Índice de Capítulo

    — HIHIHIHIIHI. Nem fodendo que vocês chegaram aqui tão rápido. Nem mesmo meu mestre poderia prever. Certo. O que eu faço com vocês?

    A risada ritmada do homem sentado à frente causava uma certa ansiedade. O homem, sentado em um chafariz no centro da sala enorme, ria do quinteto. Usava um conjunto de colete de brocado dourado sobreposto a uma jaqueta vermelha com cauda longa. O homem sem pupilas tirou seu chapéu de veludo preto, ajeitou sua gravata borboleta-vermelha e se curvou.

    — Meu nome é Tarotian. Sobrenomes não importam mais. Eu sou o bispo mais aclamado do meu senhor Samuel.

    Kizimu ficou impressionado, mas não queria perder tempo. Foi para esse local com sede de sangue, não iria ficar brincando com um dos subordinados de quem tinha o maior alvo. Olhando para o homem à frente deles, a falta de pupilas provava que ele era mais uma marionete. Não era um ser vivo, não mais.

    — Cadê o padre Samuel? Tarotian, me diga agora — gritou Kizimu.

    — Olha, olha, olha, esse é o garoto que minha sacerdotisa analisou. Você vai ser um bispo muito útil para meu mestre. Por isso, vou me divertir com vocês enquanto são vivos.

    Uma carta voou, caindo levemente como um pedaço de papel no ar. Ela parou na frente de Tarotian, virando-se para o grupo de Kizimu. Ele viu várias estrelas, as mesmas estrelas que viu antes do rei aparecer. Um brilho dourado desapareceu junto da existência do homem em pé no chafariz.

    O som de água correndo fez todos ficarem confusos. O desaparecimento da única pista que tinham deixou Kizimu ansioso.

    — Garoto, nosso alvo continua dentro da torre. Esse castelo é tão especial quanto a nossa casa. — Masha apontou para frente, onde havia um corredor após o chafariz. — Ele está para lá, na mesma sala em que Aisha está.

    — Senho- digo, Kizimu, vamos nos apressar. Aquela carta não me parece ser um bom sinal.

    — Certo, vamos logo. Masha, Kim, Pandora, Cassian, digo desde já: eu os proíbo de perder qualquer combate que entrem.

    Kizimu andou, deixando para trás os membros de sua casa surpresos. A determinação da criança era a determinação de um general, ou melhor, de um rei. Todos ficaram animados e avançaram junto ao seu senhor.

    — Certo, irei suprir as expectativas do meu senhor — disse Cassian, feliz.

    Andando pelos corredores, as paredes eram negras e davam um ar assustador. Runas sagradas estavam gravadas em todos os azulejos. Quadros de santos davam um ar divino ao ambiente mórbido. Não demorou muito, seguindo as orientações de Masha, para chegarem a uma porta de madeira. Dentre as várias portas pelas quais passaram, essa era a que a mulher de púrpura disse ser a certa.

    Cassian parou na frente da porta. Como não sabiam o que haveria lá, sem dizer palavras, montaram um plano para não haver baixas. Lentamente, o senhor de idade, com boa postura, abriu a porta. Kim e Masha ficaram de prontidão para qualquer coisa que saísse.

    Um som deixou todos tensos.

    O ranger da porta gelou todos que queriam fazer uma investida silenciosa.

    Entrando na sala, olhando para cada canto que existia, nada além de um corpo se encontrava na sala.

    O corpo estava deitado em uma mesa de alumínio, amarrado com arames muito bem presos. Seus cabelos pretos estavam espalhados pela maca e suas roupas estavam bagunçadas. Lá estava aquela que vieram resgatar: Aisha.

    Kizimu não se conteve, correndo até sua amiga. Tremeu quando percebeu que fez algo estúpido e, ao tocar na maca, retirou os dedos rapidamente. Olhou para todos os lados para ver se havia alguma armadilha. Não poderia ser tão fácil resgatá-la.

    Masha, que ficou tensa, soltou um suspiro aliviada quando nada aconteceu. Mas não abaixou a guarda.

    Kizimu, vendo que nada ocorrera, foi até sua amiga, tocou em sua bochecha e estava fria. Sua vida havia sido selada. Não era nada além de um corpo. Suas roupas amarrotadas geraram ódio no coração do garoto. Se o padre encostou seus dedos nojentos em sua amiga, arrancaria cada unha do homem.

    O garoto não se irritou por entender o que havia acontecido, mas por sua amiga ter sido tocada. Era inocente, mas, dentro de si, a raiva não sumia.

    — Aisha…

    — Certo, encontramos o que viemos buscar. Vou nos levar para casa — aclamou Masha.

    — Por favor.

    Masha andou apressadamente para perto da garota e, no momento em que levantou a mão, um brilho dourado cegou todos.

    — Hi-H-HI-HI-HI-HI. Eu sou alguém tão bonzinho, deixei vocês terem um último encontro antes de morrerem. Eu sou um comediante. Vocês não estão rindo?

    — Não se atreva.

    Quatro cartas voaram ao céu, e um brilho dourado brincou com os garotos. Todos na sala, com exceção ao corpo frio na maca, desapareceram.

    ✡︎ —————✡︎ —————✡︎

    Pandora abriu seus olhos. O brilho dourado que a cegou a assustou. Desde que foi para o novo local, não disse uma palavra. Estava assustada, com medo. Ela não tinha tanta maturidade, não era uma combatente — apenas se tornou uma para agir de acordo com os desejos de Kizimu.

    — Onde… eu estou?

    — Lunática, você está comigo. Isso me tranquiliza. Estar sozinho aqui não é algo inteligente.

    — Senhorita Masha! Onde estamos?

    Olhando ao redor, a sala era de um branco vívido, quase cegante. A iluminação e os azulejos tornavam tudo doentio. Não poderiam ficar naquele lugar, precisavam voltar para poder salvar sua amiga.

    Pandora ficou ao lado de Masha, que estava olhando para toda a sala. Uma porta se abriu, e uma criança um pouco alta apareceu. Ela estava com uma expressão vazia, triste e sem energia. Nada disse, e parou.

    — Quem… é-é você? Fique parado.

    — Lunática, me diga. Você não tem controle sobre sua maldição ainda, certo? O que está à nossa frente é outro corpo amaldiçoado. Pode ser que iremos iniciar um combate.

    — Não, eu não consigo controlar. Eu sabia… Kizimu não deveria ter me trazido. Eu não consig-

    — Cala-te.

    Pandora começou a arranhar a voz, e Masha a interrompeu.

    — Não quero saber de suas desculpas. Dê um jeito de usar uma das suas lendas urbanas ou uma do folclore. Seja o Curupira ou o Saci. Traga-os. Não quero ficar de babá.

    Masha avançou para arrancar a cabeça da criança. A mulher de púrpura não tem receio de matar um corpo morto. Uma magia de longa distância era arriscada sem saber qual era a maldição ou bênção da criança.

    A criança, por sua vez, parada, não desviou do ataque de mão aberta que Masha fez. A mulher usou o ar para criar uma lâmina e arrancar a cabeça dele. O vento passando pela garganta não poderia ser evitado e a cabeça rolaria. Ao menos, a teoria era boa.

    — Ahgh!

    Incrédula, ouviu o som de carne sendo perfurada. Masha não escutou a carne da criança sendo cortada, e sim a sua própria. A mão da criança, sem nada envolvendo, perfurou o braço que continha, no palmo aberto, uma lâmina de ar.

    Foi menos que um mero instante. Se fosse apenas velocidade, ela teria esquivado. Porém, foram milésimos. Foi menos que um instante.

    A dor encheu o corpo da mulher negra, que só pôde ver a criança se transfigurando. Uma aparência aterrorizante formava uma silhueta sinistra. Quase como uma besta. A criança retirou a mão do braço dela e tingiu o chão de vermelho com o sangue fresco.

    Masha recuou, segurando o braço. Normalmente, ela lutava à distância, mas a criança estava parada. Não sabia o que poderia fazer e optou por algo que não pudesse ser esquivado por um humano.

    Definitivamente, aquele ser se formando à frente delas não era humano.

    ✡︎ —————✡︎ —————✡︎

    Cassian abriu os olhos azuis cansados. Estava em corredores cinzas, o que diferia de onde estava antes. Estava cercado por pilares.

    — Estou sozinho… Devo me encontrar com os outros.

    Andou para um dos lados. Tinha que encontrar seu senhor, deveria estar ao seu lado e protegê-lo. Mesmo que sua servidão fosse à casa Kuokoa, a ordem direta de Minne era para tratá-lo como seu senhor. Estava cada vez mais respeitando-o por si próprio.

    Enquanto andava, sentiu algo se aproximando. Esquivando-se, um martelo fino e longo quase arrancou sua cabeça. Cassian olhou para o garoto que tentou matá-lo.

    Era um jovem adulto de cabelos pretos lisos, amarrados para trás. Seus olhos eram cinza, usava um casaco grafite com capuz. Sua face sem expressão causava tristeza no velho. Ver um jovem que morreu tão cedo… o destino era algo cruel.

    O segundo se passou, e o martelo, de forma assustadora, quase arrancou sua cabeça. O que ocorreu foi desumano: um avanço que superava a velocidade humana. Cassian ergueu a lâmina que recebera de sua mãe.

    A velocidade dos avanços não podia ser defendida, e Cassian apenas desviava os ataques para não receber um golpe letal.

    Ataques desviados quebravam o ladrilho quando erravam ou parte dos pilares. A sequência de ataques foi feita de forma que Cassian não pôde defender todos, sendo desarmado.

    Foi muito bem treinado, mas estava enfrentando algo desumano. Um humano tolo, por mais forte que fosse, não superaria a velocidade de uma maldição.

    Caído aos pés do jovem morto, Cassian sentiu tristeza, e um ataque foi direto à sua cabeça.

    ✡︎ —————✡︎ —————✡︎

    Kizimu abriu os olhos. Ao seu lado estava quem mais confiava: Kim.

    — Kizimu, o senhor está bem?

    — Vai sempre procurar uma forma de encaixar “senhor” na frase, né?

    — Eeeh…

    Kizimu olhou ao redor, e um barulho começou a incomodá-lo.

    — Desculpa.

    — Não tem problema. Calma. Agora escuta.

    Era um tuc, tuc, tuc que não parava. Poderiam ser passos, mas no mínimo não eram passos humanos. E realmente não eram.

    — Kim… — disse Kizimu, tenso, ao ver, vindo do outro lado do corredor, mais de trinta lobos cinzentos correndo na direção deles.

    — Senhor… corre.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota