Capítulo 52 – A Sinfonia do Poder
Narrador: Connor Vaughn
A faca deslizou pela carne com a precisão de quem já repetira o gesto milhares de vezes. Connor cortou um pedaço do bife perfeitamente selado, o aroma quente misturando-se ao vinho que descansava em sua taça. A varanda ampla do castelo recebia o sopro suave do fim de tarde, carregando notas longínquas de terra fria e vento de altitude.
A alguns passos dele, um garçom mantinha a postura impecável, segurando a garrafa de vinho com respeito quase ritual. Mais adiante, a pequena orquestra tocava um adágio discreto, preenchendo o ar com uma serenidade que parecia suspender o mundo. O violino liderava o conjunto, acompanhado por um cello profundo que fazia vibrar as colunas antigas atrás deles.
À frente de Connor, a paisagem se abria como um quadro vivo: cordilheiras imensas, recortadas pela luz dourada do pôr do sol, suas sombras se estendendo como dedos alongados pelas encostas. O céu ardia em tons de laranja e púrpura, refletindo-se nas taças, nos metais da orquestra, no aço polido de talheres que nunca tocavam ruído em mãos tão disciplinadas.
Ele levou o vinho aos lábios. Saboreou devagar.
A música, a comida, o clima, tudo estava exatamente onde deveria estar.
O ambiente ainda respirava paz, música suave, a carne ainda soltando vapor, o vinho refletindo o último ouro do entardecer, quando passos calculados ecoaram no terraço.
Um homem e uma mulher bem vestidos surgiram na varanda. Ambos carregavam aquela postura rígida de quem sabe exatamente onde está e diante de quem está.
Eles se aproximaram com respeito e cautela.
— Senhor, a presidente chegou. — disse o homem, com a voz controlada e o queixo levemente inclinado.
Connor ergueu os olhos para eles, e então para ela.
Um sorriso quase imperceptível surgiu em seu rosto, discreto, porém eloquente. Um convite.
A mulher retribuiu com um leve inclinar de cabeça, medido e elegante.
Connor levantou-se com calma absoluta. Estendeu a mão.
A presidente apertou-a com firmeza… mas a diferença de peso no gesto era evidente. A presença de Connor engolia a dela sem esforço, não por força física, mas pela naturalidade com que ocupava o espaço.
— É uma honra estar aqui. — disse ela.
O homem ao lado rapidamente puxou a cadeira com precisão ensaiada, permitindo que ela se sentasse à mesma mesa que seu chefe. Em seguida, posicionou-se alguns passos atrás, próximo à orquestra, imóvel, atento, tão silencioso quanto uma lâmina embainhada.
No mesmo instante, o garçom avançou com elegância impecável.
Encheu a taça da mulher com movimentos fluidos e discretos, sem derramar uma única gota. Depois, recolheu-se como se nunca tivesse estado ali.
Connor voltou a sentar-se.
— Agradeço por ter vindo tão rápido. Imagino que sua agenda esteja… apertada.
Ela sorriu de canto. Levou a taça aos lábios com delicadeza profissional.
— Para certos encontros, sempre arranjo um tempo. O que aconteceu?
Connor apoiou os dedos no aro da própria taça.
— Nada que não possa ser resolvido. — disse, com a calma de quem fala sobre ajustar um quadro torto. — Enfim… recentemente notei que seus colegas no parlamento andam inquietos demais.
A presidente soltou um breve riso controlado, um som sem alegria.
— Política é teatro, Sr. Vaughn. — Ela girou a taça, observando o reflexo do céu. — Eles gritam, protestam, dizem estar ao lado do povo… e, no fim, votam em quem mandarmos. Desde que certas… contribuições não faltem.
— Contribuições nunca irão faltar. — respondeu Connor, tranquilo. — O que me preocupa é a próxima eleição. Dois anos passam rápido.
— Já estou cuidando disso. — disse ela, confiante. — Com sua ajuda, sei que poderemos comandar este país por mais sete anos.
Connor inclinou a cabeça, como quem confirma algo que sempre soube.
— E quanto aos opositores?
A presidente pousou a taça, cruzou as pernas e manteve a postura impecável.
— Deixarei eles em suas mãos.
— Você nunca deixa de me surpreender, Srta. Mary. — disse Connor, recostando-se na cadeira com a serenidade de quem escuta boas notícias que já esperava receber.
A presidente sorriu com discreta vaidade.
— Se tudo sair conforme o plano, nas próximas eleições não haverá sequer um opositor ao meu mandato.
— Ótimo. — Connor assentiu, satisfeito. Seus dedos tocaram o aro da taça antes de erguerem a voz com suavidade: — Aidan, venha aqui.
O homem, que até então permanecia imóvel próximo à orquestra caminhou imediatamente.
Assim que chegou ao lado de Connor, ajoelhou-se com respeito absoluto.
— Senhor? — perguntou.
Connor apoiou uma mão em seu ombro, quase num gesto afetuoso… mas que carregava a mesma pressão de uma ordem silenciosa.
— Cuide dos assuntos da nossa… ilustre Presidente.
Aidan não hesitou.
— Sim, senhor!
Mary observava tudo com postura impecável, mas seus olhos não conseguiam esconder o leve tremor de fascinação, ou, receio.
Connor continuou:
— Quanto ao nosso projeto em andamento?
— Tudo está saindo conforme o planejado. — respondeu Aidan.
— Atualize-me. E deixe que nossa convidada saiba o que estamos preparando. — disse Connor, dando-lhe permissão para prosseguir.
Aidan respirou fundo antes de falar:
— Nós já conseguimos hackear o sistema da ONU. Encontrar o arquivo que o senhor pediu foi… complicado, mas conseguimos. Ele estava escondido no sistema da CAAEX. Notamos que eles repassaram tudo diretamente ao Regente do Primeiro Tratado. Senhor, temo pelas possíveis represá—
Connor nem precisou erguer a voz.
— Aidan. Continue.
O silêncio que caiu foi mais pesado que qualquer ameaça.
Aidan abaixou a cabeça, arrependido.
— Sim, senhor.
Engoliu seco e prosseguiu:
— Estamos prontos para divulgar o vídeo de Li Wang matando os políticos colombianos, o registro da luta da ONU contra a Apocalypses e, também, a gravação do exato momento em que um dos imperadores militares morre. Além disso, já estamos com os documentos enviados ao Cadmus Eryon.
A presidente arregalou os olhos, não uma, mas várias vezes durante aquela fala. Um misto de horror, fascínio e a percepção de que estava sentada diante de algo muito maior do que imaginara.
Connor encostou a ponta dos dedos no queixo, satisfeito.
— Quanto à Apocalypses? — perguntou.
— Enviei seus homens de confiança ao Japão. Eles estão apenas aguardando sua ordem para iniciar as atividades.
Connor inclinou-se levemente para frente.
— E Li Wang?
Aidan hesitou apenas um segundo, o suficiente para Mary perceber que aquela parte era ainda mais delicada.
— Enviei seus melhores homens para o Nepal. Eles tentarão eliminá-la. Se falharem… sequestrarão alguém importante para ela. Usaremos como reféns, senhor.
Mary ficou boquiaberta.
A orquestra tocava, mas a música parecia distante, como se o mundo ao redor tivesse perdido o volume.
Connor levantou a taça, observando o vinho à luz do pôr do sol.
— Perfeito. — Deu um gole lento, apreciando cada nota do sabor. — Em uma hora, diga para iniciarem o plano.
Aidan curvou-se profundamente.
— Sim, senhor.
Mary observava tudo, quase imóvel.
A serenidade de Connor diante de planos tão vastos e devastadores parecia… antinatural.
Sedutora.
Assustadora.
Ela inspirou com cuidado, buscando manter a compostura.
— Você nunca deixa de me surpreender. — disse, com a voz baixa, sincera e um pouco temerosa.
Connor apenas sorriu, voltando a admirar a cordilheira dourada pelo sol poente.
Apoiou a taça no braço da cadeira, girando o vinho como se procurasse algo no reflexo. A orquestra descia para notas mais lentas, quase melancólicas, e o vento carregava o cheiro distante de musgo e pedra úmida.
Mary ainda observava Aidan se afastar, mas sua mente estava nitidamente em outro lugar.
— Connor… — ela disse, num tom quase hesitante. — Você realmente acredita que tudo isso será suficiente para… moldar o mundo a sua vontade?
Ele não respondeu de imediato. Levou a taça aos lábios, bebeu um gole pequeno, e só então sorriu, aquele sorriso tranquilo, quase gentil, que era sempre mais assustador do que qualquer ameaça explícita.
— Mary, minha querida… — sua voz baixou, íntima, quase confidencial. — O mundo já está moldado. Só estou… reorganizando a minha maneira.
Ela o encarou, tentando interpretar o que havia por trás daquela serenidade.
E ele inclinou levemente a cabeça, como se lesse seus pensamentos.
— Você parece preocupada.
— É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. E você… às vezes parece saber coisas que não deveria saber.
Connor respirou fundo, apreciando a música, o vento e a tensão que se instalava entre eles.
— Eu sei menos do que gostaria, e mais do que as pessoas imaginam. — Um breve silêncio surgiu entre eles. — Mas… existe algo que eu sei com absoluta certeza.
Mary engoliu em seco.
Ele virou o rosto para ela, e seu olhar não era violento, mas firme, e, portanto, ainda mais perigoso.
— Esses deuses, semideuses, tratados secretos… eles acham que escondem segredos do mundo.
Uma pausa.
— Mas o maior erro deles… é me subestimar.
Mary sentiu uma pontada de frio nas costas, e Connor, percebendo, sorriu como se tivesse dito algo reconfortante.
— E é por isso — continuou ele, voltando-se novamente para o pôr do sol — que vamos vencer.
A música subiu suavemente, como se desse a ele o encerramento perfeito.
Ele ergueu a taça na direção das montanhas douradas pelo crepúsculo.
— Um brinde, aos que acham que governam o mundo.
Mary não teve coragem de responder. Apenas observou, em silêncio, enquanto o último raio de sol iluminava o sorriso tranquilo, e, absolutamente terrível de Connor Vaughn.

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