Capítulo 22: Alta Tensão
A besta recuou alguns passos para regenerar seu corpo. Diante de seus olhos, raios brancos cobriam o corpo da vice-líder.
— A Raposa Relâmpago… — balbuciou Daten, sem acreditar no que seus olhos viam.
— Bem que eu achei que estava tudo fácil demais para aqueles dois. — A mulher embainhou a arma que estava em suas mãos. Era um grande facão cinza, provavelmente feito de aço.
Com o corpo recuperado, Belmorth estufou o peito e provocou:
— Mas o que temos aqui? A vice-líder da guilda da Folha-de-Louro… — Ele tapou a boca ao segurar um riso sincero, debochado — Mas você já guardou sua arma? Mal chegou, e já está desistindo?
Em resposta às provocações de Belmorth, a corrente dos raios ao redor de Thalwara aumentou. Seus olhos brilhavam com o emanar da eletricidade.
— Acho que você não entendeu, então me permita demonstrar — começou ela, ao desaparecer do campo de visão de Belmorth.
Os raios pálidos tocaram cada canto da sala apertada. Com uma sequência de passos quase coreografados, a mulher alcançou Mirena e, logo depois, Dhaha.
O mago de carne sentiu a eletricidade cruzar seu corpo, aquela energia era diferente de uma corrente elétrica comum.
A mulher se movia em velocidade surreal, mas tinha uma fluidez contraditória, cada movimento era preciso e eficaz.
— Nossa prioridade é salvar os reféns — terminou ela, usando as paredes para chegar na porta principal.
Ela encostou Mirena e Dhaha na parede do corredor inicial enquanto acariciava suas cabeças.
— Vocês fizeram um bom trabalho, agora deixem com a guilda. — Ela se ergueu e caminhou de volta para a sala.
Belmorth queria tomar a iniciativa e atacá-la, mas sabia que não era uma boa ideia. Seu corpo pesado e robusto nunca superaria aquela velocidade.
— Eu não esperava que você conseguisse usar seu carma tão bem. Você será uma ótima refeição para minha signore, sem dúvidas — disse o mago, ao passar a língua pelos lábios.
— Para uma criatura tão grotesca, você até tem bons olhos. — A mulher pousou a mão sobre o cabo do facão. — Percebeu que isto é carma… tão rápido assim?
— Hahaha… Você nem imagina. Eu conheço muito sobre vo… — O rosto desceu alguns centímetros, uma de suas pernas tinha sido esmagada outra vez.
Daten tinha golpeado-a, e agora erguia seu taco como um espadachim brande sua espada.
— Eu ainda tô aqui… filhote de cruz-credo — disse o ardenteriano, preparado para mais um golpe.
— Criança maldita! — Belmorth gritou, regenerando sua perna de novo.
Ele ergueu seus punhos para golpear a criança, mas imensos cortes explodiram de sua carne, seguidos de uma cadeia de raios brancos.
— Eu estava pensando em tirar você deste lugar também, garoto… — falou a mulher, olhando de canto para Daten. — Mas você parece discordar disso. Consegue me acompanhar?
Com sua arma sacada, Thalwara curvou as pernas, levantou os braços e apontou sua lâmina na direção de Belmorth.
— Hmph! Até parece… que consigo… — Daten abaixou os braços e apontou para o inimigo com seu taco — Mas eu não… vou cair… tão fácil.
O mago monstruoso retomou seu ataque, dessa vez com Daten em sua mira. A chuva de socos desatentos veio rápido, mas Daten os rebatia com home runs improvisados.
Cada encontro dos golpes fazia a estrutura tremer, o brilho áurico de Daten controlava. As rachaduras das paredes vibravam até sair poeira.
— Muito bem. — falou ela, com um sorriso infantil na face. — Eu te nomeio membro temporário da Guilda da Folha-de-Louro.
Os ataques da mulher foram precisos: partiu uma perna da criatura com um golpe horizontal, e fez Belmorth cair de lado com um corte vertical em corrida.
Daten seguiu com as batidas de sua arma no tronco deformado de Belmorth. O mago estava encurralado, obrigado a usar seus braços para segurar os impactos.
“Esse jovem até que é bom”, pensou Thalwara, pronta para mais um ataque.
Belmorth se levantou em um salto, regenerando seus membros em pleno ar.
Ao cair no chão, ele tentou usar suas mãos gigantes e deformadas para agarrar Thalwara, mas a mulher sumiu com um clarão.
A Raposa Relâmpago transformou as paredes em seu chão, usou o movimento circular para subir no lombo do monstro e executar uma chuva de cortes em suas costas.
“Maldição! Se eu tivesse mais corpos, eu estaria comple…”. Antes que o mago pudesse terminar o pensamento, o taco de Daten atingiu a mesma perna de antes.
— Argh!!!
As chamas brancas fumegaram em volta do ataque, fazendo pedaços do chão voarem para os lados.
Diferente das outras vezes, Daten não havia causado somente um hematoma. Toda a perna do mago de carne tinha explodido.
O garoto recuou alguns passos, surpreso com o próprio feito.
— Rapaz… isso tá certo? — disse ele, ao encarar seu taco, e logo encarar a perna de Belmorth. — Uff… Esse claramente era… meu plano desde… o começo!
No chão, Thalwara tomou a iniciativa e disparou uma série de ataques contra a outra perna dianteira do monstro. Seus golpes eram quase invisíveis aos olhos, rápidos e poderosos como uma chuva de raios.
— Para alguém tão grande, você não é tão resistente — zombou a douradiana, ao cortar a última perna do mago. — Pouco feijão?
Os membros da criatura demoraram para regenerar, suas feridas estavam expostas.
— Quieta! Eu estou incompleto… com pouca carne — esbravejou Belmorth — Mas eu vou fazer vocês pagarem.
A besta se regenerou o mais rápido que pode, o cansaço exposto em seu rosto e em sua respiração pesada.
Com o erguer das pernas dianteiras, ele começou a galopar pelo corredor, indo e vindo em linha reta. Seus braços estendidos atravessavam as paredes e jogavam escombros para todos os lados.
“Acho que o cérebro dele apodreceu também”, pensou a mulher, enquanto armava sua guarda.
Daten foi mais inconsequente, correu ao lado da criatura, saltou sobre o lombo do monstro. O som do metal contra a carne veio rápido, pedaços de carne voaram nas paredes da sala.
A regeneração de Belmorth estava lenta, já não conseguia anular os golpes da criança. Ele tentou colidir com a parede para tirar Daten de suas costas, mas foi em vão. O garoto estava fixado ali.
O estrondoso som de Bonk ecoava repetidamente e com uma fúria brutal.
O ar vibrou com o golpe do taco. Daten abriu uma das costelas do monstro com outro pulso de energia, mas prendeu sua arma entre os ossos.
— Qual foi? — praguejou ele, ao tentar puxar o taco de volta.
Foi então que a ferida abriu mais ainda, revelando um brilho pálido e flamejante.
Daten parou de puxar e apertou os olhos, coisas brilhantes dentro de monstros geralmente eram importantes, ou valiam dinheiro. A prioridade do garoto mudou completamente.
Enquanto se apoiava no lombo da besta, ele enfiou a mão livre entre a costela da criatura. O mago se debateu em revolta.
— Fica quieto… arte abstrata! — murmurou o pequeno, mais para si próprio. — Não tá vendo… que eu tô tentando… pilhar o seu cadáver?
Com um puxão certeiro, a página brilhante se soltou do amontoado.
— Isso deve valer alguma coisa. — Daten guardou o papel em um de seus bolsos.
Com outro puxão, o garoto recuperou seu taco das costelas da criatura, retirando um rugido que misturava a raiva e a dor de Belmorth.
As pernas do mago de carne cederam à dor e seu corpo tombou no chão.
Ao ver que o mago não conseguiria se manter por muito tempo, e satisfeito com o saque, Daten saltou para fora do lombo do monstro.
Ele caiu próximo de Thalwara, que observava a criatura se debater.
— Não vai… atacar? — perguntou Daten, já preparado para mais um ataque.
Ao término da fala de Daten, a criatura começou a se desfazer. O centauro derretia seu corpo em carne fresca e .
— Ah — falou o garoto.
O corpo da criatura se desfez em velocidade acelerada, sua regeneração havia cessado e sua carne desmontava ao apodrecer.
— Não… eu não aceito isso! — Belmorth ergueu seu punho em uma última tentativa, mas seus músculos se recusaram.
O punho do homem caiu no chão, os olhos do mago se arregalaram em desespero. Outras partes foram junto, a carne se deslocava e desmontava o corpo exausto de Belmorth.
— Não… não, não. Não! — gritou ele, enquanto via seu corpo perfeito desaparecer como uma escultura de argila na chuva.
A poça de carne escorria e borbulhava, expelindo o corpo verdadeiro de Belmorth. O mago caiu de joelhos, ofegante e nu.
Belmorth tinha voltado a ser apenas um homem.
— Acabou, Belmorth — disse Thalwara, ao apontar seu facão para o mago enquanto se aproximava. — Você está preso, em nome da Guilda da Folha-de-Louro!
O homem apenas suspirou, exausto, e cobriu seu rosto com as mãos.
— Venha sem resistência — Ela se cobriu de carma em uma ameaça.
De repente, o nobre ergueu sua cabeça. Por entre os dedos, seus olhos queimavam em raiva.
— Preso? Huhahaha!!!
Com o elevar de sua voz, as sombras se distorceram ao seu redor. Uma delas se esticou, tocando o mago.
— Que hora mais conveniente, Kharon… — repreendeu o mago de carne, sem nem encarar a sombra.
— Estamos partindo, Belmorth — respondeu uma voz vinda da sombra.
— Não mesmo! — Explodiu Thalwara, em uma corrida.
A velocidade da mulher era incomparável, mas seu corpo travou a um metro do homem. O som crepitante de seu avanço morreu no mesmo instante.
Belmorth havia abaixado suas mãos, ele mostrava o mesmo rosto cínico de antes da luta.
Mas algo estava diferente.
— Você… — A voz da garota tornou-se trêmula, o facão pareceu pesar uma tonelada. — Por que… você?
Uma onda de choque percorreu sua espinha. Ela conhecia aquela face, um rosto que era familiar até demais.
— Agradeça a sorte que tem, não vai ter uma segunda vez — ameaçou o homem, seus olhos ardiam com raiva.
— Thalwara! — gritou Daten, apoiado em uma das paredes, sem carma que pudesse usar.
As sombras devoraram o mago como uma maré faminta.
— Uma semana… — disse Belmorth.
Com o corpo coberto até o pescoço, o homem soltou suas últimas palavras:
— Quando nosso ritual acabar, eu vou destruir cada parte da sua tão adorada cidade… Raposa Relâmpago!
Foi então que a mulher recobrou os sentidos, mas já era tarde.
Quando Thalwara continuou o movimento, sua arma cortou o ar. Ela abaixou o facão, a respiração presa e o corpo gelado com a lembrança do rosto de Belmorth.
Tudo que restou foi o silêncio e as poças de carne ao chão.
Foi então que ela viu, no local onde Belmorth fora consumido pelas sombras. Um pequeno objeto metálico brilhava em meio ao sangue vermelho: um brasão da Guilda.
— Aldric…? — murmurou ela, tapando a boca e a respiração.

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