Capítulo 5 - A Batalha da Região Estelar de Dória - Parte III - Combo de Aniversário (10/50)

A Batalha da Região Estelar de Dória – Parte III

Yang não era o tipo de líder comandante feroz, mas sempre podia ser encontrado na linha de frente quando entrava em batalha e na retaguarda quando se retirava — especialmente em batalhas perdidas, nas quais ele ficava para trás para cobrir a retirada de seus companheiros.

Ele acreditava que isso era o mínimo que um comandante devia fazer. Se não fosse assim, quem em sã consciência confiaria sua vida a um novato que acabara de completar trinta anos?

Diante da nave almirante de Yang, três mil naves sob o comando do Almirante Nguyen Van Thieu aguardavam ansiosamente a ordem de ataque. O mesmo acontecia com seus companheiros posicionados a bombordo, à ré e a estibordo.

“Distância relativa 6,4 segundos-luz…”

As vozes dos operadores também eram baixas como sussurros.

“O inimigo está se movendo de estibordo para bombordo perpendicularmente à nossa frota. Velocidade 0,012 c. ¹ Perto da velocidade máxima para voos dentro do sistema…”

Na iluminação contida da ponte escura, o único outro som além das vozes dos operadores era o da respiração ofegante. Com o olhar fixo na tela, Yang levantou a mão direita até a altura dos ombros. Esse foi o sinal que deu início a tudo.

“Fogo!”

A ordem foi transmitida aos artilheiros em todas as naves. No instante seguinte, dezenas de milhares de dardos de energia incandescentes perfuraram a escuridão do espaço sideral. Eles não foram disparados em paralelo por cada nave, mas concentrados em um único ponto no meio da frota inimiga.

Uma característica marcante da tática de canhões de feixes de Yang era sua concentração de fogo em um único ponto, de modo a aumentar geometricamente o poder destrutivo dos feixes. Essa foi uma das razões pelas quais ele causou tanto sofrimento ao império durante a Batalha de Amritsar no ano passado. Quando várias naves aliadas disparavam seu poder de fogo contra uma única nave inimiga, os campos de neutralização de energia do inimigo eram facilmente sobrecarregados.

“Ondas de energia se aproximando rapidamente!”

Os operadores da Décima Primeira Frota gritaram avisos que eram quase gritos. Naquele instante, uma enorme massa de energia desferiu o primeiro golpe, atingindo o flanco da frota.

Havia calor e luz como os de uma pequena estrela. No meio, várias centenas de naves foram vaporizadas e três ou quatro vezes esse número explodiu.

A luz branca das explosões de fusão pulsava, expandindo-se a cada instante, até parecer que aquela luz assustadora iria branquear toda a tela.

Julian estava sentado ao lado da mesa de comando de Yang. Pela primeira vez na vida, o menino testemunhava diretamente um combate no espaço sideral. Consciente do arrepio que percorria sua espinha, ele tentou dizer a si mesmo que não era medo, mas emoção. Ainda não, ainda não. Isso é apenas o começo.

“Envie uma mensagem ao Almirante Nguyen Van Thieu”, disse Yang. Ele não estava em seu assento, mas sentado em cima da mesa de comando com um joelho levantado. Era uma atitude extremamente rude, mas seus subordinados se sentiram estranhamente tranquilos ao vê-lo assim. “Diga a ele para avançar a toda velocidade e atacar o inimigo pelo flanco.”

Ao receber a ordem, Nguyen sentiu seu ânimo se elevar.

Nguyen Van Thieu era do tipo comandante feroz, então, quando apoiado pela liderança fria do comando central, o poder destrutivo que ele podia exercer era enorme. Entre os subordinados de Reinhard, ele era o mais parecido com Wittenfeld.

“Atacar!”

A ordem de Nguyen Van Thieu era clara, e não havia como seus oficiais a confundirem.

“Atacar! Atacar!”

Com seu comandante na frente e no centro, o grupo de combate de Nguyen Van Thieu atacou o flanco da frota inimiga na velocidade máxima de combate. Os feixes de energia e os projéteis lançados pelas bocas de seus canhões choveram sobre o inimigo, flashes de luz de lançamentos e explosões iluminaram um pequeno canto da noite eterna.

A partir do vasto buraco aberto pela salva de tiros de canhão, o grupo de Nguyen conseguiu penetrar profundamente na coluna inimiga. Os oficiais da 11ª Frota empalideceram. Se permitissem que Nguyen avançasse mais, toda a frota ficaria dividida entre a proa e a popa. E embora fosse teoricamente possível usar uma força dividida como aquela para prender o adversário em uma manobra de pinça, era necessária uma habilidade tática muito flexível e refinada para que isso funcionasse — habilidade como a que Yang Wen-li possuía.

Como não tinham tanta confiança em si mesmos, eles tomaram uma decisão mais sensata. Ordens foram dadas: “Ataquem o inimigo de todas as direções! Não deixem nenhum homem ou nave voltar vivo!”

Imediatamente, o grupo de Nguyen foi exposto a ataques ferozes que convergiam para eles de cinco direções — frente, cima, baixo, bombordo e estibordo. Bolas de fogo explodiram, vibrações sacudiram as estruturas das embarcações e as telas — apesar de terem tido suas capacidades de fotofluxo ajustadas — ficaram cheias de flashes brilhantes o suficiente para queimar as retinas.

Na ponte da nave almirante Maurya, o Almirante Nguyen levantou a voz em uma risada alegre.

“Isso é perfeito — nada além de inimigos em todas as direções! São tantos que nem precisa mirar! Apanhem-nos! Continuem atirando! Atirem à vontade!”

Alguns ficaram impressionados com o que viram como ousadia e coragem do comandante; outros presentes tinham certeza de que ele estava maluco. De qualquer forma, uma coisa era certa — eles não teriam amanhã a menos que matassem os inimigos à sua frente. 

Não havia tempo para refletir sobre o significado dessa batalha ou as razões para esse massacre.

“Mísseis se aproximando às dez horas! Retornando fogo!”

“Torre quatro, potência máxima!”

Vozes estridentes e abafadas permeavam os canais de comunicação, e os sons de impactos e ruídos de interferência se misturavam para atacar repetidamente os ouvidos da tripulação — mesmo que fosse um universo de silêncio do lado de fora das naves.

Sua visão também estava sob ataque. A luz das estrelas, congelada para toda a eternidade, era rasgada por rastros de mísseis que se cruzavam e pelo brilho intenso dos feixes de energia. E as luzes brancas que apagavam cada uma dessas estrelas monopolizavam o campo de visão com seu volume avassalador.

Trinta minutos após os primeiros tiros, até mesmo a nave capitânia de Yang, a Hyperion, tinha o nariz pressionado contra o flanco da Décima Primeira Frota.

A Hyperion estava envolta em uma névoa arco-íris, prova de que seu casco estava sendo protegido dos feixes de energia destrutivos por seu campo de neutralização de energia.

“Isso é mais complicado do que eu esperava”, murmurou Yang para si mesmo, mantendo os olhos grudados na tela. A resistência da Décima Primeira Frota era formidável, todos sabiam que o Vice-Almirante Legrange não era incompetente.

“Aquele Bagdash inútil!”, gritou Legrange. “Para que ele se infiltrou na Frota Yang?”

Enquanto continuava supervisionando a batalha, Legrange não pôde deixar de repreender o homem em seu coração. Use informações falsas e desinformação para lançar o inimigo na desordem ou, se isso for impossível, atire em Yang para matá-lo. Bagdash deveria ter se infiltrado no acampamento inimigo nesta missão vital de vida ou morte, mas, no momento, Legrange duvidava que o homem tivesse conseguido. Na verdade, estava longe disso, já que era o seu lado que havia sido atingido no flanco pelo que provavelmente deveria ser chamado de emboscada. Em vez de capturar o inimigo em um movimento de pinça, suas forças divididas seriam destruídas separadamente?

Será que eles tinham descoberto Bagdash, afinal? Legrange cerrou os dentes com força. Talvez ele tivesse confiado a tarefa a alguém que não deveria. A inquietação e o arrependimento batiam em seu peito com mãos invisíveis. A voz de um operador solicitando instruções trouxe sua consciência de volta à realidade.

“O que foi?”

“Eles romperam o centro, senhor. Nossas forças foram divididas entre a proa e a popa, e parece que o inimigo está tentando cercar a seção traseira.”

Embora o grupo de combate de Nguyen, atingido por tiros de canhão ferozes, tivesse sofrido danos consideráveis, ele finalmente conseguiu romper o centro. Em seguida, virou para estibordo e agora avançava para envolver metade da força inimiga dividida.

Legrange ficou em silêncio e olhou para a tela. Ele sabia o que Yang tinha em mente. Agora eu entendo. Então era isso! Um som de frustração saiu de sua boca.

“Yang, o milagreiro, é uma raposa muito astuta, confunda-o.”

Em resumo, Yang havia dividido, em nível tático, metade de uma força que já estava dividida em nível estratégico e agora tentava destruí-la completamente, começando por uma das extremidades separadas.

Isso tornava a relação de poder de fogo entre os dois de cerca de quatro para um. Quando a batalha chegou a esse estágio, o comandante da frota Yang não precisava mais oscilar entre a esperança e o desespero com o estado da batalha a cada minuto; ele podia simplesmente observar enquanto seus comandantes de patente inferior eliminavam cada segmento, um por um.

Da perspectiva de Yang, esse tipo de coisa não era nenhuma estratégia notável; não passava de seguir um dos princípios rudimentares da teoria tática: “Lute com mais força do que seu inimigo.” Ele ficou surpreso e desapontado ao ouvir isso ser chamado de truque de mágica ou milagre.

As forças principais de ambas as frotas entraram em contato. A densidade de naves na região aumentou e o modo de combate mudou gradualmente de tiros de canhão de longo alcance para combate corpo-a-corpo. Foi aí que as naves de combate monoplaces  conhecidas como espartanos entraram em cena. O Tenente-Comandante Olivier Poplin, Capitão do Esquadrão de Voo da Hyperion, havia alinhado sua equipe em posição de espera, mas no instante em que a ordem de saída foi dada, ele mandou todos embarcarem em suas naves, se separarem da nave-mãe e dançarem no espaço.

“Whisky, Vodka, Rum, Applejack: o comando de suas companhias fica a cargo de seus líderes. Sherry e Cognac, sigam-me. Não quebrem a formação.”

Poplin costumava se gabar: “Vinho e mulheres são o pão com manteiga da vida e a guerra é apenas o lanche das três da tarde”, e era típico dele inventar nomes assim. É claro que também havia uma história circulando de que ele quase batizou suas companhias com nomes de roupas íntimas femininas, mas naturalmente ele se conteve no final e optou por bebidas alcoólicas.

O espartano de Poplin avançou, traçando um caminho invisível através do vazio. Os de Sherry e Cognac seguiram atrás do piloto ás, e os outros quatro se dispersaram em diferentes direções em busca de inimigos.

As naves da Décima Primeira Frota também lançavam caças monoplaces, um após o outro. Combates aéreos entre espartanos começaram a eclodir em todos os quartos, em meio ao fogo cruzado dos canhões. Como as especificações das naves de combate eram idênticas, a vitória e a derrota eram decididas pela habilidade dos pilotos dentro delas. Muitos dos pilotos de caça abordavam seu trabalho com o zelo de um artesão e, para eles, uma prova como essa poderia ser considerada a chance de uma vida.

Nesse momento, os envolvidos não estavam pensando no fato de que estavam matando uns aos outros; em vez disso, estavam simplesmente embriagados pela emoção que fazia o sangue ferver.

Não se passaram dois minutos desde o lançamento, e Poplin já havia abatido três inimigos. Esquivando-se do fogo inimigo e aliado, ele correu à toda velocidade através de um mar agitado de energias turbulentas. A vitalidade bruta de uma existência plenamente realizada circulava a toda velocidade por todo o ser de Poplin. Com seus reflexos afiados ao máximo, cada célula de seu corpo explodia com energia e vida.

A nave de guerra Ulysses também estava no meio da luta caótica. O casco externo da nave havia sido cortado por uma lâmina de energia, fazendo com que o material absorvente de choque vazasse em uma nuvem branca que envolvia a nave. A visibilidade das torres traseiras havia sido prejudicada e os sensores ficaram inutilizados. Depois de amaldiçoar Deus e o diabo, os soldados dentro da nave tiveram que desistir de fazer qualquer coisa além de atirar na direção dos tiros que se aproximavam.

1. c – se refere a velocidade da luz.[↩]