Capítulo 8 - Linhas da Morte - Parte III

Linhas da Morte – Parte III

“Até que os suprimentos cheguem da terra pátria, cada frota deve procurar suprimentos que entenderem necessários localmente.”

Quando a diretiva foi entregue a cada liderança das frotas da aliança, rostos se tornaram vermelhos de raiva.

“Buscar suprimentos localmente?! Eles nos estão dizendo para pilhar?”

“O quê Iserlohn está pensando? Eles acham que somos chefes piratas?”

“Quando seu plano de suprimentos colapsa, esse é o primeiro passo na estrada para a derrota estratégica. Militarmente, isso é apenas senso comum. Eles estão tentando forçar as linhas de frente a tomar toda a culpa por isso.”

“O Supremo Comando do Quartel General não disse que o sistema de suprimentos era perfeito? O que aconteceu com todas aquelas falas grandiosas?”

“Eles estão nos dizendo para de alguma forma achar algo que nunca esteve aqui em primeiro lugar!”

Apesar de Yang não ter se juntado à massa de reclamações, ele concordava plenamente com elas. O Supremo Comando do Quartel General estava se comportando de forma extremamente irresponsável, mas desde que motivos irresponsáveis foram aqueles por trás dessa incursão desde o princípio, era muito esperar que houvesse qualquer responsabilidade na execução e operação dela. Ele odiava pensar pelo que Caselnes estaria passando. Ainda sim, nós estamos em nossos limites, ele pensou. Graças a ter que continuar a alimentar residentes da zona ocupada, a Décima Terceira Frota está para alcançar o fundo de seus estoques. O desconforto e a insatisfação do chefe de suprimentos, Capitão Uno, explodiu: 

“Os civis não estão buscando por ideais ou justiça. Tudo pelo qual eles se preocupam são seus estômagos. Se a Marinha Imperial trouxer suprimentos alimentares, eles se curvarão até o chão, gritando, ‘Ave a Sua Alteza o Imperador!’ Eles apenas vivem para satisfazer seus instintos básicos. Então por que devemos passar fome em ordem de alimentá-los?”

“Para que não nos tornemos Rudolf.”

Dando apenas isso como resposta, Yamg chamou a Subtenente Frederica Greenhill e pediu a ela pára abrir um canal de comunicação FTL entre ele mesmo e o Almirante Uranff da Décima Frota.

“Bem, se não é Yang Wen-li”, disse o descendente do ancestral clã de cavaleiros da tela de comunicação. “É raro ouvir algo de você. O que está havendo?”

“Bom ver você parecendo bem, Almirante Uranff.” 

Isso era uma mentira. Os fortes e afiados olhos de Uranff estavam mostrando as sombras de cansaço e exaustão por todos os lados. Apesar dele ser altamente elogiado como um comandante corajoso, parece que os problemas estão todos em uma dimensão diferente e a coragem e a estratégia militar estão levando o homem aos seus limites. 

Quando perguntado como seus estoques alimentares estavam indo, o desgosto de Uranff atingiu outro pico.

“Apenas há para mais uma semana. Se não formos supridos antes, não teremos outra opção além de requerer compulsó–não, não há porque embelezar–pilhar do território ocupado. A força de liberação ficará chocada quando ouvir isso. Assumindo que haverá alguma coisa a se pilhar.” 

“Sobre isso, tenho uma opinião que gostaria de compartilhar…”, disse Yang. “Que tal abandonarmos essas zonas ocupadas e nos retirarmos?”

“Retirar-nos?”, Uranff franziu ligeiramente as sobrancelhas. “Antes mesmo de termos trocado tiros uma única vez? Não é um pouco passivo?”

“Devemos fazer isso enquanto ainda podemos. O inimigo está esgotando nossos suprimentos e esperando que morramos de fome. E por que você acha que isso está acontecendo?”

Uranff pensou por um momento. “Provavelmente, eles vão nos atacar com tudo o que têm. O inimigo tem a vantagem de jogar em casa e suas linhas de abastecimento serão curtas.”

“Hmm…” Uranff era famoso por sua ousadia, mas não era surpresa que um arrepio parecesse ter percorrido sua espinha. “Mas se nos retirarmos em uma corrida caótica, acabaremos apenas convidando a ofensiva inimiga, não é? Nesse caso, vamos piorar muito as coisas.”

“O grande pré-requisito é estar preparado para revidar. Se nos retirarmos agora, podemos fazer isso, mas se esperarmos até que nossos homens e mulheres estejam morrendo de fome, será tarde demais. O máximo que podemos fazer é recuar de forma ordenada antes que isso aconteça.” 

Yang defendeu seu ponto de vista com veemência. Uranff ouviu em silêncio.

Além disso, o inimigo terá sua previsão para o momento em que acham que estaremos realmente com fome. Se nos virem retirando, interpretarão isso como uma retirada completa e virão atrás de nós, haverá várias maneiras de revidarmos. Por outro lado, se eles acharem que é uma armadilha porque estamos partindo muito cedo, tudo bem também — talvez consigamos nos retirar ilesos. As chances disso acontecer não são muito altas, porém, só vão diminuir a cada dia que passa.”

Uranff pensou sobre isso e não demorou muito para tomar uma decisão.

“Tudo bem. Você provavelmente está certo. Vamos começar os preparativos para a retirada. Mas como devemos informar as outras frotas?”

“Estou prestes a ligar para o Almirante Bucock. Se eu conseguir que ele entre em contato com Iserlohn, isso terá mais peso do que se eu fizer isso…”

“Muito bem, vamos fazer isso acontecer o mais rápido possível.”

Assim que Yang terminou de conversar com Uranff, chegou um comunicado urgente.

“Uma revolta civil eclodiu na zona de ocupação da Sétima Frota. A escala é extremamente grande. Foi causada pela suspensão da distribuição de alimentos pelos militares.”

Frederica tinha uma expressão angustiada e frustrada ao dar o relatório.

“Como a Sétima Frota lidou com isso?”

“Eles a neutralizaram temporariamente usando gás incapacitante, mas aparentemente ela voltou assim que o efeito passou. Provavelmente é apenas uma questão de tempo até que os militares intensifiquem seus métodos de resistência.” Yang não pôde deixar de pensar: “Tudo isso se transformou em uma tragédia”.

Uma invasão da aliança que se autodenominava força de libertação — uma força para proteger o povo — transformou as massas em seus inimigos. Nesta fase do jogo, provavelmente não havia mais como dissolver a desconfiança mútua. Isso significava que o império havia conseguido separar com sucesso as forças da aliança e o povo ocupado.

“Absolutamente esplêndido, Conde von Lohengramm.”

Eu não teria conseguido fazer isso… levar as coisas tão longe, de forma tão completa. Mesmo sabendo que poderia vencer se o fizesse, simplesmente não conseguiria. Essa é a diferença entre o Conde von Lohengramm e eu, e é por isso que ele me assusta. Porque um dia, pode muito bem ser essa diferença que levará ao desastre…

Quando o Vice-Almirante Bucock, comandante da Quinta Frota da Aliança dos Planetas Livres, fez uma chamada FTL para o Quartel-General do Comando Supremo em Iserlohn, foi o rosto pálido do oficial de operações Fork que apareceu em sua tela de comunicação. “Eu pedi uma audiência com Sua Excelência, o Comandante Supremo. Não me lembro de ter dito que queria falar com você. O pessoal de operações não deve meter o nariz onde não foi convidado.”

A voz do velho Almirante era cortante. Em termos de força e gravidade, não havia como Fork chegar nem perto dela.

O jovem oficial ficou surpreso por um instante, antes de responder com arrogância: “As nomeações com Sua Excelência, o Comandante Supremo, bem como relatórios e coisas do gênero, passam por mim. Qual é o motivo do seu pedido de nomeação?”

“Não preciso falar com você.”

Até mesmo Bucock esqueceu sua idade por um momento, assumindo a postura de alguém pronto para brigar.

“Então não posso conectá-lo.”

“O quê…?”

“Não importa quão alta seja sua patente, você tem que seguir as regras. Devo encerrar esta transmissão?”

Você mesmo inventou essas regras, não foi? pensou Bucock, embora, neste caso, ele não tivesse escolha a não ser concordar.

“Todos os comandantes das frotas na linha de frente querem se retirar. Gostaria de obter o consentimento do comandante supremo sobre este assunto.”

“Você disse ‘retirar-se’?” Os lábios do Contra-Almirante Fork se contorceram exatamente da maneira que o velho Almirante esperava. “O Almirante Yang poderia dizer algo assim, mas eu não esperava ouvir alguém tão conhecido por sua coragem como você, Almirante Bucock, defendendo a retirada sem combate.”

“Pare com essas provocações baratas”, disse Bucock. “Não estaríamos nessa confusão se vocês não tivessem apresentado uma proposta de mobilização tão descuidada desde o início. Tentem sentir um pouco de responsabilidade.”

“Esta é a chance perfeita para massacrar a Marinha Imperial de uma só vez. Do que você tem tanto medo? Se eu estivesse no seu lugar, não recuaria.”

Aquela observação insolente e imprudente provocou flashes como supernovas nos olhos do velho almirante.

“É mesmo? Tudo bem, então — vou trocar de lugar com você. Voltarei para Iserlohn e você pode vir para a frente em meu lugar.” 

Os lábios de Fork estavam chegando a um ponto em que não podiam mais se contorcer.

“Por favor, não sugira o impossível.”

“Você é quem está insistindo em impossibilidades. E está fazendo isso sem sair do lugar seguro onde está sentado.”

“O senhor está me insultando?”

“Estou cansado de ouvir palavras pomposas”, disse Bucock. “Se você quer mostrar seu talento, deve fazê-lo com um histórico de realizações, não com discursos eloquentes. Que tal tentar assumir o comando e descobrir se você tem o que é preciso para dar ordens aos outros?”

O velho almirante imaginou ouvir o som do sangue drenando do rosto magro de Fork. O que ele viu, no entanto, não era imaginação. Os olhos do jovem oficial de estado-maior perderam o foco enquanto a confusão e o terror se espalhavam por suas feições. Suas narinas se dilataram e sua boca se abriu em um quadrilátero curvado. Ele levantou as duas mãos, escondendo o rosto da vista de Bucock, e após uma pausa de cerca de um segundo, um grito ecoou, algo entre um gemido e um berro.

Bucock ficou sem palavras ao ver a imagem do contra-almirante Fork desaparecer na parte inferior da tela de comunicação. No lugar de Fork, ele viu figuras correndo de um lado para outro, mas, naquele momento, não havia ninguém para explicar o que estava acontecendo.

“O que aconteceu com ele?”, perguntou ele ao tenente Clemente, o assessor que estava parado ao lado.

Mas Clemente também não sabia.

O velho almirante foi obrigado a esperar em frente à tela por cerca de dois minutos.

Por fim, um jovem oficial médico em uniforme branco apareceu na tela e fez continência.

“Senhor, aqui é o Tenente-Comandante Yamamura. Sou oficial médico. No momento, Sua Excelência, o Contra-Almirante Fork, está sendo tratado na enfermaria. Permita-me explicar a situação.”

Algo em Yamamura pareceu um pouco presunçoso a Bucock. “O que há de errado com ele?”

“Cegueira neurogênica causada por histeria de conversão.”

“Histeria?”

“Sim, senhor. Sentimentos de frustração ou fracasso o deixaram anormalmente agitado, e isso paralisou temporariamente seus nervos ópticos. Ele poderá enxergar novamente em cerca de quinze minutos, mas, em momentos como este, é possível que os episódios ocorram várias vezes. A causa é psicológica, então, a menos que a causa possa ser removida…”

“O que pode ser feito a respeito?”, perguntou Bucock.

“Você não deve se opor a ele. Não deve gerar nenhum sentimento de fracasso ou derrota nele. Todos devem fazer o que ele diz, e tudo precisa ser do jeito que ele quer.”

“Você está falando sério, oficial médico?”

“Esses são sintomas que às vezes vemos em crianças pequenas que crescem em ambientes onde sempre fazem o que querem e desenvolvem egos anormalmente grandes. Não é uma questão de bem e mal. A única coisa importante é que seu ego e seus desejos sejam satisfeitos. Portanto, somente quando os almirantes se desculparem por sua grosseria, derem tudo de si para executar seu plano e alcançarem a vitória para que ele se torne objeto de elogios… é que a causa de sua doença será resolvida.”

“Bem, fico muito grato por ouvir isso.” Bucock não estava com disposição para perder a paciência. “Então, trinta milhões de soldados têm que enfrentar a morte para curar a histeria desse cara? Isso é maravilhoso. Estou tão emocionado que acho que vou me afogar em um mar de lágrimas.”

O oficial médico esboçou um sorriso fraco. “Se nos concentrarmos no único objetivo de curar a doença de Sua Excelência, o contra-almirante Fork, é isso que será necessário. Se ampliarmos nossa visão para incluir todo o exército, uma maneira diferente de resolver o problema se apresenta, naturalmente.”

“Exatamente — ele deveria renunciar”, gritou o velho almirante. “Talvez seja melhor que isso tenha acontecido. As forças armadas imperiais ficariam dançando de alegria se soubessem que o estrategista responsável por trinta milhões de soldados tem a mentalidade de uma criança chorando por chocolate.”

Após uma breve hesitação, Yamamura disse: “De qualquer forma, não estou autorizado a falar sobre qualquer assunto fora de sua condição médica. Vou passar a ligação para Sua Excelência, o Chefe do Estado-Maior Conjunto…”.

Repugnado, Bucock pensou: “Então, o casamento não oficial de políticos que esperam uma vitória eleitoral e um jovem soldado brilhante, propenso a acessos infantis de histeria, resultou na mobilização de trinta milhões de soldados”. Você teria que ser um masoquista autointoxicado ou um belicista sério para ouvir isso e realmente querer lutar mais.

“Almirante…” O homem que substituiu o oficial médico na tela de comunicação era o Almirante Sênior Greenhill, chefe do Estado-Maior Conjunto da Força Expedicionária. Havia uma profunda sombra de ansiedade em seu rosto bonito e cavalheiro.

“Bem, Almirante Greenhill, desculpe incomodá-lo em um momento tão ocupado.” Era uma das virtudes do velho almirante que as pessoas simplesmente não conseguiam odiá-lo, mesmo quando ele era abertamente sarcástico.

Greenhill sorriu da mesma forma que o médico naval. “Também sinto muito que você tenha presenciado um momento tão desagradável. Precisaremos da aprovação do comandante supremo, mas acho que daremos ao Contra-Almirante Fork um período de descanso e recuperação imediatamente…”

“Nesse caso, o que acha da proposta da Décima Terceira Frota de se retirar? Sou 100% a favor. Os homens na linha de frente não estão em condições de combater, mental ou fisicamente.”

“Espere um minuto. Isso também requer a aprovação do comandante supremo. Por favor, entenda que não posso lhe dar uma resposta imediata.”

O Vice-Almirante Bucock lançou-lhe um olhar que dizia que já estava farto de respostas burocráticas.

“Sei que isto pode parecer indiscreto, almirante, mas será que poderia providenciar para que eu falasse diretamente com o comandante supremo?”

“O comandante supremo está tirando uma soneca agora”, disse Greenhill.

As sobrancelhas brancas do velho almirante se franziram e ele piscou os olhos rapidamente. Então, lentamente, ele perguntou: “O que você acabou de dizer, Almirante?”

A resposta do Almirante Sênior Greenhill foi ainda mais solene. “O comandante supremo está tirando uma soneca. Suas ordens são para não acordá-lo por nada que não seja um ataque inimigo, então transmitirei seu pedido a ele quando ele acordar. Por favor, aguarde até lá.”

A isso, Bucock não fez nenhuma tentativa de responder. Suas sobrancelhas tremeram tão levemente que o movimento foi quase imperceptível. “Muito bem. Entendo perfeitamente.”

Mais de um minuto se passou antes que o velho almirante continuasse, com uma voz que reprimia fortemente a emoção. “Estou apenas cumprindo meu dever como comandante da linha de frente em relação à vida dos meus subordinados. Obrigado pelo seu trabalho.

Quando o comandante supremo acordar, por favor, diga a ele que Bucock ligou e deseja que ele tenha tido bons sonhos.”

“Almirante…”

Bucock cortou a transmissão do seu lado, olhando com uma expressão pesada para a tela de comunicação, que havia se tornado um tom monótono de branco acinzentado.

Lançamentos todas as segundas, quartas e sextas!