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    Ponto de Ignição – Parte IV


    Após uma viagem de seis dias, Hilda chegou a Odin. Ou, na perspectiva dela, voltou. Ela já morava em Odin há quatro anos.

    Hilda pegou um carro robô no espaçoporto até a almirantado Lohengramm.

    Talvez por estar tão animada, ela não sentia nenhum cansaço. De qualquer forma, assim que tudo acabasse, ela poderia descansar o quanto quisesse.

    “Você tem um compromisso, fraülein?”, perguntou o jovem oficial de aparência juvenil na janela. Ele usava um crachá com o nome TENENTE VON RÜCKE.

    “Receio que não. Mas isso diz respeito à vida e às esperanças de muitas pessoas. Tenho certeza de que Sua Excelência, o Marechal, concordará em me receber, então poderia anunciar minha chegada?”

    Ao ver a expressão séria da bela jovem — cerca de 30% da qual era fingida —, o Tenente von Rücke pareceu tomado por um espírito cavalheiresco. Ele a fez esperar um pouco no saguão, mas, depois de fazer várias ligações, finalmente sorriu para ela, como se fosse ele quem tivesse conseguido o que queria.

    “Ele disse que vai recebê-la. Por favor, pegue o elevador 4 até o décimo andar.”

    “Muito obrigada. Desculpe pelo incômodo”, disse Hilda com total sinceridade e entrou no elevador, que também funcionava como um sistema de detecção de armas.

    Naquele dia, Reinhard aguardava a chegada de um relatório específico, mas ele não parecia estar chegando e ele se interessou pela notícia de que uma jovem adorável estava lá para vê-lo. Para Reinhard, é claro, mulheres bonitas não eram muito valorizadas. Mesmo assim, a beleza de Hilda — natural, sem maquiagem perceptível — o deixou um pouco impressionado com o quanto ela não parecia uma filha de aristocratas.

    “É uma pena que Kircheis não esteja conosco hoje”, disse Reinhard assim que se sentaram na sala de recepção. “Você sabia que ele tem um passado com os von Mariendorfs?”

    “Sim, claro. Ele salvou a vida do meu pai durante a Rebelião Kastropf no ano passado. Mas nunca o conheci pessoalmente.”

    Após um momento de silêncio, Reinhard disse: “Então, você disse que tem negócios comigo hoje?”

    O café foi servido por um jovem que parecia um cadete de uma escola preparatória militar. Reinhard estava pegando o jarro de creme quando Hilda falou.

    “Por ocasião da guerra civil que se aproxima, a Casa Mariendorf ficará do seu lado, Marquês von Lohengramm.”

    Por uma fração de segundo, a mão de Reinhard congelou, mas então ele completou a ação com uma série de movimentos casuais.

    “Guerra civil, você disse?”

    “A guerra contra o Duque von Braunschweig, que pode eclodir amanhã, pelo que sabemos.”

    “Você é muito ousada, não é? Supondo que tal coisa aconteça, minha vitória dificilmente estaria garantida. Mesmo assim, você diz que me apoiaria?”

    Hilda estabilizou a respiração e relatou ao jovem marechal imperial os pontos que havia explicado ao pai. Os olhos azuis gelados de Reinhard brilharam.

    “Você tem uma perspicácia notável”, disse ele. 

    “Muito bem. Se é assim que as coisas estão, eu preciso de um aliado. Sua consideração certamente será recompensada. Prometo cuidar muito bem da Casa Mariendorf — naturalmente —, assim como de quaisquer outras casas pelas quais você possa interceder por mim.”

    “Suas palavras generosas tornarão mais fácil persuadir nossos conhecidos e parentes — assim como a nós mesmos, milorde.”

    “O que é isso? Você acabou de se tornar meu aliado. Eu não poderia tratá-lo com descortesia. Retribuir seus esforços e coragem é a coisa mais natural a se fazer. Se houver alguma maneira de eu poder ajudá-lo, não hesite em pedir.”

    “Nesse caso, se eu puder aproveitar suas gentis palavras, tenho um pedido a fazer.”

    “Certamente”, disse Reinhard. “Prossiga.”

    “Em reconhecimento à nossa lealdade… eu gostaria de um documento oficial de garantia, reconhecendo a Casa Mariendorf e garantindo suas terras e títulos.”

    “Oh? Um documento oficial?”

    Uma certa cautela se insinuou no tom de Reinhard. Ele olhou para Hilda com um olhar ligeiramente diferente daquele com que a havia olhado até então.

    A filha do Conde von Mariendorf olhou sem medo para o jovem lorde.

    Reinhard pensou por um momento, mas não demorou muito para tomar uma decisão.

    “Muito bem. Vou colocar isso por escrito e entregar a você até o final do dia.”

    “Tenho a sua mais profunda gratidão.” Respeitosamente, Hilda inclinou a cabeça. “A Casa Mariendorf jura a Vossa Excelência nossa lealdade absoluta e se empenhará em servi-lo em assuntos grandes e pequenos.”

    “Contarei com você, então. E Fraülein von Mariendorf?”

    “Sim?”

    “Esses documentos de garantia serão necessários para quaisquer outras casas que você possa persuadir a se juntar a nós?”

    “Peço que você os dê àqueles que os solicitarem por conta própria. Para aqueles que não o fizerem, não vejo necessidade.”

    As palavras de Hilda saíram de sua boca sem a menor hesitação.

    “Bem, bem…” Reinhard disse, sorrindo.

    A intenção de Reinhard era purgar completamente o império do antigo sistema que servia como estrutura de apoio à dinastia Goldenbaum. Por cinco séculos, os aristocratas se empanturraram de privilégios, e Reinhard não tinha a menor intenção de permitir que sobrevivessem ao novo regime.

    Assim que seu poder fosse absoluto, ele pretendia eliminar todos, exceto os mais úteis, ou talvez jogá-los para as multidões, caso o povo clamasse por sangue. Que perecessem aqueles que não tinham capacidade de sobreviver — essa era a crença de Rudolf, a quem seus ancestrais haviam servido. E agora, na geração atual, os pecados dos pais seriam visitados.

    Hilda tinha percebido o que estava por vir e procurou Reinhard em busca de uma garantia oficial escrita por ele próprio. Ao contrário de uma promessa verbal, uma promessa por escrito não poderia ser facilmente quebrada. Não só isso mancharia a honra de Reinhard, como também suscitaria desconfiança em seu próprio sistema de autoridade.

    Tendo tomado tal medida em nome de sua própria família, Hilda dizia: “Quanto aos outros aristocratas, mate e poupe, conceda e confisque como bem entender.” Ela não estava falando de uma posição meramente egocêntrica, dizendo: “Se está tudo bem comigo e com os meus, que se danem os outros” — ela estava, na verdade, declarando que não se aliaria lateralmente às antigas famílias aristocráticas.

    Os instintos políticos e diplomáticos da jovem eram incisivos — assustadoramente incisivos. Entre as milhares de famílias aristocráticas do império, um talento digno de louvor finalmente havia surgido — com apenas vinte anos de idade, e sendo uma mulher, nada menos. 

    É claro que o próprio Reinhard era apenas um ano mais velho que ela. É um sinal dos tempos, pensou Reinhard. A era do governo dos idosos estava chegando ao fim. E não apenas no Império. Na Aliança dos Planetas Livres, o Almirante Yang tinha acabado de completar trinta anos, enquanto Landesherr Rubinsky, de Phezzan, ainda estava na casa dos quarenta. Mesmo assim, essa jovem mulher…

    Reinhard olhou para Hilda novamente e começou a dizer algo.

    Naquele momento, porém, houve uma comoção do lado de fora da porta que ele mal teve tempo de perceber antes que um oficial de alto escalão irrompesse no interior, com o rosto corado de excitação. Seu corpo robusto era tão grande que ele conseguia bloquear a entrada sozinho.

    “Excelência! Os nobres descontentes finalmente começaram a se mover!”

    Sua voz alta combinava com seu porte.

    Karl Gustav Kempf, um dos Almirantes ligados à admiralität de Reinhard, além de ex-piloto de caça, era conhecido atualmente como um comandante ousado e destemido.

    Reinhard levantou-se. Essa era a notícia que ele estava esperando. Os olhos de Hilda se arregalaram sem que ela percebesse — seus movimentos foram surpreendentemente ágeis e graciosos.

    “Fraülein von Mariendorf, gostei muito de conhecê-la hoje. Gostaria de jantar com você algum dia.”

    Enquanto Kempf seguia Reinhard para fora da sala, ele pareceu, por um instante, lançar um olhar curioso para Hilda.

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