Capítulo 1 - Antes da Tempestade - Parte II
Antes da Tempestade – Parte II
Era difícil para a maioria das pessoas imaginar Yang Wen-li como um dos principais VIPs das Forças Armadas da Aliança dos Planetas Livres. Em primeiro lugar, ele não parecia um militar, nem mesmo quando vestia o uniforme.
Ele não era um senhor idoso de aparência pensativa e postura perfeita. Nem era um gigante musculoso. Também não tinha a aparência de um gênio frio ou de um jovem nobre pálido.
Ele tinha trinta anos, embora parecesse dois ou três anos mais jovem do que realmente era. Seu cabelo e olhos eram pretos, sua altura e constituição física eram médias e, embora não fosse exatamente feio, sua aparência certamente não revelava o valor do talento raro que possuía.
O que era extraordinário nele não era o que estava fora de seu crânio, mas o que estava dentro dele. No ano passado, em 796 ES, ele detinha o monopólio completo dos sucessos militares da Aliança dos Planetas Livres. Ele roubou das mãos do Império a fortaleza Iserlohn, cuja inexpugnabilidade era famosa em canções e fez isso sem derramar uma única gota do sangue de suas tropas. Nas regiões estelares de Astarte e Amritsar, as Forças Armadas da Aliança sofreram derrotas esmagadoras nas mãos do Almirante da Marinha Imperial Reinhard von Lohengramm, mas em ambos os casos foi o comando operacional calmo e engenhoso de Yang que salvou seus compatriotas da destruição total.
Se ele não estivesse lá, os anais de guerra da Aliança dos Planetas Livres precisariam de apenas uma palavra para descrever 796 ES: derrota. Esse fato era admitido por todos. Foi por essa razão que Yang foi promovido de Comodoro a Almirante em menos de um ano. O jovem Almirante, no entanto, mal se comoveu com essa promoção excepcional. Pois, embora fosse um mestre da guerra sem igual, Yang não descobriu nada de valor na coisa chamada guerra.
Mais de uma vez, ele sonhou em se aposentar das Forças Armadas para se tornar um civil sem importância, mas ainda não conseguiu fazê-lo.
Naquele dia, ele estava se divertindo com um jogo de xadrez 3D em seus aposentos particulares.
“Xeque!”, gritou Julian Mintz.
Yang, coçando a cabeça negra, admitiu a derrota. Por alguma razão, parecia que ele nunca seria chamado de Grande Almirante quando se tratava de xadrez. “Bem, isso faz com que sejam dezessete derrotas consecutivas?”, ele suspirou, mas não havia frustração nem irritação nisso.
“Dezoito”, corrigiu Julian, com um sorriso. Ainda no meio da adolescência, ele tinha apenas metade da idade de Yang. Com seus olhos castanhos escuros e cabelos louros com ondas sutis e naturais, todos concordavam que ele era um jovem bonito.
Três anos atrás, Julian foi enviado para morar com Yang graças à aplicação da chamada Lei de Travers, pela qual filhos de soldados mortos em combate podiam ser criados nas casas de outros soldados. Ele era um dos melhores alunos da escola, o maior artilheiro do ano no esporte flyball e, desde que recebeu um status equivalente ao de Cabo como funcionário civil das Forças Armadas, demonstrou um talento excepcional para o tiro ao alvo. Embora tudo isso fosse um pouco embaraçoso para seu tutor Yang, também era motivo de orgulho.
“A única falha de Julian”, Alex Caselnes — o colega de turma de Yang na Academia de Oficiais, conhecido por sua língua afiada — opinou certa vez, “é que ele idolatra o chão que você pisa, Yang. Sinceramente, isso é de péssimo gosto. Se não fosse por isso, eu teria o prazer de lhe dar a mão da minha filha em casamento”.
Caselnes, de 36 anos, tinha duas filhas, sendo que a mais velha tinha sete anos.
Yang, ainda sem ter aprendido a lição, disse: “Mais uma partida”.
“Você realmente quer ter uma sequência de 19 derrotas consecutivas? Não que eu me importe, mas…”
Foi Yang quem ensinou Julian a jogar xadrez 3D, mas o discípulo não levou nem seis meses para superar o mestre. Desde então, a diferença entre suas respectivas habilidades só aumentou. Ainda assim, sempre que Julian se descrevia como bom no xadrez, isso não passava de uma piada. Essa tendência não se limitava ao xadrez e habilidades triviais não eram o problema; em um nível mais fundamental, Julian tinha em mente que nunca poderia se aproximar de Yang em nada.
Um suave sinal sonoro soou e uma atraente oficial com olhos castanhos e cabelos castanhos dourados falou pela tela do videofone.
“Comandante, aqui é a Tenente Greenhill.” Ela trabalhava como assessora de Yang desde o ano passado e havia sido promovida recentemente.
“Estou um pouco ocupado agora. O que foi?” O tom de Yang soou terrivelmente desinteressado.
“Uma nave de guerra da Marinha Imperial chegou com um enviado. Ele deseja vê-lo para tratar de um assunto urgente.”
“É mesmo?”
Sem parecer muito surpreso, Yang interrompeu a partida de xadrez e se levantou, mas quando estava prestes a sair da sala, Julian disse: “Excelência, espere! Você esqueceu sua arma.” Ela ainda estava sobre a mesa, onde ele a havia jogado anteriormente.
“Não preciso dela, não preciso”, disse o jovem almirante irritado, rejeitando a sugestão.
“Mas ir desarmado é muito…”
“Suponha que eu leve uma arma”, disse Yang, “e suponha que eu atire… Você realmente acha que eu acertaria o cara?”
“Er… não, senhor.”
“Bem, então não faz sentido eu levá-la, não é?”
Yang começou a andar imediatamente, e Julian, em pânico, seguiu-o. Não era que Yang fosse destemido e ousado; ele apenas via a capacidade humana como algo demarcado por linhas nítidas. Foi ele quem fez com que a inexpugnável Iserlohn caísse tão facilmente, usando um truque inteligente que ninguém mais havia sido capaz de antecipar. Isso lhe ensinou ainda mais que não havia perfeição quando se tratava de humanos e que não havia garantias absolutas.
Yang — que nunca teve a menor intenção de se tornar um soldado, aspirando, em vez disso, à vida de historiador — aprendeu através de seus estudos que, por mais poderosa que uma nação possa ser, ela acabará entrando em colapso sem falhar: que, por maior que seja o herói, depois de ganhar poder, vem a queda.
O mesmo se aplicava à vida. Um herói que sobreviveu a muitas batalhas morre de complicações da gripe. O último sobrevivente após uma sangrenta luta pelo poder é derrubado por algum assassino desconhecido. O ex-imperador galáctico Ottfried III, com medo de ser envenenado, quase não comeu nada e acabou definhando.
“Quando sua sorte acaba, sua sorte acaba, mesmo que você seja cuidadoso.”
Yang nem sequer levou guardas. Quando foi designado para Iserlohn, ele tinha quatro equipes de doze pessoas cuidando dele em turnos rotativos, mas elas o seguiam até mesmo ao banheiro, então ele finalmente se cansou e as dispensou.
Por outro lado, Yang prestava muita atenção ao funcionamento do sistema de segurança da fortaleza. Ele dividiu suas funções de controle entre três estações diferentes, colocando-as sob vigilância mútua para que o sistema não pudesse ser sequestrado sem obter o controle simultâneo das três estações. Além disso, ele adicionou dispositivos ao sistema de ar-condicionado que analisavam as moléculas componentes da atmosfera local para detectar tentativas de envenenamento da fortaleza.
Os sistemas de segurança não refletiam as intenções originais de Yang; havia militares que não paravam de falar sobre eles, bem como subordinados nervosos, burocratas preocupados com o fato de o orçamento não estar sendo gasto, políticos amantes de inspeções e jornalistas esperando ansiosamente que algo desse errado. Para essas pessoas, ele teve que fazer um pouco de relações públicas para dizer: “Vejam, o sistema de segurança é perfeito”.
“Eu consigo ver perfeitamente como o pensamento das pessoas se torna cada vez menos puro à medida que elas sobem cada vez mais”, Yang reclamou certa vez para Julian.
Falando como se fosse o adulto na sala, Julian respondeu: “Se você mesmo entende isso, não será levado pela onda. Contanto que não haja problemas desnecessários, você não acha que isso é bom o suficiente?” Em seguida, ele acrescentou a seguinte opinião: “O que me preocupa é que, quanto mais você sobe, mais você bebe. Por favor, tente diminuir um pouco.”
“Eu realmente estou bebendo tanto assim?”
“Pelo menos cinco vezes mais do que você bebia há três anos.”
“Cinco vezes? Não pode ser tanto assim.”
Diante dos olhos céticos de Yang, Julian apresentou os dados das despesas domésticas dos últimos três anos. O índice de 100 aplicado aos gastos com bebidas alcoólicas há três anos havia subido para 491. Como esse número não incluía o consumo fora de casa, havia realmente motivos para Julian insistir em um aumento de cinco vezes ou mais.
[TR/Leandor: Tendo em conta os gastos da Aliança com essa guerra e os claros sinais de bancarrota, não é de se imaginar que talvez o Almirante não tenha de fato aumentado o consumo, mas que a inflação tenha elevado os valores nominais gastos.]
Incapaz de argumentar, Yang prometeu parar de beber, embora tanto o promitente quanto o promissário tivessem pouca confiança em quanto tempo ele conseguiria manter a promessa.
Nota do tradutor:
Vou tentar manter os lançamentos, mas não estou com a mínima vontade de traduzir, meu pai faleceu há poucos dias e precisarei de um tempo para achar ânimo para seguir o projeto.
Leandor
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