Conto: Li Wang

    Li Wang arrastou Dayse até a entrada e, juntas, se lançaram para dentro.

    Envoltas na escuridão, ela pegou o bebê novamente nos braços. O sangue de Dayse tingia o chão sob seus pés. Respirou fundo. Assim que entraram no túnel, alguns civis se aproximaram para ajudar, e logo todos retomaram o plano de fuga.

    A passagem subterrânea se estendia à frente deles como um longo pesadelo, um corredor apertado e mal iluminado, com as paredes de concreto rachadas e úmidas. A única fonte de luz vinha das lanternas improvisadas nas mãos trêmulas dos civis. O som dos passos ecoava abafado, um lembrete constante do horror que deixavam para trás.

    Li Wang lutava contra o peso da exaustão, e a mente desorientada com cada passo apressado. O som das explosões distantes ainda ecoava pelo túnel, mas ela não podia se dar ao luxo de parar. Havia vidas em suas mãos. Olhou para trás, para o grupo que liderava, e seu olhar parou em Dayse, carregada por dois voluntários. Sua respiração tornava-se cada vez mais fraca. A preocupação de Li Wang crescia como um nó no peito.

    “Quando esse maldito túnel vai acabar?”

    — Estamos quase lá, só mais um pouco — disse Li Wang, sua voz rasgada pela tensão, mas tentando soar o mais firme possível para os civis. Eles não podiam parar agora. Eles não podiam ser encontrados.

    Mas os corredores pareciam infinitos. As paredes se estreitavam à medida que seguiam em direção à parte mais profunda da estrutura subterrânea. A sensação era de estarem sendo engolidos pela própria terra.

    Cada gemido abafado de Dayse fazia o peito de Li Wang doer ainda mais. A sombra da morte pairava sobre sua amiga, e isso a impulsionava a continuar.

    O grupo seguia em silêncio. Alguns sussurravam orações; outros caminhavam de olhos arregalados, dominados pela angústia. O ar parecia mais pesado. O perigo os rodeava, mas a promessa de segurança, por mais distante que fosse, oferecia uma fagulha de esperança.

    Avançaram alguns metros. Os passos batiam contra o chão irregular, misturando-se à respiração ofegante do grupo. Li Wang sabia que não podiam hesitar. Mesmo com o cansaço ameaçando dominá-la, mantinha o ritmo. Não podia deixar o medo vencer.

    Então, algo mudou. Uma luz fraca vazava por rachaduras no teto do túnel. Era um sinal.

    Chegaram a uma pequena abertura no concreto. Uma fenda. Li Wang olhou ao redor. Os civis pareciam aliviados, embora ainda sem saber o que encontrariam do outro lado.

    Com um último esforço, ela empurrou uma pedra grande que bloqueava a saída. A rocha cedeu, e uma lufada de ar fresco invadiu o túnel.
    Emergiram com um suspiro coletivo. A noite os envolveu. Mas o alívio durou pouco.

    Estavam num beco escuro e estreito, cercado por altos edifícios de concreto. A sensação era a de um labirinto sem fim. Os civis olhavam ao redor, confusos, assustados.

    — Pensávamos que iríamos até o prédio técnico, como o engenheiro mencionou… — disse uma mulher, a voz baixa e trêmula. — Por que estamos numa cidade?

    O engenheiro se aproximou, examinando o local com o cenho franzido.

    — Acho que erramos o caminho — murmurou. — Esta é uma cidade próxima… mas não deveria ser assim.

    Li Wang o encarou, desconfiada. Mas aquele não era o momento de exigir explicações. A prioridade era decidir o próximo passo. Estavam em território desconhecido, e qualquer movimento em falso poderia condená-los.

    Logo, notou algo estranho: a cidade estava em festa.

    Pessoas gritavam, se abraçavam, dançavam. Lanternas coloridas iluminavam as ruas. Fogos explodiam no céu com estrondo. A música ecoava pelos prédios.

    Era o Ano Novo.

    Ainda tensos, os civis começaram a se dispersar. Um a um, afastaram-se de Li Wang e dos outros, sendo engolidos pela multidão. O medo não os havia deixado, mas o anonimato lhes dava algum conforto.

    Alguns lançaram um último olhar de gratidão a Li Wang antes de sumirem entre os festeiros, misturando-se à celebração embriagada de um povo que, ao contrário deles, nada sabia do que se passava no subsolo.

    O barulho da festa os cercava. Vozes, risos e música preenchiam o ar.

    Foi então que, finalmente, Dayse deu sinais de vida. Moveu-se, soltando um gemido fraco antes de abrir os olhos lentamente.
    Li Wang se aproximou de imediato, o coração disparado.
    — Dayse! — sussurrou, aliviada. — Você está bem?

    Dayse ainda estava atordoada, os olhos semicerrados, a respiração fraca.

    Sem perder tempo, Li Wang começou a tratar seus ferimentos. As mãos se moviam com precisão: firmes, rápidas, treinadas. Aplicou os conhecimentos médicos que aprendera no exército e herdara de seu pai.
    Desinfetou os cortes com o pouco de água que restava e improvisou curativos com o que tinha à mão.
    — Vai passar, Dayse. Fique comigo — disse, com a voz suave, mas carregada de urgência.

    Dayse assentiu levemente, os olhos se fechando novamente enquanto Li Wang terminava os cuidados.

    Ao acabar, olhou ao redor. A multidão ainda comemorava nas ruas. O risco de serem vistas ali era iminente.
    Ela se afastou um pouco, retirou os coletes de proteção que ambas usavam e os jogou discretamente no lixo, tentando não chamar atenção.
    — Precisamos desaparecer entre eles — murmurou, o olhar firme. — Vamos nos misturar à multidão. Não podemos ser reconhecidas.

    Dayse, ainda fraca, esforçou-se para se levantar com a ajuda de Li Wang. Disfarçadas, começaram a andar entre a multidão frenética. A cidade estava em festa, mas o perigo continuava à espreita.

    — No meio da multidão… há alguns com tatuagens de cruz no pescoço — murmurou Dayse, apoiando-se em uma parede. — Talvez seja paranoia, mas acho que são da mesma gangue que invadiu o hospital. Precisamos despistá-los.

    Li Wang observou com atenção os vultos à sua volta, olhos afiados como lâminas.
    — Precisamos sair daqui — disse, em voz baixa. — Mas se formos ao aeroporto, seremos reconhecidas. E não vai ser fácil proteger você… e uma criança de colo… com esses idiotas no nosso encalço.

    — Não temos escolha — Dayse rebateu, tirando o celular do bolso. Os dedos tremiam levemente, mas sua expressão era decidida.

    Li Wang a observou com desconfiança.
    — Pra quem você tá ligando?

    — Nossa rota segura de saída do país.

    Dayse levou o telefone ao ouvido. Do outro lado, uma voz abafada, mas familiar, respondeu em japonês, idioma que Li Wang não compreendia, embora não tirasse os olhos de Dayse.

    — Alô? Fumi Namura, sou eu, Dayse.
    — Fiquei sabendo do hospital! Você está bem?
    — Não foi nada grave, mas estamos sendo perseguidas.
    — Onde você está? Posso mobilizar um esquadrão pra te buscar.
    — Não será necessário. Só preciso do número do Nathan.

    Houve um silêncio do outro lado da linha.

    — Eu… não sei do que você está falando — disse Namura, tentando disfarçar.
    — Não minta pra mim. Sei que ele está escondido no Japão.
    — Quanto você sabe?
    — O suficiente pra que você se torne o novo alvo da ONU. Proteger um “quase imperador” é, basicamente, uma declaração de guerra.
    — Calma! Eu te passo o contato. Mas se uma guerra estourar, sua cabeça será a primeira a rolar!
    — Que gentileza. Então estarei esperando ansiosamente por isso — respondeu Dayse com um sorriso venenoso, encerrando a chamada com um toque seco.

    Li Wang ergueu uma sobrancelha.
    — O que ele disse?

    — Ah, ele foi um fofo — respondeu Dayse, guardando o celular com um ar despreocupado. — Compreendeu nossa situação e vai me passar o número de um antigo colega de trabalho de livre e espontânea vontade.

    — Quem é esse amigo?

    — Nathan.

    Li Wang ficou em silêncio por um instante. O nome soou como uma má notícia.
    — Nathan? Aquele que recusou ser imperador militar e agora está sendo caçado pela ONU?
    — Exatamente.

    Li Wang soltou um longo suspiro, olhando para o céu, onde os fogos de artifício ainda coloriam a noite.
    — Que merda estamos nos metendo…

    Foi então que ela sentiu: estava sendo vigiada. Não era coincidência.
    Alguém a seguia desde a última esquina, talvez mais de um. Tentou acelerar o passo, esgueirando-se entre grupos de festeiros, mas era tarde demais.

    Virou à esquerda, depois dobrou outra rua e atravessou um beco… mas estava cercada.

    O beco era estreito, úmido, iluminado apenas por um poste tremeluzente. As sombras dos prédios o tornavam sufocante.

    Os homens surgiram das trevas como espectros, cinco ao todo, com olhos vazios e passos firmes.
    Sacaram facas longas, afiadas, prontas para cortar carne e espalhar o caos.

    Li Wang olhou por cima do ombro. Dayse ainda estava fraca, mas conseguia se manter de pé. Henry dormia em seus braços, alheio ao perigo que os cercava.
    Sem hesitar, Li Wang lhe entregou o menino.
    — Quantas balas ainda temos? — perguntou, a voz baixa e firme.

    Dayse conferiu a arma com os dedos trêmulos.
    — Duas.

    Li Wang parou no centro do beco, as mãos nuas cerradas, os olhos fixos nos cinco homens armados com facas. O metal brilhou sob a luz amarela do poste, e, por um instante, tudo pareceu desacelerar.
    O som distante da festa se apagou, substituído pela respiração tensa, pelo farfalhar de passos sobre a sujeira, pelo tilintar metálico das lâminas.

    — Só atire se for realmente necessário — murmurou para Dayse.

    — Não gosto de matar crianças — disse um dos homens, a voz grave e áspera. — Mas são ordens do pai.

    E então correu em direção a Li Wang.

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