Capítulo 3 - A Frota Yang Se Mobiliza - Parte I

A Frota Yang Se Mobiliza – Parte I

O PRIMEIRO GOLPE CONTRA A Aliança dos Planetas Livres foi dado no dia 30 de Março. Não muitos dias se passaram desde que Yang Wen-li partiu da capital Heinessen.

Assim, o Almirante Bucock, Comandante-Chefe da Armada Espacial, teve pouco tempo para avançar na investigação de um possível Golpe de Estado. Além disso, o comando de vastas frotas sempre foi a paixão do velho Almirante, que nunca gostou do trabalho da polícia militar. No entanto, ele já havia escolhido a dedo uma equipe de investigadores e dado pessoalmente o primeiro passo para revelar o lado sombrio das forças armadas.

O que Yang revelou a Bucock foi uma obra de arte do raciocínio lógico, mas isso não significava que houvesse provas físicas claras. Era porque o próprio Yang estava muito ciente disso que levou suas preocupações a Bucock e a mais ninguém.

“Sou o único em quem aquele jovem confia para não se envolver nesse tipo de tolice. O que, para mim, significa que tenho que garantir que sua confiança seja recompensada.”

O velho almirante havia perdido seu filho em combate durante a longa guerra e, sem netos, vivia apenas com sua esposa. O sabor da comida simples da barraca que ele havia compartilhado com Yang e Julian era uma lembrança querida para ele — não que ele jamais admitisse isso a alguém. Março estava quase no fim.

Foi o Almirante Cubresly quem teve o infortúnio inesperado. Cubresly, diretor do Quartel-General Operacional Conjunto da Aliança dos Planetas Livres, havia assumido o cargo no final do ano passado. O cargo havia sido ocupado pelo Marechal Sitolet nos cinco anos anteriores; no entanto, ele havia renunciado ao cargo no ano anterior, aceitando a culpa pela derrota histórica da Aliança na região estelar de Amritsar.

O próprio Sitolet era contra aquela invasão imprudente, mas, como oficial número um, a responsabilidade era inevitável. Ele estava atualmente longe de Heinessen, administrando um pomar em seu mundo natal, Cassina.

No dia em que tudo aconteceu, o diretor Cubresly, após concluir uma visita de inspeção às instalações militares no distrito estelar mais próximo de Heinessen, acabara de retornar do porto espacial militar para o Quartel-General Operacional Conjunto. Ele chegou acompanhado por seu assessor principal e cinco guardas.

Quando entraram no saguão, uma figura se levantou de um assento na área de espera para visitantes e se aproximou deles com passos ligeiramente desequilibrados. Os guardas ficaram tensos, mas então um sorriso — ou na verdade apenas o esboço de um — surgiu no rosto pálido do homem, que ainda não tinha trinta anos e ele chamou o diretor.

“Almirante Cubresly, sou eu, senhor — Andrew Fork.”

Após uma pausa, Cubresly reconheceu o homem. “Oh, pensei que você ainda estivesse em reabilitação”, disse ele.

O Comodoro Fork, o homem diretamente responsável pelo planejamento imprudente da Batalha de Amritsar, havia sofrido um ataque de histeria conversiva pouco antes da batalha, perdido temporariamente a visão e, após a derrota, sido enviado para a reserva e hospitalização obrigatória. Foi um duro revés para o jovem membro da elite que se formara no topo de sua turma na Academia de Oficiais.

“Já recebi alta do hospital. E vim hoje perante Vossa Excelência para solicitar meu retorno ao serviço ativo.”

“Serviço ativo?” Cubresly inclinou ligeiramente a cabeça, surpreso. Normalmente, teria sido uma violação do decoro parar o diretor no saguão e tentar falar com ele naquele momento, mas Cubresly conhecia Fork pessoalmente e, não sendo do tipo que adotava uma atitude arrogante com um subordinado, decidiu ouvir Fork.

“Bem, o que o seu médico tem a dizer?”

“Que estou totalmente recuperado, é claro. Não há objeções ao meu retorno ao serviço ativo.”

“É mesmo? Nesse caso, você precisa seguir o procedimento formal. Obtenha um atestado médico e uma declaração de garantia do seu médico e entregue-os ao departamento de RH do Comitê de Defesa, juntamente com o formulário de solicitação de retorno ao serviço ativo. Então, se for formalmente aceito, seu pedido será concedido.”

“Isso vai demorar muito, senhor. Se possível, gostaria de voltar a servir o meu país no serviço ativo já amanhã.”

“Os procedimentos formais levam tempo, comodoro.”

“É por isso que pensei que, com a ajuda de Vossa Excelência…”

O brilho nos olhos do Almirante Cubresly ficou mais intenso.

“Comodoro da reserva Fork, parece que há algo que você não entendeu. Estou autorizado a garantir que os procedimentos sejam seguidos, não a infringir as regras. Ouvi rumores sobre você em várias ocasiões. Dizem que você tem tendência a se dar um tratamento especial e, do meu ponto de vista, é difícil dizer que você já está completamente recuperado.”

As feições de Fork ficaram rígidas e sua pele, que já era pálida, ficou praticamente branca como um lençol.

“Primeiro, você precisa começar seguindo os procedimentos prescritos. A menos que faça isso, você não será capaz de se dar bem com os outros homens, mesmo que volte. Isso seria ruim para você e para aqueles ao seu redor. Estou dizendo isso para o seu próprio bem. Tente novamente e comece do zero.”

Cubresly não compreendia verdadeiramente o nome da doença de Fork — histeria de conversão. Significava que o paciente buscava a satisfação completa do seu ego, causando um desequilíbrio no sistema neurológico. Por mais razão e sinceridade que houvesse na advertência de Cubresly, ela não tinha sentido para Fork. Como um tirano do mundo antigo, tudo o que lhe interessava era um sim incondicional.

“Excelência!”

O assistente de Cubresly, o Capitão Witty, gritou um aviso misturado com um grito, no momento em que um clarão branco brilhou na mão de Fork, penetrando silenciosamente no lado direito do Diretor do Quartel-General Operacional Conjunto.

O Almirante Cubresly olhou para trás sem expressão e cambaleou quando seu corpo firme e pesado perdeu o equilíbrio. O Capitão Witty o segurou e impediu que ele caísse. O Comodoro Fork já estava preso sob os corpos empilhados de vários guardas de segurança robustos. O mini blaster que ele havia escondido na manga também havia sido arrancado.

“Chamem um médico!”, gritou Witty. No calor da raiva, ele até gritava com os guardas. “Vocês foram lentos! Por que não o agarraram antes que ele atirasse? Seus inúteis! Para que vocês estão aqui?”

Os guardas se desculparam; o prisioneiro Fork levou mais porrada do que era realmente necessário.

O cabelo despenteado de Fork grudava em sua testa suada. Por baixo, ele olhava fixamente para seu futuro perdido, com os olhos focados no vazio.

Quando ouviu o relatório, o Almirante Bucock literalmente pulou da cadeira. Ele nunca imaginou que o ataque furtivo pudesse acontecer dessa forma. O velho almirante, é claro, não acreditou nem por um segundo que se tratava de um incidente isolado.

“Então, como está o diretor?”

“Ele vai sobreviver, senhor. No entanto, dizem que ele precisa de três meses para se recuperar totalmente e repouso absoluto por enquanto.”

“Bem, acho que devemos agradecer ao que não aconteceu”, murmurou Bucock.

Ele sentiu algo parecido com um gosto amargo na boca. Na época da Batalha de Amritsar, ele foi quem criticou Fork por sua incompetência e irresponsabilidade, desencadeando seu episódio. Se a intenção de Fork fosse se vingar, a vítima poderia muito bem ter sido Bucock, em vez de Cubresly.

A notícia de que o Comodoro da reserva Fork havia agredido e ferido o Almirante Cubresly, Diretor do Quartel-General Operacional Conjunto, causou uma onda de horror em todo o planeta Heinessen, que se espalhou pelas redes FTL para todos os cantos da Aliança dos Planetas Livres. O incidente foi tão embaraçoso para os militares que alguns até expressaram este pensamento perigoso:

“Se estivéssemos no império, poderíamos proibir a cobertura deste tipo de coisa.”

A questão mais urgente agora era a necessidade de um líder no Quartel-General Operacional Conjunto. Era preciso nomear um diretor interino ou um sucessor para Cubresly. Se a posição número um entre os oficiais uniformizados era a de diretor do Quartel-General Operacional Conjunto, a número dois era a de Comandante-Chefe da Armada Espacial.

Quando o Comitê de Defesa sondou Bucock sobre assumir também as funções de diretor interino, ele recusou na hora.

Dar as posições número um e número dois da organização à mesma pessoa seria abrir caminho para poderes ditatoriais. Esse era um raciocínio lógico por parte do almirante idoso, mas, no fundo, ele também achava necessário manter esses dois alvos de ataques terroristas bem separados um do outro. Bucock não tinha medo de ser alvo de terroristas. 

No entanto, se ele fosse assassinado após a unificação dos dois cargos em sua pessoa, duas grandes organizações — a Aliança das Forças Armadas Espaciais e o Quartel-General Operacional Conjunto — perderiam seus chefes e ficariam paralisadas. Se apenas uma dessas duas organizações deixasse de funcionar, todo o poder militar da APL poderia perder sua capacidade de funcionar. 

No final, o escolhido para ser diretor interino foi o mais velho dos três diretores adjuntos, o Almirante Dawson.

Quando Bucock ouviu a notícia, pensou consigo mesmo: talvez eu devesse ter aceitado o cargo, afinal. Dawson não era um homem sério, mas sim tímido e nervoso. Os cargos que ocupou em sua carreira incluíam Comandante do Esquadrão da Polícia Militar e Diretor do Departamento de Inteligência do Comitê de Defesa, mas quando serviu como Chefe do Estado-Maior da Primeira Frota, ele se comportava como um burocrata mesquinho, alertando contra o desperdício de alimentos, inspecionando as calhas de lixo de todas as cozinhas de todos as naves da Frota e distraindo as tripulações com anúncios sobre quantas dúzias de quilos de batatas haviam sido jogadas fora desnecessariamente naquela semana. Ele também tinha fama de guardar rancores pessoais. Um homem que o havia superado na Academia de Oficiais em termos de classificação na turma aparentemente havia sido rebaixado por algum tipo de erro e acabou sob o comando de Dawson — dizia-se que ele o atormentava incessantemente por causa disso.

De qualquer forma, a nomeação estava decidida.

O próximo incidente ocorreu no dia seguinte.

Houve um acidente em uma base terrestre sob os auspícios do Quartel-General do Comando de Defesa da Capital. Um míssil interplanetário antigo explodiu repentinamente enquanto era inspecionado no centro de manutenção.

A causa foi um isolamento inadequado, que permitiu que uma corrente elétrica do sistema de propulsão fluísse para o fusível no corpo principal. Isso claramente implicava uma fraqueza no sistema de produção de armas, mas o que chocou o público foi que os quatorze mecânicos atingidos pela explosão — todos mortos instantaneamente — eram menores de idade, ainda na adolescência. Os recursos humanos haviam se esgotado a tal ponto?

Um calafrio percorreu a população. Eles entenderam o motivo. Era porque a guerra já durava há muito tempo. Mesmo dentro das Forças Armadas, os adultos estavam desaparecendo de todos os lugares, exceto da linha de frente…

Jéssica Edwards, representante da facção anti-guerra na Assembleia Nacional, expressou suas condolências às famílias das vítimas e, após criticar a falta de capacidade de gestão dos militares, repreendeu a sociedade como um todo por continuar a fazer guerra.

“Que futuro pode haver para uma sociedade que sacrifica no altar da guerra os jovens que deveriam estar carregando seu futuro? Uma sociedade assim pode ser chamada de sã? Precisamos acordar desse sonho louco e nos perguntar: qual é o melhor e mais realista caminho para nós agora? E essa pergunta tem apenas uma resposta. A resposta é paz…”

Bucock assistia à transmissão dentro de seu escritório no Quartel-General da Armada Espacial. Seu assessor, o Tenente-Comandante Pfeifer, expressou seu descontentamento.

“Essa mulher diz o que bem entende, não é? Ela não tem ideia do quanto trabalhamos duro. Afinal, se o império invadisse, não haveria ativismo pacifista contra a guerra nem liberdade de expressão. Ela tem muita coragem.”

“Não, o que ela está dizendo é certo”, disse o velho almirante, colocando um freio na explosão de lógica emocionalmente distorcida de seu assessor. “Uma sociedade onde os mais velhos são os primeiros a morrer é uma sociedade que eu diria que está bem organizada. É uma sociedade onde um soldado velho como eu vive enquanto os jovens morrem que está errada em algum lugar. E se ninguém estiver lá para apontar isso, a loucura só vai piorar. A sociedade precisa de pessoas como ela. Embora eu não ache que gostaria de me casar com uma mulher que fosse tão boa oradora.”

Esse último comentário era o tipo de piada que Bucock gostava de fazer. O próprio Bucock estava meio deprimido ultimamente, o que teria sido insuportável se ele não contasse uma piada de vez em quando. No início daquele dia, ele tinha ido prestar homenagem ao recém-nomeado Diretor interino do Quartel-General Operacional Conjunto. Dawson, catorze anos mais novo que Bucock, tinha sido tão bombástico que era cômico, dizendo a Bucock em um tom mais alto do que o necessário coisas totalmente desnecessárias: “Espero que mesmo aqueles com muito tempo de serviço respeitem a ordem dentro da organização e obedeçam às minhas ordens.”

Bucock quase ficou irritado com ele. Se o velho almirante tivesse começado a falar sobre a possibilidade de um golpe de Estado e quais medidas deveriam ser tomadas para evitá-lo, o tímido diretor interino poderia muito bem ter começado a espumar pela boca.

#175

Na sala escura, uma conversa era mantida em voz baixa.

“O Comodoro Fork quase assassinou o diretor Cubresly. No entanto, o diretor vai sobreviver.”

“Fork sabe falar bem, mas é só conversa. Ele sempre foi assim. Mesmo durante a luta em Amritsar…”

Naquela voz havia uma mistura complexa de ridículo e decepção. Palavras murmuradas de concordância surgiram de todos os lados.

“Mas, ao ferir gravemente o Diretor, nosso objetivo de degradar a funcionalidade do Quartel-General Operacional Conjunto foi pelo menos minimamente alcançado. Nesse sentido, Fork se saiu muito bem. Lembrem-se de que um fracasso total também era uma possibilidade muito real.”

“Ainda assim, acredito que não há perigo dele falar sobre nós? Do jeito que as coisas estão, até mesmo os policiais militares poderiam fechar os olhos para a ilegalidade da tortura ou fazer uso de soro da verdade.”

“Provavelmente sim. Mas isso não é motivo para alarme. Ele foi submetido a um tratamento de sugestão profunda muito completo: Fork planejou e executou tudo sozinho. Não houve ordens ou sugestões de ninguém.”

Como isso era gratificante para a imagem hipócrita que Fork tinha de si mesmo, foi brincadeira de criança fazer o próprio homem acreditar nisso e as raízes dessa crença estavam profundamente enraizadas.

A menos que se usasse algum dispositivo imaginário capaz de sondar as profundezas da consciência humana — que pudesse analisar e recriar uma construção representativa dela —, não havia como desvendar a verdade por trás de suas ações. “Fork viverá o resto de seus dias como um louco em um hospital psiquiátrico. É triste para ele, mas há muitas pessoas em situação pior. Temos o dever de salvar nossa pátria, destruir o império e fazer justiça em todo o universo. Não há lugar para sentimentalismos aqui.” 

A voz ressoou solenemente, falando quase como se seu dono estivesse tentando se convencer.

“Mais importante é o que vai acontecer a seguir. Embora o Diretor Cubresly esteja vivo, nos próximos dois ou três meses, ele pode muito bem estar morto no que diz respeito à sua vida como funcionário público. Quanto ao seu substituto interino, Dawson, é bizarro que um homem como ele tenha chegado a Almirante e, além de suas habilidades administrativas, os homens não confiam nele. Pelo menos por um tempo, o Quartel-General Operacional Conjunto será atormentado por surtos de confusão… o que significa que não há razão para adiar a execução. Façam todos os preparativos para o dia D.”