Índice de Capítulo

    Se a vida tivesse senso de ironia, esse momento seria sua prova definitiva. Por centímetros, o fim não alcançou seu verdadeiro alvo. Aisha não ficou no centro da explosão, mas ainda assim foi atingida, sendo lançada contra a parede próxima ao padre e à sacerdotisa.

    O estrondo foi tão intenso que a criança loira fechou os olhos, permitindo que Masha, num avanço ágil, a arremessasse com brutalidade para o outro lado da sala.

    Ela não se importou com idade ou aparência — usou o ar cruelmente para lançá-la como quem descarta uma boneca quebrada.

    Pandora, atônita com a cena, conteve a tristeza. Agora, precisava lutar por seus amigos.

    Kim conseguiu manter-se de pé dessa vez — caso contrário, teria sido partido ao meio. Viu Aisha sendo arremessada e desmaiando contra a parede. Urrando seu nome com tudo o que lhe restava no peito, continuou firme para impedir que Bento atrapalhasse os outros. Mas ver sua companheira caída maculou ainda mais seu coração já manchado.

    Kizimu, dominado pela fúria, estava impotente. Apenas conseguiu assistir enquanto sua amiga — aquela que se dizia sua irmã — era atingida com força total.

    Ela não se moveu. Sangue escorria da testa, boca e nariz. Uma raiva incontrolável tingiu os olhos de Kizimu, que, ainda assim, não podia fazer nada para mudar aquele fato.

    Avançar contra o rei seria suicídio — ele aprendeu isso agora. A criança loira também era problemática. Kim estava ocupado segurando Bento. Kizimu se sentia fraco. O mundo sempre o lembrava disso. Mesmo desejando agir, era incapaz.

    Pandora não dominava sua maldição. Masha era a única carta forte naquela sala.

    Ele não sabia o quão poderosa ela era, mas havia visto corpos mortos em sua sala — ao menos isso indicava que Masha tinha agido.

    — Masha… ele. Ele é o líder. Mate-o — disse Kizimu, apontando para Samuel, que olhou diretamente para a mulher.

    A decisão de matar foi como um mero presságio, a falha poderia trazer suas próprias mortes, por isso a decisão.

    Nesse instante, a sacerdotisa, até então calada, aproximou-se do padre e sussurrou algo em seu ouvido.

    Isso deixou Kizimu alarmado. Ele desconhecia as habilidades daquela mulher. O padre, após escutar, assentiu com a cabeça.

    — Não se preocupe, eu a conheço bem, não quero mesmo lutar com ela. Hoho.

    Com um só braço, o padre pegou a criança loira caída ao seu lado.

    — John, venha.

    De imediato, Bento saltou para trás, juntando-se a Samuel, que caminhava sorrindo em direção a uma garota desacordada.

    Enfurecido, Kizimu avançou. Não permitiria que ele sequer tocasse em um fio de cabelo de Aisha.

    O chão quebrou sob seus pés. Em meio à raiva, ele mal percebeu a enorme mão que vinha em sua direção.

    Mas uma figura surgiu diante dele — uma mulher negra de cabelos cacheados: Masha. Ela se materializou como um escudo, usando o ar para deter o soco e o impacto.

    Foi por um triz. Se não fosse por ela, sua vida teria acabado ali.

    Mas era tarde demais.

    Aisha já estava nos braços de Samuel, que, rindo de forma nojenta, posicionou-se atrás da sacerdotisa.

    Como último recurso, Masha lançou símbolos estranhos na direção de Samuel, que os ignorou, envolvendo Aisha com seu poder.

    Foi a última imagem que Kizimu viu antes da sacerdotisa erguer um leque. Então, chamas envolveram Bento, Samuel, a criança loira, Aisha e ela própria, transportando-os para um local que jamais poderiam alcançar.

    — NÃÃÃÃÃÃÃÃO! Por favor, NÃO! — o grito rasgou a garganta de Kizimu.

    Antes que pudesse soltar um segundo berro, um novo estrondo sacudiu o ar ao seu lado.

    O rei continuava, aumentando ainda mais sua dor.

    — Controle-se, garoto. Aisha não vai morrer.

    — O que o impede de matá-la?! Não sabemos onde ele está! Se for uma armadilha… o riso dele era a prova de que iria matá-la!

    — Cala-te. Não deixe o desespero te dominar em plena batalha.

    Cego de raiva, Kizimu mirou o homem. O porte do rei, imponente em trajes brancos, começou a irritá-lo profundamente. Ele avançou para perfurá-lo.

    Sua lâmina desenhou uma linha direta, mas o rei, com sua vasta experiência, soube exatamente onde defender.

    Só que Kizimu também sabia. E desviou.

    Movendo sua ação, atingiu a carne da costela.

    Pela primeira vez na história, o rei sangrou — e foi Kizimu quem o feriu.

    Kim, consumido pela mesma raiva, também tentou atacar. Mas o rei girou o braço, criando um estrondo no ar.

    Num piscar, Kim foi teleportado para trás do rei. Tentaria atingi-lo por um novo ângulo.

    O rei, veloz, desferiu um chute para trás. No mesmo instante que a pequena lâmina de Kizimu tinha atingido, o garoto loiro foi arremessado ao longe.

    O sorriso do rei não desapareceu nem mesmo ao ser ferido.

    A lâmina do escapelo era tão pequena que nem fez cócegas no homem de grande porte — o homem o arrancou e lançou de lado, como se fosse um graveto.

    O silêncio daquele homem incomodava a todos.

    De longe, Pandora não podia ajudar. Não sentia raiva, nem ódio — apenas medo.

    Medo de perder seus amigos.

    Medo de perder o controle.

    Medo de ver mais uma morte.

    Masha ergueu uma mão envolta em chamas púrpuras no mesmo instante em que o punho do rei avançava.

    Usando o ar, ela prendeu o braço dele, tentando impedir seu avanço.

    A explosão continuou — ela desviou. As chamas púrpuras partiram em direção ao rei, que as socou com o punho esquerdo, desviando o fogo para o alto.

    — Que interessante… ele usa o eco. Que curioso!

    Kizimu recuou, incapaz de ajudar. Kim estava ferido, e Pandora correu até ele.

    Masha ria. Ela se divertia com os ataques e defesas.

    — Você gera um som que reverbera ao infinito… o eco gerado eternamente cria um vazio destrutivo. Maravilhoso!

    Masha ria alto e aplaudia, mesmo diante de um homem que a tentava matar com tudo o que tinha.

    O brilho da luta era intenso. A alma de ambos parecia exposta no embate.

    As chamas púrpuras engoliam o branco da roupa do rei.

    Ele agora usava o eco por todo o corpo — para atacar e se defender. Uma insanidade que desafiava qualquer lógica.

    Era eco e chamas. Eco e vento cortante. Eco e púrpura.

    Masha teleportava-se de canto a canto, desviando, atacando. Controlava o ar, o fogo, o campo.

    O rei — ou o que restava dele — se defendia com precisão absurda.

    Aquela figura, chamada de rei por Samuel, de fato havia sido um rei.

    O mais forte da história. O imortal.

    E agora enfrentava Masha, a pesquisadora da Casa Kuokoa.

    Mesmo enfraquecido, longe do auge, a batalha era insana.

    Mas Kizimu não via beleza nisso.

    “O que eu faço? O que eu faço? O que eu faço?”

    Aisha foi levada. Ele não sabia onde estavam. Nada impedia que a matassem.

    A lógica gritava. A emoção explodia. O colapso era completo.

    Nem chorar ele conseguia.

    A única pessoa que poderia ajudar estava presa numa batalha infernal.

    — Masha, mate-o logo. Por favor.

    — Sem graça. Mas… quero te corrigir.

    Kizimu respirava fundo. Não continha a raiva. Queria uma cabeça voando.

    O rei, que feriu Aisha, era considerado um morto por ele.

    — Kizimu, a habilidade desse homem é muito acima da minha.

    — Você não consegue matá-lo?!

    — Não seja ridículo.

    Masha surgiu atrás do rei. Quando ele tentou girar o braço para matá-la… parou.

    — Ele… parou?

    — Esse homem não está em seu auge. Está desarmado. É só um corpo morto.

    — Corpo… morto?

    Com receio, Kizimu se aproximou de Masha, onde a luta parecia já decidida, ao simples desejo dela.

    — Melhor dizendo… são marionetes. Só preciso segurar os fios.

    Kizimu não entendeu — até que a ficha caiu.

    Bento estava oficialmente morto.

    A criança loira era a mesma que ajudou antes… e morreu.

    O rei? Morto.

    A mulher ao lado de Samuel? Nem respirava.

    — Marionetes… isso é pior do que imaginei. Ele vai transformar Aisha também!

    — Provavelmente era o plano.

    — ENTÃO TEMO—

    — Cale-se, garoto ansioso. Reparou que lancei um núcleo na criança?

    Momentos antes da fuga, Masha lançou símbolos enigmáticos na direção de Aisha.

    — Isso vai impedi-la de morrer?

    — Isso sela sua vida. Paralisa a alma. Nada pode tocá-la — fisicamente ou espiritualmente. — Masha parou diante de Kizimu. — Mas não é fofo. Ela está em coma. Só eu posso tirá-la disso. Temos que salvá-la mesmo assim.

    Os olhos de Kizimu se arregalaram. Ele chorou. Pulou, abraçando Masha com toda a força.

    — Muito obrigado. Muito obrigado mesmo.

    — Garoto… você é mesmo uma criança. Assim como ela.

    Masha acariciou sua cabeça, enquanto ele não soltava o abraço.

    — Como podemos encontrá-los?

    — Hihihi… temos ele — disse, apontando para o rei. — O fio leva direto até o controlador.

    — Vamos matá-los. Todos eles.

    Masha riu.

    — Criança, essas palavras são frias demais para você. Deixe isso para os membros da sua residência. Para os combatentes.

    — Ãn…

    Kim, apoiado por Pandora, também falou:

    — Posso não passar confiança agora… mas vamos salvar a senhorita Aisha. Custe o que custar.

    — Eu também — disse Pandora. — Não pude ajudar nessa luta… mas Aisha é minha melhor amiga. Não posso deixá-la morrer.

    Kizimu continuava em conflito.

    Racional e emocional.

    Era como se até sua maldição estivesse em colapso.

    Nada fazia sentido.

    Nada estava claro…

    Normalmente sua maldição deixava Kizimu pensar da forma mais racional possível, porém seu psicológico estava completamente destruído. Sentia-se como uma criança mentalmente, talvez por que fosse.

    Soltou o ar cansado.

    Enquanto estava dividido, um homem entrou no quarto da enfermaria. Passando pela porta destruída, entra um homem aparentemente idoso. Ele tinha uma postura mais elevada que todos na sala e segurava uma espada ensanguentada.

    Kizimu entrou em guarda.

    — Falso Velho, vejo que está vivo.

    — Dona Masha, vejo que já conteve o problema nessa sala.

    Esse homem interagiu com leveza com Masha, Kizimu só pode entender que ele era mais um dos residentes.

    — Senhor Chefe. Você está vivo. E que espada é essa?

    — Desculpa por você me ver de forma tão desprovida de beleza. Tive que sacar uma medida protetiva da casa para proteger essa casca velha.

    — Pandora, Masha, desculpem a pergunta atrasada. Quem é ele?

    Kizimu fez a pergunta óbvia que alguém sem memórias perguntaria. Kim se postou a apresentá-lo.

    — Esse é Cassian Thales, o mordomo da casa Kuokoa. Ele é o chefe das empregadas.

    — Ah, faz sentido.

    Mais um residente, em um momento de caos. Não gostou da ideia que teve, mas era um momento de emergência.

    — Certo. Cassian, desculpa por essa ser minha primeira ordem. Quero que nos ajude a resgatar Aisha que foi sequestrada.

    — A Dona Aisha foi sequestrada? Certo, não posso permitir isso, não conheço quem levou a jovem senhorita, mas já o odeio. Me use como quiser senhor Kizimu.

    Masha andou até Kizimu e deu um peteleco em sua testa.

    — Antes de pensar que vamos sair agora, vou deixar claro que iremos ser tratado antes. Você e Kim não podem ir da forma que estão. E tenho que no mínimo preparar você.

    — Não temos tempo a perder.      

    — Meu senhor, desculpa a intromissão, a senhorita Masha está correta. Não devemos nos precipitar. Cuidar dos feridos é a prioridade.

    O garoto de cabelos pretos e olhos azuis-escuros fintou o chão, irritado, não queria perder tempo, mas não queria ser um fardo. Acalmando o próprio coração, ele aceitou.

    — 1 hora, esse o máximo de tempo que posso nós permitirmos preparar. Tudo bem assim Masha?

    — Será mais que o suficiente.

    — Pandora, por favor, chame Althea.

    — Certo, Kizimu.

    A garota de longos cabelos pretos e pontas azuis saiu do quarto. Kizimu acalmou seu coração e fortaleceu sua determinação, olhando para janela. Pensou “Vamos salvá-la. Minha irmã.”

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