Capítulo 24: Escudo
Ao passar de alguns minutos, Mirena e Dhaha estavam caminhando ao lado de Syndona, fora da cidade. O som da grama sendo pisada e das folhas balançando com o vento fluía pela mata.
Dhaha foi o primeiro a quebrar o silêncio:
— Por que viemos… argh… aqui? — Ele matou um mosquito espalmando o pescoço.
O rosto do garoto ainda estava vermelho pela portada que recebera, e Mirena o encarava de longe enquanto segurava o riso.
— Precisar de uma área aberta para treinar, aqui ser bom — respondeu a mulher de pele azulada, enquanto checava a clareira.
O local era amplo, uma área plana rodeada de árvores. Alguns pilares de pedra jaziam caídos de formas aleatórias, as ruínas da cidade eram um famoso ponto turístico.
— Eu não nego que temos de treinar, mas por quê assim? — perguntou Mirena, ao se sentar em um tronco de árvore cortado. — Sem mais nem menos?
Syndona cruzou os braços e se virou para os dois.
— O inimigo era mais forte do que eu imaginar, e vocês não limparam completamente suas fichas.
— Ainda não? — perguntou Dhaha, com um suspiro de desânimo.
— Não. Vocês dizer que esqueceram, e entregaram um novo relatório. Então, só precisar de provas de que são confiáveis.
“É uma lógica bem simples”, pensou Mirena.
— A gente entregou um relatório? — Dhaha se pôs entre as duas e ergueu sua postura de combate.
— Eu fiz isso antes de sairmos para procurar pistas. — Mirena gesticulou para chamar a atenção do amigo.
O douradiano deu alguns socos nos ar.
— Amassou.
Ignorando a conversa dos dois, Syndona pegou uma pedra e riscou um círculo em uma árvore. Após isso, foi para outra árvore e fez o mesmo, e então em outra.
A ardenteriana observava a sequência de desenhos se formar, pareciam diversos alvos para arco e flecha. Ela não tinha certeza sobre do que se tratava, mas a visão do número de alvos em crescimento a fazia sentir calafrios.
— Eeeer… — Mirena hesitou em sua fala, mas ergueu a mão. — Senhorita Syndona?
A outra mulher não parou de riscar árvores, mas respondeu mesmo assim:
— Sim?
— Do que se trata tudo isto?
— Thalwara falou sobre inimigo voltar em pouco tempo, e vocês estar muito fracos agora — a gelariana disse, sem demonstrar nem um pouco de gentileza. — Não temos tempo a perder.
— Fracos? Você nem estava lá para enfrentar aquelas coisas! — falou o garoto — Era uma arte abstrata viva, e ainda tinha aqueles robôs estranhos.
Mirena olhou para o amigo, com a expressão cansada e um suspiro de quem concorda sem opções.
— Mas, de fato, nós perdemos contra aquele mago. Se não fosse pela senhorita Thalwara, provavelmente nem estaríamos aqui agora.
Com um pigarreio forçado de Syndona, ambos se calaram e voltaram sua atenção para a moça a sua frente.
— De qualquer forma, preparem-se. Eu vou ficar com vocês por 1 semana, precisar deixar vocês fortes rápido!
“Ficar forte… em uma semana?”, Mirena pensou, a descrença era nítida em seu rosto.
“Ficar forte em uma semana!”, Dhaha pensou, cerrando os dentes em animação.
A ardenteriana cruzou as pernas, colocou um cotovelo sobre a coxa e apoiou a cabeça na mão.
— E como faremos isso? Whey Protein?
— Quase. Faremos assim… — devolveu a gelariana.
Antes que os dois percebessem, Syndona havia marcado dezenas de árvores com círculos, todos de tamanhos e distâncias diferentes.
— Vocês saber como usar seu carma em combate?
Dhaha levantou a mão, agora sentado ao chão, e disse:
— É só colocar o carma em volta da sua arma!
— Peeeem — A gelaria faz um som de sirene com a boca e um “X” com os braços. — Errado! O carma não serve só para as armas, vocês nunca pensar em se defender?
— Se… defender? — disse o garoto, abaixando a cabeça. — Mas ele quase não ajuda com resistência, não?
— Imagine só, se alguém fortifica uma arma com carma, como você defender contra ela?
— Simples: colocando carma no sentido oposto em outra… arma… — Ele desacelerou ao finalizar a frase, como se uma engrenagem tivesse girado em seu cérebro. — Como eu nunca pensei nisso antes?
Enquanto Dhaha estava surpreso com a ideia, Mirena anotava tudo o que ouvia em uma pequena caderneta.
“Você não pensou nisso?”, as palavras quase escaparam da boca de Mirena, se lembrando das vezes em que ele havia feito justamente isso. “Só pode estar brincando…”
— Algo tão simples, eu achava que vocês eram melhores… — disse a gelariana, ao gesticular para que ficassem de pé. — Apesar disso, vou ensinar vocês como usar carma como armadura melhor.
Mirena e Dhaha obedeceram e se levantaram, um do lado do outro. Syndona pegou algumas pequenas pedras do chão e as entregou na mão deles.
— Joguem em mim com toda a força! — exclamou a mulher, de braços cruzados.
— Como é a história? — Mirena piscou repetidamente.
— Confiem em mim, venham com tudo!
Mirena paralisou por poucos milésimos, encarando a lasca de rocha em sua mão, e isso foi tempo suficiente para Dhaha jogar a pedra na gelariana, sem pensar em qualquer consequência.
O projétil voou como uma estrela cadente, envolto pelo brilho pálido do carma, e criou uma pequena nuvem de poeira quando atingiu a mulher. Com o baixar da poeira, Syndona se revelou sem qualquer arranhão, apenas uma leve chama onde a pedra havia acertado.
— Está vendo? Nadinha — a mulher disse, apontando para a região em combustão — O carma também fortificar a defesa do seu corpo se usado certo.
O garoto arregalou os olhos e deixou escapar um “Uou” silencioso de sua boca. Mirena não sabia com o que se impressionar mais: Com o fato da mulher ter saído ilesa daquele quase tiro de canhão, ou com o fato de Dhaha não ter notado que ele fazia a mesma coisa todos os dias.
— Como eu faço isso?! — Ele correu até a mulher e ergueu os braços como uma criança.
— Bom, para começar, eu gostar que vocês lutassem entre si.
Mirena tossiu, engasgada com a própria saliva.
— Mas nem ferrando — a ardentariana disse em seguida.
Ao soltar um leve riso pelo nariz, o douradiano olhou para Mirena com uma mistura de desdém e arrogância. — O que foi? Tá com medo?
“Pirralho exibido!”. Os olhos de Mirena ardiam em chamas.
— Calma, calma! Não ser esse tipo de luta! — Syndona disse, ao perceber o atrito gerado. — Eu querer que façam o seguinte: cada um vai dar um golpe no outro, concentrando parte de seu carma na parte que vai desferir o golpe, porém devagar!
“Eu vou ter que bater devagar…?”, pensou o garoto, confuso com a contradição que ouvira.
— Aquele que receber o golpe vai ter que analisá-lo, para tentar descobrir onde vai ser atacado e quanto de carma vai concentrar para defender a região. — A gelariana explicava como uma professora que estudou apenas para dar aula nesse assunto. — Usem o quanto de carma acharem necessário, mas nunca demais. Entenderam?
— Sim, senhora. — exclamou a outra senhora do grupo.
— Soco. Defende. Entendido! — O garoto deu alguns socos no ar.
A gelariana se sentou em um dos troncos e prendeu seus olhos nos aprendizes.
“Mostrem o que sabem fazer.”
Em suas posições, os dois ergueram suas guardas, sem armas, e se mantiveram em silêncio. Aquele não era um silêncio comum, pois quem fizesse o primeiro movimento definiria a luta.
Sem qualquer palavra, Dhaha canalizou em seus punhos e correu para a garota com um gancho de direita. Mirena colocou uma de suas pernas para trás e encantou o antebraço direito para bloquear.
O choque do golpe foi inesperado, Mirena sentiu seu corpo ser esmagado pela presença daquele garoto. O primeiro golpe havia sido dado.
Se aproveitando do eixo da perna mais à frente, a garota girou o corpo e chocou seu braço metálico contra o lado indefeso de Dhaha. O garoto cobriu a parte externa das costelas com carma, mas, ainda assim, foi empurrado alguns metros para o lado.
Mirena terminou ao retornar para sua posição de guarda alta. O segundo golpe havia sido dado.
Eles continuaram o embate. Enquanto cada defesa e ataque da garota era preciso, Dhaha explodia como um touro furioso e implacável.
O sol já estava não estava mais no pico, a tarde havia chego.. O ar da floresta tremia com cada choque, os animais pequenos nem arriscavam em se aproximar.
Os dois pararam por um segundo, mal conseguiam manter o ar nos pulmões. Mirena foi a primeira a ir ao chão, de joelhos.
— Eu… venci… — Dhaha comemorou, mas logo deu com a cara no chão.
“Exibido, quase me transformou em uma panqueca e ainda tem a audácia de dizer isso. É para acabar…”
No momento em que Mirena pensou em tirar um momento para respirar, Syndona se levantou e caminhou até eles.
O sorriso em seu rosto declarava tudo, eles estavam longe de acabar.
— Quem disse que acabar agora! Levantem de novo! Só se passou apenas uma hora! — ela falava com o sorriso de uma criança que achara um novo brinquedo. — Essa ser a parte de se defender, acham que ser só isso?
— Mas o Dhaha desmaiou…
— Não precisar dele para o próximo treino, ele é teu.
A face de exaustão foi tomada por um olhar cerrado e confuso. O que ela queria ensinar, e que não envolvesse outras pessoas.
A gelariana tomou a frente, caminhou para o meio da mata e se virou.
— Seu carma é menor que de Dhaha… — ela começou.
— Quero novidade — Mirena cortou.
— Quê?
— Quê?
— Enfim. Seu carma é menor, mas você ter controle melhor.
— “Controle melhor”? Você acha?
— Ele ser muito confiante, explosivo, ser um genio do combate, mas não saber o que está fazendo. Ele apenas faz…
— Bom, é verda…
— Parar de me cortar, fazendo favor? — O carma da gelariana escapou por sua silhueta. Uma ameaça simples, mas muito eficaz.
Mirena selou os lábios.
— Agradecida. — Ela baixou as chamas. — Continuando: você ter controle melhor, usar quantidade correta na hora correta.
A garota encarou as mãos agora renovadas, seu carma já havia se recuperado.
“Eu fiz isso?”, pensou ela.
— Agora, eu ensinar algo que somente você pode fazer. — Syndona encheu o peito para falar.
— Só eu…? E o quê seria?
— Isso…
A alta se virou para uma das árvores e ergueu um dos braços. O ar ao redor delas pesou como se estivessem submersas.
As chamas não explodiram, muito pelo contrário, somente uma fina camada queimou ao redor de Syndona.
“Isso é igual ao que aquele urso tentou fazer…”, pensou Mirena.
Syndona então cerrou o punho e estendeu o indicador, formando uma arma com a mão.
Uma pequena esfera surgiu, tão brilhante que ofuscava todas as luzes ao redor. A energia acumulada era poderosa, quase como olhar diretamente para o sol, mas tão bela que era tentadora.
Em um instante, a esfera cármica foi disparada de seus dedos, fazendo tudo ao redor tremer. A terra foi jogada para os lados, o tronco da árvore foi reduzido a meras cinzas, tudo isso enquanto deixava um rastro de luz branca.
— O que…? — A voz de Mirena estava trêmula, quase em um gaguejo.
— Isto… — Syndona aproximou o dedo da boca e assoprou. — Foi o meu carma.

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