Índice de Capítulo

    Narrador: Li Wang

    Li Wang cerrou os punhos com firmeza, o sangue escorria entre os dedos feridos. O traje negro de Azazel pulsava, acompanhando cada batida do seu coração.

    Seus olhos estavam fixos em Lethos, o corpo pronto para disparar novamente, mas foi então que sentiu algo vindo do céu.

    Um ruído cortante.

    Instintivamente, ela se lançou para o lado.

    Um segundo depois, um machado colossal caiu como um raio.

    A lâmina cravou-se no solo com um estrondo ensurdecedor. O impacto abriu uma cratera no chão, como se a terra tivesse sido atingida por um meteoro. Pedras e poeira explodiram em nuvens, e a onda de choque arremessou Li Wang vários metros para trás. Ela rolou pelo chão, mas se recuperou com agilidade, os pés escorregando antes de fincarem novamente no chão. Ofegante, varreu o campo com os olhos atentos.

    Do centro da cratera, em meio à névoa e à poeira levantada, uma nova figura emergiu.

    Era uma jovem.

    Uma garota, nova demais para a violência à sua volta. Não parecia ter mais de catorze anos. Os cabelos longos e lisos caíam até a cintura, completamente brancos, como neve intocada. Os olhos, vermelhos e calmos, não queimavam de fúria; eram serenos, como se nada daquele campo a perturbasse.

    Sua armadura era leve, desenhada para mobilidade. Tinha linhas elegantes e funcionais. O metal cinzento, manchado de vermelho e preto, dançava entre sangue, sombra e aço. Ela caminhou com uma tranquilidade absurda, ignorando os fragmentos em brasa ao redor do machado fincado no solo.

    — O que você está fazendo aqui? —Lyria gritou, a irritação cortando a voz. As asas se abriram como uma ameaça.

    A garota não se intimidou.

    Apenas olhou para Lyria com calma absoluta.

    — Ouvi o tumulto… e vim ver o que estava acontecendo — respondeu, como se falasse de algo cotidiano.

    Seu tom era calmo, quase gentil, mas havia algo ali… algo que fez até mesmo a neblina ao redor se dissipar.

    Li Wang observava em silêncio, os músculos ainda tensos, o corpo dolorido, mas o olhar atento. Uma pergunta ecoava em sua mente:

    “Quem… é essa menina?”

    Mesmo em meio ao caos, a jovem de cabelos brancos parecia deslocada, como se pertencesse a um mundo onde a violência não existia… ou era natural demais para assustá-la.

    Lyria avançou em direção a garota, as asas se abrindo com fúria, o chicote girando lentamente ao lado do corpo.

    — O que você quer aqui, Althaia? — rosnou. — Essa presa é minha.

    A garota virou o rosto com delicadeza, como se estivesse observando uma flor murcha.

    — Eu só queria ver o que estava acontecendo. A aura de vocês estava bagunçando o ar.

    Lyria se irritava cada vez mais com as palavras doces e sem pressa da menina.

    — Esta mulher me desafiou, me humilhou.

    Althaia inclinou levemente a cabeça, pensativa.

    — Entendo… então você quer matá-la porque está magoada.

    — Não. Eu quero matá-la porque ela é perigosa — rebateu Lyria, avançando mais um passo.

    Althaia ajoelhou-se calmamente junto ao machado cravado na terra e pousou a mão na lâmina como quem toca um brinquedo precioso. Seus olhos permaneceram sobre Li Wang, desprovidos de malícia, apenas curiosidade.

    — Ela parece tão frágil agora… — murmurou. — Com medo. Com dor. Está… bonita assim.

    Lyria cerrou os dentes.

    — Não se meta, Althaia. Não brinque comigo. Sentado sobre uma pedra próxima, Lethos observava com o tédio no rosto.

    — Na verdade… agradeço sua chegada, Althaia, — disse ele.

    Ela virou-se para ele e sorriu, como criança que recebe elogio por um desenho trêmulo.

    — Agradece?

    Lethos esticou os braços e bocejou.

    — É. Assim, não preciso mais trabalhar. Podem brincar à vontade. Estou cansado de me mexer hoje.
    — Você é um preguiçoso — disse Althaia, com tom quase carinhoso.

    — E você é uma psicopata com cara de boneca — respondeu ele, sem emoção alguma, jogando-se de costas sobre a pedra. — Divirtam-se.

    Lyria rangeu os dentes com mais força. Seus olhos fixos em Althaia agora não eram de ira… eram de frustração. Ela sabia o que aquela garota era. Sabia do que ela era capaz.

    — Althaia… — disse por fim, com a voz tensa. — Se você atrapalhar, juro que—

    — Atrapalhar? — interrompeu Althaia com um sorriso singelo. — Eu só quero brincar um pouco com ela. Prometo devolver o que sobrar…

    Ela se ergueu, com o machado nas mãos, como se fosse leve como um galho seco.

    Li Wang, ainda ofegante, percebeu imediatamente: a luta verdadeira só estava começando.

    A tensão no ar era quase sólida, tão densa quanto a fumaça que ainda dançava entre as árvores.

    Althaia Kray apoiou o enorme machado no ombro com leveza quase infantil, seus olhos vermelhos estavam fixos em Lyria, curiosos, mas serenos.

    Lyria, com o chicote oscilando ao redor do corpo, manteve a postura rígida. Seus músculos faciais tremiam, impacientes, como se cada palavra fosse uma afronta.

    — Onde estão os outros? — Lyria perguntou, a voz afiada como lâmina. — Onde estão os quatro Cavaleiros?

    Althaia respondeu num tom calmo, como se falasse de uma coisa trivial:

    — Estão de prontidão… frente ao Portão de Élysium. Yamamoto notou o distúrbio na Aura. Foi ele quem me mandou seguir vocês e descobrir quem estavam enfrentando.

    Lyria respirou fundo, o olhar se desviando brevemente para Li Wang, que ainda as observava à distância, calada, com os punhos cerrados.

    Althaia então inclinou a cabeça levemente, como se estivesse analisando um inseto raro.

    — Quem é ela? — perguntou com suavidade. — A garota com roupas negras.

    — Apenas… uma moradora de Élysium. Uma qualquer. — Lyria respondeu, mais alto do que precisava, nervosa e defensiva.

    Li Wang franziu o cenho. “Élysium?” O nome soava mitológico… mas a naturalidade com que mencionavam dava-lhe realidade. Ela permaneceu em silêncio, absorvendo cada palavra.

    Althaia observou Lyria por longos segundos, seu sorriso delicado se desfazendo lentamente, dando lugar a um silêncio incômodo.

    — Mentir é feio, Lyria — disse por fim. — E se estiver mentindo… sua cabeça vai rolar.

    A doçura na voz contrastava com a ameaça.

    Li Wang mantinha-se alerta, os olhos atentos percorrendo cada movimento, todos eram perigosos à sua maneira, mas Althaia agora ditava o ritmo.

    A jovem de olhos vermelhos deu mais alguns passos à frente, parando a poucos metros. Havia algo desconcertante em seu olhar calmo, distante demais para ser natural.
    — É curioso… — murmurou. — Não sinto sua aura.

    Li Wang franziu o cenho, mas permaneceu firme.
    — Todos aqui têm uma assinatura, uma vibração… um cheiro — continuou Althaia, com voz doce como névoa. — Mas você… você é um buraco. Um vazio. Como se estivesse morta por dentro.

    Li Wang respirou fundo.

    Cada parte de seu corpo gritava que a pessoa a sua frente era extremamente perigosa.

    Mesmo sem entender por completo os conceitos de aura, Li Wang lhe respondeu:

    — Talvez eu só seja boa em me esconder — respondeu, sem arrogância, apenas firme.

    — Não — Althaia negou suavemente, abrindo um sorriso leve, quase infantil. — Não é isso. Eu não sinto você… mas consigo sentir perfeitamente Ele.

    Ela ergueu um dedo e apontou para o peito de Li Wang, onde o cristal pulsava como um segundo coração.

    — Esse monstro… essa coisa dentro do cristal — disse ainda calma — ele é poderoso. Cheira a raiva, orgulho… uma fúria afiada, milenar. Gosto disso.

    Li Wang não falou nada de imediato. Sua mente processava o que estava acontecendo. Althaia… era perigosa, sim, mas de uma forma diferente de Lyria.

    Ela parecia apenas curiosa. Como uma criança brincando com fogo, sem temer se queimar.

    Lyria deu um passo à frente, os olhos flamejantes fixos em Li Wang.
    — Ela não é ninguém. Uma moradora qualquer de Élysium. Não vale seu tempo.

    — É mesmo…? — Althaia desviou o olhar lentamente para Lyria, como se só agora lembrasse da presença da outra mulher. — Engraçado… parece que você está nervosa.

    — Eu não estou — Lyria rosnou, apertando o chicote.

    Ao fundo, Lethos soltou uma risada abafada.
    — Ah, isso está ficando divertido… — disse, cruzando os braços com ar entediado. — É uma dança de mentiras… ninguém sabe quem engana, e quem é enganado.

    — Silêncio, Lethos — disparou Lyria, sem sequer olhá-lo.

    Althaia voltou-se para Li Wang, com a serenidade de quem observa algo interessante, mas mortal.
    — Diga-me… — sua voz baixa, nítida, carregava autoridade silenciosa — o que você é capaz de fazer em combate?

    Lyria observava cada gesto da garota com o maxilar trincado. Uma bomba-relógio. Quanto mais Althaia interagia, mais perigoso se tornava qualquer deslize. Um arrepio percorreu sua espinha. Hendrick jamais perdoaria se seus planos fossem expostos.

    Sem pronunciar palavra, Lyria lançou um olhar rápido para Lethos, apenas um leve gesto com o queixo. Ele entendeu imediatamente.
    — Haaah… trabalho de novo — resmungou com desdém.

    Com um estalar de dedos, a esfera de ferro disparou como um míssil em direção ao abdômen de Li Wang.

    Mas Li Wang não estava desprevenida. Num giro milimétrico, desviou por centímetros. A esfera zunia e se cravou em uma árvore, que caiu em estilhaços.

    Li não disse uma palavra. Cerrou os punhos e avançou na direção de Althaia, a mais perigosa ali.

    Lyria, aproveitando a brecha, atacou também. O chicote serpenteou pelo ar como uma cobra faminta, indo em direção ao pescoço de Li Wang.

    Li Wang desviou por reflexo, rolando para o lado, mas ainda foi cortada no ombro. A pele ardeu, fumaça negra subiu da ferida e Azazel regenerou cada músculo, cada corte.

    Althaia, ainda calma, observava, mas algo mudou. Seus olhos vermelhos agora brilhavam com intensidade selvagem, predatória.
    — Eu disse… — começou a aproximar-se de Lyria — eu disse que queria lutar com ela sozinha.

    Lyria ignorou.

    Continuou sua ofensiva. O chicote cortou o ar novamente.

    Li Wang aparou o golpe com o braço, protegida pelo manto de Azazel, mas ainda assim foi arremessada contra uma árvore.

    Althaia parou.

    — Você está me ignorando? — sua voz doce, mas carregada de ameaça.

    Lyria virou-se para responder algo, mas não teve tempo.

    Althaia empunhou o machado. Ninguém viu de onde surgiu, mas ele estava lá. Num único movimento, a lâmina cortou o ar, tão rápida que parecia rasgar o tempo, atravessando o corpo de Lyria como um relâmpago negro.

    Por um instante, o tempo pareceu congelar.

    Depois, o som seco da carne rasgando ecoou.

    Uma das asas de Lyria caiu no chão desprendendo-se como membro arrancado de um anjo, e o grito da mulher alada se misturou à dor, à raiva e à incredulidade. Seus olhos se arregalaram, refletindo choque e pavor.

    Althaia avançou com uma calma assustadora, cada passo medido, quase sobrenatural. Sem hesitar, socou o estômago de Lyria. O golpe seco reverberou na floresta como um trovão distante, brutal e impiedoso. Lyria foi lançada como projétil, atravessando árvores e arbustos, arrancando o silêncio do bosque. Pássaros voaram em desespero, e o vento carregou o eco da destruição.

    Li Wang permaneceu imóvel, o coração martelando. A rapidez do ataque, a precisão sobrenatural, a força inumana, tudo fez seu estômago gelar.

    Ela percebeu, com um arrepio frio, que Althaia não era apenas poderosa; era impossível de mensurar.

    Quando Lyria finalmente parou, caída metros adiante, arrastando-se pelo chão e tossindo sangue, Li Wang viu o buraco profundo no abdômen da mulher alada.

    O choque a atingiu como um golpe: aquela garota de cabelos brancos, pequena, serena, quase infantil, havia derrotado Lyria em segundos, com movimentos desleixados, mas deixavam um rastro de devastação.

    O silêncio que se seguiu esmagou tudo. O mundo parecia conter a respiração. Apenas a respiração calma e pesada de Althaia preenchia o ar, marcando sua presença como se o próprio tempo lhe obedecesse. Ela se virou lentamente para Li Wang, e um sorriso suave, quase infantil, iluminou seu rosto. Mas havia algo de perigoso, primitivo e absoluto naquele gesto.
    — Agora sim… podemos brincar em paz.

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