Capítulo 31: Pandora Akiva
A noite é tão pura, fria, e gentil. Mesmo que aquela tempestade fluia, estrondosamente, fortemente, perigosamente no céu. A escuridão tomava a cena, a lua cheia e reluzente pairava no ar.
Tudo era uma combinação perfeita para coisas únicas acontecerem. A beleza da lua, a ferocidade dos ventos, a dança da chuva, a arrogância do frio que todos machucava naquela noite. E foi naquela noite, que, ela nasceu. Naquela noite.
Pandora Akiva, ganhou vida.
Filha de Zuri Akiva.
Abandonada por um marido que nem merece ter menção.
A criança nasceu normal, era bela, pulcra, uma perfeição. Seus olhos pretos de boneca, seus cabelos pretos como o brilho da noite. Sua mãe, não poderia estar mais do que orgulhosa. Sozinha, ela teve de fazer nascer um bebê, já que ninguém ajudava a senhora Akiva.
— Esse bebê, é minha salvação.
A mulher, Zuri Akiva, tinha 33 anos, não era divorciada, era abandonada, assim que o pai soube que estava gravida, ele foi embora. Ela com suas forças teve de conseguir dinheiro, e sustento a si própria.
Sua família não ajudava ela, e moravam em um estado diferente. Com a indiferença da família, e com o abandono do marido, aquele que disse que nunca a abandonaria, ela apenas tinha ela mesma.
Ela mesma, e agora, sua querida filha.
— Você é meu tesouro.
A mulher cuidou do seu bebê, com muito vigor e força. Tudo que fazia era pela sua pequena. Zuri, uma mulher de grandes cabelos pretos e pontas azuis, amava sua filha.
Um amor de mãe não pode ser superado por nada diferente de algo divino. Nem mesmo Deus, ama seus filhos, como uma mãe ama seus filhos, como Zuri amava Pandora Akiva.
✡ —————✡—————✡
— Mãe, por que seu cabelo tem pontas azuis?
— Isso é um símbolo.
— Um símbolo?
— Foi a forma que a mamãe achou de dizer, para todos que olhavam para ela, que ela era mais forte que quem nunca cuidavam dela.
A pequena Pandora achou incrível. Achou lindo, achou belo, e sim, ela admirava sua mãe. Aquela mulher forte que cuidava da pequena garota de cabelos pretos, a pequena Pandora.
A forma de mostrar força, de mostrar que era forte, era seu cabelo. Zuri, desprezada pela própria família, precisou se identificar como única, precisou mostrar para si mesma, que não era igual à própria mãe.
Ela tinha os mesmos olhos da mãe, o mesmo cabelo, a mesma cor, o mesmo jeito. O que tornava ela diferente da mulher desprezível, que era sua mãe?
A cor azul, na ponta de seu cabelo.
— Isso é tão lindo, mãe.
O orgulho que Zuri tinha de sua pequena, era incrível.
✡ —————✡—————✡
— Você é um monstro.
Dentro de si a verdade.
— Você nunca deveria ter nascido.
A Zuri sabia disso. A mãe sabia que não deveria ter nascido. Ela era uma aberração, mas, até mesmo aberrações poderiam ser humanas, não?
— Você deveria morrer. — Sim. — Você não é minha filha. — Não. — Apenas, suma… — Sim…
Eu deveria sumir, fugir, desaparecer, morrer, e.
— Mãe…
Zuri abriu seus olhos. Sua filha estava lá.
— Mãe, você teve um pesadelo?
— Filha… não se preocupe, sua mãe está bem… melhor do que nunca.
— Que bom… mãe, dorme comigo, abraçada, assim, você nunca vai ter nenhum pesadelo.
— Muito obrigada, filha.
E assim, abraçada a um anjo, ou uma pequena boneca com olhos pretos como carvão. A mãe abraçou seu tesouro, seu mundo, seu tudo. Uma mãe abraçou sua filha.
— Filha?
Sua filha não estava lá.
— Filha?
Sua filha não estava em sua casa.
— Filha!?
A janela estava aberta.
Desesperada, ela procurou por sua filha nas ruas. Correu, correu, correu.
Procurou, cansou, chorou, gritou, e nada encontrou.
Frustrada, ela correu para casa. Ligar para polícia deveria ajudar.
Lá, ela viu.
Uma criança estava na sua casa.
Ela não era sua filha.
Ela tinha cabelos pretos, e pontas de chamas vermelhas. Seus olhos também continham chamas. Ela não era sua filha. Apenas tinha o corpo de sua filha.
Lentamente, a criança caiu ao chão. E assim, as chamas se apagaram.
Sua filha, era um monstro. Assim como a mãe.
✡ —————✡—————✡
Um monstro. Uma aberração. Um lixo.
Zuri sempre foi taxada por ser uma atrocidade, já que, ela no brilho da noite, brilhava. Seus olhos ficavam prateados, e sua aparência mudava para algo espantoso.
Seus pais sempre humilharam sua filha, dizendo que ela não deveria viver, mas, não tinham coragem de matar a própria filha. Sempre humilharam, sempre atacaram, sempre desprezavam.
Mas Pandora.
— Mãe, você está linda.
A filha sempre a viu como algo belo, mesmo que estivesse como uma aberração, a pequena Pandora, nunca temeu ela. Ela a admirava muito, achava bela, linda, perfeita.
Zuri nunca sentiu isso, o conforto de alguém que verdadeiramente a ama. Era confortável, era belo, era caloroso, era…
Amor.
✡ —————✡—————✡
Zuri não sabia repassar esse amor.
✡ —————✡—————✡
Zuri nunca sentiu isso, ter o conforto de alguém que verdadeiramente a ama. Ter visto sua filha como uma aberração, lhe deu calafrios. Ela tinha que ser diferente, ela não poderia ser como sua mãe. A mãe criou um monstro. A mãe criou uma aberração. A mãe, tinha criado um lixo.
✡ —————✡—————✡
A mãe pegou sua filha e deitou-a na cama.
A filha não se lembrou de nada da noite passada. A mãe, ansiosa, não sabia como tratar a filha. Era medo, era rancor, era desprezo, mas, ela não queria demonstrar, queria repassar amor, mas algo dentro de Zuri quebrou.
As noites se passaram, e Zuri observou sua pequena, e percebeu coisas. Não era uma aberração, tinha 4. Existia 4 formas que sua filha poderia assumir. Zuri tentou se manter calma, mas a ansiedade consumiu a mesma.
Noite em estudo, noites em cautela, noites em um falso amor, quebrado, rachado, pois seu tesouro havia sido maculado.
Era noite, e mais uma vez, a mãe viu uma aberração, algo que ela nunca poderia amar. Algo cadavérico, hediondo, feio, perturbador.
Assim, a mãe apontou, para o estado cadavérico, uma faca de cozinha, prateada, grande, longa, tal como de cortar carne. Um objeto comum de cozinha, tão prateado quanto seus olhos poderiam ser se fosse uma aberração.
A faca refletia os olhos da mãe e da filha, naquela noite, duas aberrações se olhavam, duas aberrações se encaravam. Naquela noite, dois monstros se atacaram.
✡ —————✡—————✡
A mãe ficou com medo, nunca imaginou que isso poderia acontecer. Perder a cabeça e atacar sua filha daquele jeito. Sua filha estava regenerando seus membros, mas, a dor que causou a filha não poderia ser descrito. Ali, a filha aos poucos voltava ao normal, e sua mãe também.
A filha acordou.
A filha olhou para mãe.
A filha… sorriu.
— Bom dia, mãe, dormiu bem?
Ali, dentro de si, quebrou a única fagulha.
— Eu tentei te matar.
— Me matar? Mãe, do que a senhora está falando?
— Eu… não, você é uma aberração.
Quebrou.
— A-berração?
A filha não entendeu. Ela sempre amou sua mãe, e a mãe sempre demonstrou a amar. Do que ela estava falando do nada? Por que ela estava apontando uma faca? Por que aquela faca tinha tanto sangue?
A criança olhou em volta de si e não viu nenhum arranhão. Então, como tinha tanto sangue naquela faca.
— Você não deveria estar viva!
A mãe estava mentindo. Mentindo para si. Ela não queria falar aquelas coisas, mas estava quebrada. Como sua filha poderia estar tão bem, depois de tanto mal que ela causou a própria filha.
— Você tinha que morrer, porque você é uma aberração.
— Do que está falando. Mãe eu estou ficando com medo.
O medo do desconhecido, a filha queria se aproximar da mãe para se sentir segura, mas era a própria mãe que a tornava ansiosa, naquele momento.
— Eu não consigo viver com um demônio.
Pandora era um demônio? Por quê?
— Você… tem que… mo… rrer.
A mãe não acreditava no que dizia. Era mentira, tinha que ser mentira, quando ela se tornou tão fria, por que ela não poderia amar a filha como a filha a amava? Por que ela não poderia amar, por que…? Por que, ela, era o monstro?
Zuri Akiva era um monstro, ela é um monstro.
Por isso.
— MÃE!
A faca apunhalou no coração o monstro ali.
— Mãe, mãe, mãe, por quê? Por que fez isso? Mãe, fica comigo, não, mãe.
A criança mal conseguia compreender, mas o medo era claro, ela sabia o quão facas eram perigosas, ela entendia o que sangue significava, ela via sangue sair do local onde a própria mãe enfiou uma faca.
A boca saia sangue, o corpo fluia sangue. Pandora viu algo estranho saindo do corpo da mãe. Uma espécia de fumaça, ou nevoeiro, uma energia negativa.
Um miasma.
Porque isso tinha que acontecer com sua mãe. Por quê? Por quê?
— Mãe, fica comigo, fica comigo.
— E-hu.
— Ãn? Fala comigo. Fala.
— Eu te…
Aquilo que sua mãe falaria mudaria completamente sua vida.
— Odeio.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.