Capítulo 4 – O Fim do Início
Conto: Andrew Oscar
Quando abriu os olhos, Andrew estava em uma cama de hospital. A claridade do ambiente o cegou por um instante. Havia monitores ao seu redor, o som dos bipes eletrônicos e o cheiro esterilizado que denunciava onde estava. Sentia-se fraco, desorientado. Tentou se lembrar… os tiros, a dor, o bebê… Sarah.
A porta se abriu devagar. Li Wang entrou com o rosto mais sombrio do que nunca. Havia algo quebrado em sua expressão, algo que Andrew nunca imaginou ver naquela mulher.
“Como pode aquela garota mirrada ter se tornado este símbolo de força?” — pensou ele.
Ela se aproximou da cama e parou ao lado dele, com os olhos carregados de pesar.
— Andrew… — disse ela, em voz baixa, quase um sussurro.
Um arrepio percorreu a espinha dele. Sentia que algo estava errado. Tentou se erguer, mas a dor explodiu nas costas como se o corpo estivesse em chamas.
— O que aconteceu? — perguntou, ofegante, temendo a resposta.
Li Wang respirou fundo.
— Sinto muito. A cirurgia conseguiu remover as balas, mas… o dano foi extenso demais. Você… não vai mais poder andar.
Andrew sentiu o chão sumir sob os pés. A dor física se apagou diante da devastação emocional que o consumiu. As lágrimas vieram antes que pudesse contê-las. Seu mundo, seus planos, sua vida, tudo havia mudado para sempre.
Li Wang o abraçou com firmeza, tentando oferecer consolo. Mas nenhuma palavra poderia mudar o que tinha acontecido.
Com a voz trêmula, Andrew a encarou, os olhos marejados:
— E… e minha esposa? Ela está bem?
Li Wang esboçou um leve sorriso e assentiu.
— Sim, Andrew. Ela está bem. Está na maternidade, cuidando do seu filho.
Fez uma pausa ao notar a mistura de esperança e apreensão no rosto dele.
— Vou chamá-la para vir falar com você. Ela ainda não sabia que você havia acordado.
Li Wang saiu do quarto, deixando uma atmosfera de expectativa no ar. Minutos depois, a porta se abriu novamente. Sarah entrou com um sorriso suave no rosto e o bebê cuidadosamente embalado nos braços. Seus olhos se encheram de lágrimas ao ver o marido desperto.
— Andrew, meu amor — disse ela, com a voz trêmula. — Estou tão feliz por você estar bem.
Andrew estendeu a mão, fraca, mas decidida, e tocou o rosto do bebê com delicadeza. Seus dedos tremiam ao sentir a pele quente da criança. Uma emoção avassaladora o percorreu.
— Eu sou… eu sou pai — sussurrou, com a voz embargada.
Sarah sentou-se ao lado dele, aninhando o bebê com carinho. Assentiu, emocionada.
— Sim, você é. E estou tão feliz por ter você de volta.
Li Wang reapareceu ao lado da cama, observando a cena com um olhar suave. Aproximou-se e inclinou-se levemente para olhar melhor o recém-nascido.
— E qual é o nome dele? — perguntou, sorrindo com uma doçura rara.
Andrew fitou o bebê nos braços de Sarah. Por um instante, tudo pareceu em silêncio. Pensou em todos os nomes que já imaginara, os que combinavam com sua história, com seu legado… mas apenas um lhe veio com clareza.
— Henry — disse ele, com voz firme. — Henry Vangeance.
O sorriso de Sarah se desfez. Ela congelou por um instante; seus olhos se arregalaram de forma quase imperceptível. A expressão de ternura se transformou em algo mais duro: perplexidade. Talvez medo.
Li Wang percebeu a mudança de imediato. Seu olhar cortante passou de Sarah para Andrew.
— Vangeance? — repetiu ela, franzindo levemente as sobrancelhas. — Ele não deveria levar o nome Oscar? Por que dar esse sobrenome a ele, irmão?
O silêncio que se seguiu foi denso, quase palpável. Sarah segurava Henry com mais força, como se, instintivamente, quisesse protegê-lo. Andrew permaneceu quieto por um segundo, encarando o filho, como se o nome tivesse surgido de algo mais profundo do que ele próprio compreendia.
— Eu… eu não sei — respondeu Andrew, pressionando as têmporas com os dedos, como se uma dor de cabeça súbita o tivesse atingido.
Li Wang hesitou por um instante, encarando o irmão com certo desconforto, antes de tentar suavizar a tensão.
— Bem, Vangeance não é um nome muito comum, mas… tenho certeza de que nosso pai ficará feliz em conhecer o primeiro neto dele.
Andrew, imerso em seus próprios pensamentos, tomava uma decisão silenciosa.
Tudo o que haviam vivido ali o havia transformado. Ele não queria mais guardar rancor. Não desejava continuar carregando o peso do passado.
Se houvesse chance de recomeçar, tentaria, mesmo que fosse pela centésima vez, fazer as pazes com o pai.
Li Wang voltou-se levemente para Sarah, tentando envolvê-la na conversa.
— O que você acha, Sarah?
Pegando-a de surpresa, a pergunta a fez se enrijecer.
— Eu…
Sarah abriu a boca para responder, mas foi abruptamente interrompida. Uma mulher loira, de pele clara e expressão aflita, irrompeu no quarto. Vestia o mesmo uniforme tático que Li Wang usara durante o resgate. Estava ofegante, como se tivesse corrido todo o caminho.
— Dayse? — perguntou Li Wang, preocupada com o semblante da companheira. — O que houve?
— O hospital foi cercado! — respondeu ela entre arfadas. — Devem ser aproximadamente quinhentos daqueles desgraçados entrando agora mesmo.
A tensão dominou o ambiente. O olhar de Li Wang se endureceu.
— Vou pegar minha arma. Vamos proteger os civis — anunciou, já se dirigindo à porta com firmeza.
Mas Dayse a segurou pelo braço, impedindo-a de avançar.
— Li… — murmurou ela.
— O que foi agora?! — Li Wang virou-se, irritada.
— Scott nos deu ordem para evacuar o máximo de civis possível — explicou Dayse rapidamente. — Ele disse que ganharia tempo para nossa fuga.
— Merda! — rosnou Li Wang, puxando o braço com força. Estava frustrada com a decisão, mas sem tempo para discutir.
Nesse instante, tiros e explosões rasgaram o ar como uma tempestade violenta. Os corredores do hospital estremeceram com o eco da destruição. Li Wang lançou um olhar rápido a Andrew, Sarah e o bebê nos braços dela. Sua expressão se fechou em determinação.
— Primeiro, precisamos encontrar uma rota de fuga — disse ela com firmeza, já assumindo uma postura tática.
Olhou para Sarah e Andrew com intensidade, como se quisesse garantir, apenas com o olhar, que faria o impossível para mantê-los vivos.
— Certo — disse por fim, com a voz firme. — Vamos seguir esse plano.
Antes que pudesse dar o primeiro passo, Sarah a chamou com um tom desesperado e decidido.
— Li Wang.
Ela se virou, já pressentindo o peso do que viria.
— Por favor… pegue meu filho e fuja.
Li Wang franziu o cenho.
— O quê? Do que está falando? Vamos sair daqui todos juntos.
— Não — respondeu Sarah com firmeza, embora os olhos marejassem. — Enquanto eu e Andrew estivermos vivos, ele não vai desistir de nos matar. Então, por favor… fuja com nosso filho.
Andrew, apoiado no travesseiro e lutando contra a dor, interveio com voz rouca e cansada:
— Li Wang… o tempo está acabando. Aquele maníaco está vindo, e logo estará aqui. Eu sou só um estorvo. Não consigo andar, muito menos correr. Você precisa salvar meu filho. Por favor.
Ele a encarou com intensidade, tentando transmitir tudo o que sentia: medo, resignação, amor.
— E… um último pedido — continuou Sarah, engolindo em seco. — Na minha casa, há uma pequena caixa de metal escondida no escritório. Dentro dela estão todas as minhas anotações, todo o meu trabalho. É isso que esses criminosos querem. Entregue tudo ao meu filho… quando ele completar vinte anos.
Li Wang permaneceu imóvel por um instante, encarando os dois.
O coração batia acelerado, apertado.
Era uma soldado treinada, mas nenhuma missão a preparara para aquilo.
— Li Wang, precisamos ir! — insistiu Dayse, puxando-a levemente pelo braço.
Com os olhos marejados, ela assentiu em silêncio. Aproximou-se de Sarah com as mãos trêmulas e, com o maior cuidado do mundo, pegou o bebê em seus braços. O menino dormia, alheio ao caos ao redor.
— Eu juro que vou protegê-lo com a minha vida — murmurou.
Andrew sorriu, fraco. Sarah assentiu com os olhos cheios de lágrimas. Li Wang olhou para os dois uma última vez, como se tentasse eternizar aquela cena na memória.
Então virou-se e saiu ao lado de Dayse, apertando o bebê contra o peito. As explosões soavam mais próximas. O tempo deles havia acabado.
Andrew voltou o olhar para Sarah, os olhos marejados.
— Por que você também não foge, Sarah? Ainda há tempo. Nós dois não precisamos morrer — disse ele, com a voz embargada.
Ela o abraçou com força, encostando a cabeça em seu ombro.
— Porque eu te amo — disse, enquanto as lágrimas corriam pelo rosto. — Me desculpa, Andrew. Eu sou a culpada por tudo isso…
— Não. A culpa é minha… por ter sido fraco — respondeu ele, apertando a mão da esposa. Então, como se aquele fosse seu último gesto de amor, deu-lhe um beijo profundo, carregado de dor e despedida.
A porta foi arrombada com violência, como se a própria morte tivesse pressa. Homens armados invadiram o quarto, todos usando máscaras demoníacas. Apontaram as armas para o casal, mas nenhum disparo foi feito. Esperavam.
Logo depois, um homem entrou. Alto, musculoso, o corpo coberto de cicatrizes. Parecia Yamamoto… mas mais jovem, mais cruel.
— Ah, aí estão meus pombinhos favoritos — disse, com sarcasmo. — Quem devo matar primeiro?
Olhou ao redor, como se buscasse algo.
— A criança não está aqui? Filhos, matem qualquer bebê que encontrarem neste maldito hospital.
— Sim, pai! — responderam em uníssono. O som da sentença de morte ecoou pelo ambiente.
Pelo tom, pela postura, pelo medo reverente dos outros, Andrew teve certeza. Era Yamamoto. Mas como podia estar tão jovem?
Tomado pela fúria, Andrew tentou sair da cama. Queria destruí-lo com as próprias mãos. Rasgar aquele sorriso doentio do rosto dele. Mas o corpo não respondeu.
Yamamoto observou a tentativa e riu com desprezo.
— Muito bem. Já que não se decidem… Filhos, matem a mulher.
— NÃO! POR FAVOR! ME MATE, MAS POUPE A MINHA ESPOSA! — gritou Andrew, desesperado.
O tiro veio antes que ele terminasse a frase.
O estampido soou como um trovão. Sarah foi atingida na garganta. Seu corpo estremeceu nos braços dele. O projétil atravessou-a e atingiu Andrew no peito. O sangue jorrou, banhando os dois. Era impossível saber de quem era. Mas isso já não importava.
— Que tiro incrível! — Yamamoto gargalhou como um louco.
Continuou zombando:
— Vejam só, homens. Nosso doutorzinho virou um tomate.
Os capangas riram junto, encarando o corpo de Sarah como se fizesse parte de um espetáculo grotesco.
— POR QUÊ?! POR QUE VOCÊ A MATOU?! — Andrew gritou, segurando o pescoço de Sarah, tentando conter inutilmente o sangramento.
— And… rew… me… descul… pa… — murmurou ela, com dificuldade. O sangue escorria a cada palavra.
Com as últimas forças, Sarah levantou a mão e tocou o rosto do marido.
— Eu… te… amo… — disse, esboçando um sorriso antes que seus olhos se apagassem para sempre.
Andrew não gritou. Não chorou. Apenas… quebrou.
O mundo perdeu o som. O tempo, o ritmo. A vida, o sentido.
Permaneceu imóvel, com o corpo sem vida da esposa nos braços. Queria morrer. Suplicava por isso em silêncio.
Yamamoto, impiedoso, continuava a provocar:
— Que cara é essa? Está com medo de sangue? Ah, tanto faz… Você é o próximo.
Mas Andrew não reagia. Já estava morto por dentro.
— E não se preocupe… Vamos encontrar seu filho. Mas antes, farei uma visita ao seu querido pai. Vou dar-lhe a boa notícia: ele é avô! — gargalhou, como um demônio em festa.
— Filhos… matem esse fragmento inútil — ordenou Yamamoto, virando-se de costas, como se Andrew não valesse nem o espetáculo da execução.
Cinco tiros acertaram o peito de Andrew. Ele caiu sobre a cama, à beira da morte.
Mesmo com a visão turva e o corpo paralisado, os pensamentos permaneciam nítidos.
“Sarah… logo estarei com você… Henry… viva!”
Seu corpo já não obedecia, mas a alma ainda gritava.
E, num último fôlego, ele sussurrou:
— Eu te amo mais do que a minha própria vida…

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