organização existe há séculos. — Sua voz reverberou como um trovão abafado, carregada com o peso de incontáveis eras. — Esmagamos impérios. Eliminamos semideuses. Derrubamos civilizações com um sussurro. Nascemos da ruína do mundo e nos tornamos os arquitetos do caos. Tudo por conta d’Ele.
Seus olhos percorreram os rostos dos Cavaleiros ao redor.
Ele sabia.
Sabia que Hendrick mentia.
O olhar do Cavaleiro da Guerra era o de alguém que ocultava algo atrás de cada palavra dita.
Mas Yamamoto nada disse.
Ainda não.
— Élysium… — ele continuou, com a voz fria — ousou nos desafiar. Enviaram um Arcanjo. Mataram Vireon e humilharam Lyria. Nos subestimaram e ridicularizaram.
Yamamoto fechou os olhos por um breve segundo, como se calculasse séculos de consequência dentro de um único suspiro.
— Dito isso… — retomou, abrindo os olhos — não temos outra escolha a não ser retaliar Élysium.
Ele deu um passo à frente.
— E faremos isso como quem esmaga um inseto.
O Santo manteve-se calado, exalando algo entre dúvida e inquietação.
Hendrick, por sua vez, aparentava manter o semblante firme, neutro, como se apenas tolerasse a conversa. Mas Yamamoto o conhecia bem demais para se deixar enganar. O leve tamborilar dos dedos contra a mesa não era um gesto de tensão, mas de entusiasmo contido.
Hendrick estava animado com o rumo que a conversa tomava.
Ele queria aquela guerra. Aquela perseguição.
Cada palavra de Yamamoto era como um passo em direção ao caos que ele sabia manipular tão bem.
Eleonor, no entanto, parecia distante. Sentada como uma estátua de mármore, olhos semicerrados, fixos em algum ponto do chão, como se a conversa fosse um zumbido irritante ao fundo.
Não estava ali por Hendrick, tampouco se importava com as especulações políticas dos outros.
Estava presente apenas por dever, um fardo silencioso que carregava por séculos.
A única razão de ainda estar sentada era o pacto com a organização.
Mas seu tédio era evidente.
— O nome dele é Atreus Tpsári, não é? — disse Yamamoto, com um leve tom de escárnio na voz. — O suposto Anjo da Salvação.
Hendrick assentiu com a cabeça, sem emoção.
Yamamoto sorriu. Frio, estratégico.
— Então iremos caçá-lo. Expor sua origem. Descobrir o que realmente ele é. E quando tudo for revelado…
Ele olhou diretamente para Hendrick.
— …a verdade virá à tona.
Por fim, virou-se de costas, encerrando ali qualquer possibilidade de discussão. Não por submissão, mas por estratégia. Ele não poderia derrotar Hendrick ainda.
— Pela primeira vez desde Senkaku… nós quatro iremos à guerra. Juntos.
As palavras pairaram no ar como uma sentença.
Por um instante, os corações dos Pecados cessaram, como se até mesmo os monstros ali presentes precisassem de um segundo para absorver o que acabavam de ouvir.
Senkaku.
A última vez que os Quatro Cavaleiros marcharam juntos, uma ilha desapareceu do mapa, por simples capricho.
O Santo cruzou os braços, pensativo, os olhos fixos em um ponto invisível, mas, ao final, assentiu com a cabeça. Em silêncio, aceitava a guerra.
Eleonor estalou os dedos, entediada, como quem enfim via uma desculpa para o massacre.
— Já sabemos o suficiente — disse, sua voz cortante como gelo fino prestes a rachar. — Parem de falar. Façam o que tem que ser feito.
Hendrick sorriu sutilmente. Havia vitória em sua expressão.
Era exatamente isso que ele queria.
A Preguiça recostou-se na parede e bocejou.
A Gula lambeu os lábios, salivando com a expectativa.
A Inveja ainda arfava, rosto manchado de lágrimas… mas ninguém se importava.
Por fim, a Avareza apenas observava, os olhos semicerrados como se já calculasse o preço de cada morte.
A decisão estava tomada.
A guerra foi declarada.
E desta vez, os deuses iriam sangrar.
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