Capítulo 6 – Êxodo
Conto: Li Wang
O cheiro de sangue e fumaça impregnava os corredores do hospital, tornando o ar quase irrespirável. Gritos ecoavam entre as paredes rachadas, misturados ao estampido dos tiros que se aproximavam. Com Henry nos braços, Li Wang avançava com passos firmes, os olhos atentos examinando cada sala, cada canto, em busca de civis escondidos ou possíveis ameaças.
— Aqui! — gritou ao ver um pequeno grupo agachado atrás de uma maca virada. — Venham comigo, rápido!
Sua voz soava como uma ordem, mas carregava um traço de desespero que ela mesma não conseguia esconder.
Alguns civis cambalearam para fora dos quartos, assustados e feridos, agarrando-se à esperança que Li Wang representava. A cada passo, o peso da responsabilidade se intensificava.
Dayse vinha logo atrás, o rosto tenso, guiando os civis com uma pistola em punho. Tinha apenas cinco balas, sabia exatamente quantas vezes podia errar: nenhuma.
Ao olharem pela janela, viram Scott trocando tiros contra dezenas de inimigos. Li Wang ficou paralisada por um instante. A lembrança do dia em que ele, sozinho, destruíra um acampamento terrorista, retornou como um soco.
Seguiram pelo corredor estreito enquanto o som de botas ecoava pelos andares. Li Wang guiou os civis até a saída de emergência. As portas rangiam ao abrir, revelando a escada que levava ao estacionamento subterrâneo.
Ali, o ar era denso, abafado pelo cheiro de óleo, fumaça e ferro queimado. Ao abrirem a pesada porta de metal, o que viram era desolador: carros destruídos, alguns ainda em chamas. Corpos estendidos, vidros estilhaçados e o zumbido falho das sirenes ecoando entre os pilares.
Uma idosa começou a chorar:
— Não há saída… eles vão nos achar aqui…
Li Wang manteve a calma, mesmo com o caos ao redor.
— Merda… — murmurou Dayse, avaliando tudo com olhos rápidos.
Li Wang apertou Henry contra o peito, protegendo-o do calor que irradiava do inferno ao redor. Foi então que Dayse apontou:
— Ali! Aquilo parece um túnel?
Era uma grande entrada metálica, parcialmente coberta por destroços. Larga o bastante para um carro pequeno.
— É um túnel de manutenção! — disse um dos civis, um homem de meia-idade de roupas rasgadas. — Trabalho no prédio técnico do hospital. Esse túnel conecta o hospital à central de manutenção. Passa por baixo do jardim e termina atrás do bloco administrativo. Mas está abandonado há anos.
— É a nossa chance — respondeu Li Wang, aliviada.
Forçaram a estrutura semiaberta. Um cheiro de ferrugem e poeira antiga invadiu o ambiente. O túnel estava escuro, mas ainda sólido.
— Um por vez! Rápido! — ordenou ela, com firmeza.
Os civis começaram a descer. Li Wang mantinha Henry sob o manto, enquanto ajudava os feridos. A movimentação era rápida, mas coordenada. Dayse cobria a retaguarda com a arma erguida e os olhos atentos.
Então, passos ecoaram do outro lado do estacionamento.
Três homens mascarados surgiram de trás de um carro em chamas. Abriram fogo sem hesitar.
Pânico. Gritos. Uma mulher caiu, ferida. Outra se jogou ao chão, tentando proteger o filho.
Dayse se colocou entre os civis e os atiradores.
— Vai! — gritou para Li Wang. — Tire eles daqui! Continuem descendo! Não parem!
— Não posso te deixar! — protestou Li Wang, já hesitante.
— Isso não é sobre mim, Li! — respondeu Dayse, firme. Ergueu a pistola e disparou. O primeiro caiu.
Li Wang hesitou apenas um segundo. Depois correu. Puxou os últimos civis, protegendo Henry com o corpo. Mais tiros. O segundo agressor caiu. Depois o terceiro. Mas o último som foi diferente: um grito abafado.
Dayse cambaleou, caiu de joelhos. A mão pressionava a coxa, agora banhada de sangue. Ofegante, ainda segurava a arma, sem permitir que o pânico a dominasse. Mas o sangue escorria rápido. E, aos poucos, os sentidos lhe escapavam.
Mesmo assim, viu Li Wang desaparecer no túnel com os sobreviventes.
O chão estava frio. Mas sua expressão permanecia serena. Ela havia cumprido seu papel.
Li Wang entregou Henry a uma senhora desconhecida, ainda relutante, o instinto de protegê-lo pulsando com força. Mas a angústia por Dayse falou mais alto. Correu de volta, o coração batendo como um tambor.
— Dayse! — gritou Li Wang, a voz trêmula enquanto corria até ela.
Quando chegou até ela, chamou seu nome novamente.
— Dayse… — sussurrou ao se ajoelhar ao lado da amiga, com as mãos tremendo.
Dayse não respondeu.
O sangue se espalhava rápido, um sinal cruel de que a ferida era profunda demais.
Li Wang a segurou, puxando-a para o ombro. Sentiu o corpo dela amolecer, a cabeça pender para o lado. Olhou o rosto pálido, os traços sem cor, o peito imóvel. O sangue manchava suas roupas, e por um instante, Li Wang congelou. O coração batia em um ritmo frenético.
Sacudiu Dayse. A mão fria da amiga escorregou da sua.
Nada.
Li Wang sentiu o estômago revirar. As lágrimas ameaçaram romper, mas ela as conteve, engolindo a dor que subia como um grito surdo. Dayse não podia ter partido. Não agora.
— Não, não… — murmurou, a voz quebrada.
A realidade começou a se instalar, cruel. Dayse estava morta?
A dúvida a queimava por dentro. Não podia perder mais ninguém. Não daquele jeito.
Todo o sofrimento que ela guardava sob controle rompeu as barreiras. Li Wang sentiu as forças se esvaírem, a visão turva.
A dor não era apenas física. Era uma falha. Uma ferida que o destino abrira para lembrar que nem todos poderiam ser salvos. Mas algo dentro dela se recusava a aceitar.
Com dedos trêmulos, tocou o pulso da amiga. Procurava um milagre.
— Por favor… você não… — sussurrou entre lágrimas. Ela havia prometido. Prometido que nunca mais deixaria alguém importante morrer.
Mas ali estava Dayse.
E ela havia falhado.
Por um momento, o silêncio absoluto tomou conta do espaço. Li Wang estava prestes a ceder àquele desespero. Mas então… algo. Um movimento sutil na mão de Dayse. e um suspiro quase imperceptível escapou de seus lábios.
Ela estava viva.
O alívio veio com a mesma intensidade do desespero anterior.
Li Wang a puxou para si, o coração ainda apavorado, mas agora com uma centelha de esperança.
Os civis observavam, entre o choque e o alívio.
Ela sabia que não poderia perder mais tempo. O resgate ainda não havia terminado. E agora mais do que nunca, ela tinha que garantir que Dayse sobrevivesse.
— Vamos, Dayse… você vai ficar bem. — disse, com a voz firme, mesmo sem acreditar completamente nisso. Era o que podia fazer. Era o que precisava dizer
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