Capítulo 33: O teste
— Agora vamos encontrar qual dos dois?
— Vamos ver o curupira agora. Iremos deixar o corpo seco por último.
— Como desejar minha senhora.
Kizimu se curvou, e Pandora riu. Ambos estavam com uma felicidade contagiante, algo que não sentiam há muito tempo. A dupla se dirigiu a porta carbonizada.
Era a primeira vez que Kizimu entrou naquele quarto, se surpreendendo com a mata verde. Ele ficou encantado com a beleza, a sua volta e andaram. Ambos estavam de mãos dadas e procuraram pelo curupira.
— Onde ele está?
— Não sei. A última vez que vi ele, estava bem perto da porta.
Kizimu olhou a volta, até que encontrou pegadas.
— Olha isso.
— Boa, podemos seguir isso.
— Não, lembra como é o pé dele?
Pandora começou a pensar, até que lembrou. Seus pés estavam virados para trás, e as pegadas estavam andando para frente, o que deveria ser errado. Mas como essa pegada tinha seu fim no lado oposto? A pegada humana natural, se fosse invertida, não teria como ter seu começo ali, e sim seu final.
— Ele fez essas pegadas de proposito.
— Você acha?
— Não… é que… eu não sei por que, mas tenho certeza disso. A lenda dele é assim.
Pandora ficou encucada.
— Como você sabe? Pensando bem… você sabia a história da loira do banheiro e do saci. Você perdeu as memórias, né?
— Eu perdi, mas por algum motivo eu lembro de algumas coisas pequenas. Eu também não sei por que eu sei…
De repente, um rugido de animal e passos avançaram com tudo para cima deles.
— Temos que correr.
— Sim! … Não. Isso é falso.
— Falso?
A dupla esperou, escutando os passos que aumentavam, até que… nada aconteceu.
— O curupira faz pegadas, cria sons de animais para enganar as suas presas. Ele deve estar por perto.
— Vou confiar em você.
Um assobio aterrorizante aconteceu, e Pandora sentiu um medo tremulo. Ela segurou o braço de Kizimu e ele ficou atento ao ambiente. O garoto de cabelos pretos não sentiu medo, avançou pela mata.
— Vamos ficar bem?
— Pandora, acho que você esqueceu que pode criar qualquer coisa, além de ficar intangível. Eu sou o único em perigo aqui.
— Verdade, né?
O medo irracional que ela sentia, logo passou, mesmo assim ela não desgrudou do braço do garoto.
— Deve ter alguma forma de encontrar ele, né?
— Agora que você disse. — Kizimu pediu algo no ouvido de Pandora. Ela ficou confusa novamente, mas como ele acertou com o Saci, então ela fez o que fora pedido. Escondendo o objeto a todo momento.
Kizimu pegou o objeto, ainda escondendo ele, e jogou no mato.
Passou 1, 2, 3, 4, 5 segundos até que uma mulher com as pontas do cabelo em chamas e olhos brancos saiu dos arbustos com um novelo de cipo nas mãos. Ela tentava encontrar a ponta, que muito bem escondida, não encontrava.
— Certo, agora me explica, por que isso deu certo?
— O curupira é curioso, para enganá-lo, só precisa de um novelo de cipo com a ponta bem escondida.
— Eu estou surpresa.
A dupla parou na frente do curupira, que não soltou o novelo e não parava de tentar.
— Que tal conversarmos?
— Você é o garoto que pediu minha ajuda, né?
— Você lembra?
O curupira entrou no corpo de Pandora na luta contra a sacerdotisa e a criança. Kizimu pediu para ela ajudar ela, e assim fez. Talvez o curupira fosse o mais fácil de conversar.
— Nós não queremos lutar, podemos apenas conversar?
— Pandora, eu já disse tudo que queria dizer a você.
— Você disse que eu me vitimizava e que ninguém se importava comigo. Foi algo bem incomodo.
Pandora se sentiu muito mal antes, ainda mais sentindo uma depressão inexplicável. As palavras do curupira faziam muito sentido, e ela não encontrou forças para contrariá-lo. Agora, ela não ficaria para trás. E se colocou na frente dele.
— Olhe para mim.
— Eu acho isso aqui mais interessante.
— Eu quero fazer um acordo com você.
O curupira parou, e finalmente olhou nos olhos de Pandora.
— Acordo?
— Eu vou deixar vocês terem acesso ao meu corpo, uma vez ao dia.
— Uma vez ao dia? Sabe quantas florestas são violadas, enquanto você quer viver sua vida normalmente?
Não sabia, não conseguia sentir as florestas, mas o curupira sentia. Tinha uma ligação com as florestas que Pandora nunca sentiria.
— Olha, eu quero que todos tenham um espaço no corpo no dia, e eu vou ceder o lugar.
— Eu não quero seu corpo para me sentir vivo. Eu quero seu corpo para um bem maior. Eu preciso estar a postos para impedir as florestas de serem destruída.
— Olha, mas eu não posso ficar fora da casa a todo momento. Temos que entrar em um acordo.
O curupira se levantou e ficou frente a frente com Pandora.
— É algo bem simples, você morre e eu tenho seu corpo. Por isso, aceite por favor a sua morte.
O curupira se curvou, pedindo assim algo que Pandora há momentos atrás tentou realizar. Kizimu se irritou e entrou na conversa.
— Por que você vai fazer isso a ela? Tipo, ela já está cedendo o corpo dela, poxa, pensa um pouco nela.
— Sacrifícios são necessários para podermos proteger as florestas. Elas são necessárias para a vida.
— Está sacrificando uma vida por outras?
O curupira se voltou para Kizimu que estava ficando irritado.
— Exatamente, estou escolhendo a morte de uma pessoa, para poder salvar a vida de milhares de florestas.
— Não podemos apenas entrar em um consenso? Pensa, mesmo que Pandora… morra… vai ter outras maldições.
— É só fazer eles se matarem também.
Kizimu ficou com muita raiva, ele queria escolher quem vive e quem morre. A vida não era algo tão simples para escolher, retirar ou ficar sem. Pandora se colocou entre Kizimu e o curupira.
— Por que não fazemos um jogo?
— Um jogo?
— Se eu provar que posso proteger as florestas, quero que me deixe ter seu poder.
O curupira ficou curioso, como ela poderia proteger as florestas?
— Acha que pode proteger a floresta melhor que eu?
— No mínimo, eu posso proteger a vida melhor que você.
— Irônico, que eu saiba, seus amigos estão morrendo e você não era capaz de fazer nada.
Claro que não poderia, suas maldições queriam matar ela, enquanto ela tentava usar o poder deles.
— Eu vou provar.
— Então, lutemos. Esse será o seu desafio. Quero ver se é mesmo capaz.
— Lutar?
Por que eles iriam lutar? Ela estava pensando em algum desafio, ou algo parecido. Uma luta era algo que ela não estava preparada. Nunca lutou antes, mas com Kizimu ao seu lado, ela se sentia confiante.
— O jovem Kizimu não tem permissão para lutar.
— Não posso? Por que não?
— Se ela vai ter meu poder, quero ver se ela é digna, não faria sentido outra pessoa lutar, não é verdade?
Ele queria ver se ela é digna? Kizimu recuou, deixando Pandora confusa. Ela não achava que ele cederia tão fácil, e então ele mostrou o polegar para ela.
— Vai ficar tudo bem. Eu confio em você.
Pandora estava nervosa, lutaria contra um defensor das florestas que pegou novamente o novelo de lã. A única vez que lembra de lutar na sua vida, foi quando entrou em desespero ao ver a criança morta. Ela estava no controle do corpo, mas a ira foi diretamente dada do curupira, onde suas ações estavam sendo induzidas.
O Saci também entrou na sua mente no meio da luta, e tinha três pessoas no controle do corpo dela naquele momento. Ele observava o curupira tentar retirar o nó, e pensou no passado.
Ela tem suas maldições desde que nasceu, mas não entendia muito bem a troca. Ela não entendia, até ver a mãe morrer na frente dela. A sua mãe morreu, dizendo claramente que morreu por que não conseguia viver com um demônio.
Desde então, ela sempre tentou reprimir sua maldição, fazendo uma dor mental impossível de viver. Quantas vezes cada uma das suas maldições tentavam entrar na sua mente. Influenciavam seus pensamentos. Faziam ela querer desistir. Cansada. Fraca.
Agora ela deveria fazer por tudo que não pode fazer na sua vida. Viveu a vida com dor, e parar acabar com essa dor, deveria vencer a luta, a primeira luta que faria sozinha. Assim que se decidiu, no instante seguinte o curupira conseguiu desatar o nó.
— Finalmente, podemos começar. — disse o curupira, fazendo as chamas ficarem mais intensas.
A pele de pandora escureceu e seus cabelos ficaram loiros.
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Sem nem dar um aviso, o curupira avançou em uma velocidade imensa. A palma da mão aberta tentou atingir seu tórax, mas atravessou, sem atingir.
— Você não pode ser atingida… então já tem posse da loira do banheiro.
— Algum problema?
— Jovem Kizimu, não se proteja.
No instante seguinte, o curupira fez chamas vermelhas atingirem velocidades absurdas e avançarem para Kizimu, que fez o máximo para se manter parado.
— Não ataque ele.
Pandora se colocou na frente do garoto, e fez uma proteção com tornados.
— Se eu não posso te atingir, é inútil, por isso, proteja a vida dele. Esse é seu teste.
— Não entendo por que quer uma luta.
— Não tente entender e me vença.
Pulou por cima dos galhos das árvores, e um tronco de repente correu na direção de Kizimu. Pandora pensou no tronco parando no ar, e parou, mas no instante seguinte, o tronco explodiu.
Os destroços acertaram parcialmente o garoto e Pandora se irritou com sua impotência. Ele utilizou de uma armadilha para vencer a onipotência de Pandora. Ela procurou ele e o curupira não estava em lugar nenhum.
Ele não apareceu, até que Pandora escutou um assobio. Procurou, procurou e nada encontrou. De repente, o chão em baixo de Kizimu quebrou e ele caiu. No final do buraco, diversos espetos de madeira estavam.
Pandora pensou que Kizimu não cairia e ele não caiu, mas de repente as estacas subiram para acertar o garoto. Ela puxou o garoto com sua mente, fazendo ele voar, mas no instante seguinte um ataque cruzou suas costas.
Ela ficou tão focada em salvar Kizimu que não manteve sua intangibilidade ativa, fazendo chamas atingirem ela como garras.
— Não poderá proteger ninguém assim. Tem que ter inteligencia. Tem que prever o que seu oponente quer fazer.
— Eu estou tentando.
— Não vai conseguir proteger o jovem Kizimu assim.
Pandora se calou, meio irritada, e seus pés começaram a elevar um pequeno furacão, em seus braços tinham redemoinhos. Ela tentou atacar todos os lados para procurar o Curupira e não encontrou nada.
— É assim que vai proteger a vida? Violando a floresta? Vai ficar irritada com seus oponentes e jogar redemoinhos, vai queimar eles?
Ela parou. O que a garota deveria fazer para poder vencer ele? O que Kizimu faria? No instante seguinte, ela pensou em algo.
— Curupira, olha aqui.
Ela jogou uma caixa colorida fechada no ar. E de repente o curupira pulou para pegar a caixa. Ele tentou abrir ela e a caixa explodiu no ar. O mesmo caiu espantado e riu. Ele tentou fugir, mas não conseguiu mover seu corpo.
— Você me prendeu em uma caixa invisível?
— Descobriu bem rápido.
O curupira ficou preso na caixa invisível, e ficou parado. Pandora achou que saiu vitoriosa, até que, sentiu algo se aproximar.
As estacas que tentaram acertar Kizimu, agora foram na direção dela, a mesma ficou intangível e as estacas atravessaram ela e correram até o garoto. Ela fez o ar se tornar cortante e destruiu as estacas, antes de chegar no garoto de cabelos pretos.
Olhou com um ar triunfante para o curupira, e ele não estava mais lá. Aproveitou que a garota parou de olhar e sua habilidade criada foi desativada.
Sua mente não era tão forte e inteligente, estava em uma clara desvantagem. Como ela deveria vencer, se nem uma explosão atingiu o curupira?
— Você vai ficar fugindo até quando?
— Em uma batalha, tem que ter a vantagem do campo.
Isso era algo que ela não entendia, vantagem de campo era aproveitar o campo ao seu favor. Estavam nas florestas e era o domínio dele. Pandora desistiu de pensar, ela pegou Kizimu e levou ele pelo braço.
— Ei, aonde vamos?
— Você não pode fazer nada, mas eu estou te movendo, isso não é contra as regras.
Pandora criou uma casa de um andar. Era uma casa com uma sala e um quarto, onde ela entrou pela porta e fechou. Ela colocou Kizimu no centro e esperou, não fez janelas, apenas uma iluminação no centro e diversos móveis, como sofás, cadeiras e mesas.
Tinha apenas uma forma de entrar. E ela esperou, esperou e a porta da frente explodiu com chamas vermelhas.
Kizimu sentiu algo estranhos nas chamas, um desconforto claro, que tentou ignorar.
— Vai fugir agora? Sua ideia de proteger é bem idiota.
— Será mesmo?
Correntes puxaram o corpo do curupira para dentro da sala, ele contra vontade tentou escapar e não adiantou. Pandora aproveitou e fez diversos cortes de ventos para atingir o corpo do curupira.
O mesmo não ficou parado, criando chamas ardentes para lidar com os cortes, de alguma maneira deu certo. Pandora puxou com força ele para dentro e tentou fazer diversos móveis atingir ele.
A habilidade do curupira, mesmo acorrentado, era muita, onde conseguiu explodir tudo com qualidade.
— Você é muito forte, como eu vou te vencer?
— Se você ficar impressionado com a força do oponente, nunca vai vencer.
— Como eu faço?
Pandora continuava a jogar diversos móveis até acabar, as correntes foram derretidas também. E então, ela se sentiu fraca, como poderia vencer ele?
— Pandora, você não é nada criativa, né? Pensa nos jogos.
Kizimu deu uma dica para ela. Ele não poderia interferir diretamente, então ela pensou. O que ela lembrava sobre os jogos? Aisha tinha te mostrado alguns jogos e então lembrou de um jogo de tiro, onde poderia colocar código para criar coisas novas.
Pandora riu, assim que gerou uma bazuca. O curupira se surpreendeu.
— Vai usar isso? Vai explodir tudo?
— Claro, é só eu proteger esse tudo e impedir a explosão de atingir a floresta.
Chamas foram fortemente na direção de Pandora, que com apenas o apertar do gatilho, fez uma grande explosão atingir o curupira.
O curupira conseguiu escapar da explosão, quando no instante seguinte, viu um carro voar na sua direção. Ele usou as chamas e abriu um buraco, assim Pandora surgiu usando fazendo um enorme furacão. O curupira foi levado e suas chamas também, onde fez na casa um furacão de chamas.
Kizimu foi jogado dentro de um quarto, criado por Pandora e com uma proteção incrível. Ele mesmo estava assutado apenas escutando as explosões.
O curupira estava no centro do furacão de chamas e então o furacão congelou, prendendo ele no centro. Incrédulo nada poderia fazer estando preso, só que ele não desistiu. As chamas ficaram mais intensas e explodiram o gelo de dentro para fora. As chamas foram tão intensas que começaram a entrar no quarto de Kizimu.
O garoto de cabelos pretos sentiu um medo irracional. Algo que não era logico. As chamas continuavam a entrar no quarto.
Pandora criou diversas lâminas, tal como a que ela viu a sacerdotisa usar contra Masha. As chamas intensas carmesins destruíram e derreteram cada metal que avançou no curupira.
Ela, lembrando de Masha, começou a usar chamas purpuras e jogou no curupira, onde tiveram uma luta intensa de chamas. O fogo intenso se tornava vivo e o calor reinava a todo momento, a essência daquele lugar se tornava uma dança de cores vivas, e tudo parecia estar chegando em seu clímax.
Pandora não sabia mais como lutar, e então, ela tem duas ideias. A garota avança com velocidade e grita.
— Pare.
Enquanto cada osso do curupira parou, ela fez uma lâmina e atingiu o mesmo. Uma dor intensa atingiu o corpo dele, que estava derretendo.
Uma lamina abençoada foi criada pela Pandora, usando agora a benção de Bento.
— Impressionante, talvez eu tenha subestimado você.
— Quer dizer que vai aceitar meu acordo?
— Só se… você conseguir proteger o jovem.
O quarto explodiu em chamas. Pandora correu o mais rápido que pode, mas o curupira segurou a garota. Ela usou a lâmina e cortou o braço dele, que ardeu muito intensamente. Ela com muito medo correu para o quarto que estava fechado.
Ela, abrindo a porta, só pode ver Kizimu no canto do quarto, extremamente assutado. Apavorado, e então, com lagrimas nos olhos. Desmaiou.
— Parabéns, você conseguiu.
O curupira também desmaiou.
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Pandora esperou os dois acordarem. O curupira, que era ela mesma, com cabelos em chamas e Kizimu, que apavorado desmaiou sem que ela entendesse. A garota usou suas capacidades de criar qualquer coisa e gerar qualquer sensação para curar tudo.
Aos poucos, os dois desmaiados acordaram.
— O que aconteceu?
Pandora correu e abraçou Kizimu.
— Eu venci!
— Pandora. Eu sabia que conseguiria.
— Garota, eu estou impressionado. Não imaginei que poderia ser derrotado, mesmo na sua mente.
O curupira olhou para a chama na própria mão.
— Talvez… eu deva deixar isso em suas mãos.
— Mais do que isso.
— Hã?
Pandora abraçou o curupira.
— Se eu falhar em proteger a vida, eu quero que me ajude. Quero que sempre me ensine e me ajude a proteger. Por favor.
— Você… é especial. Com certeza, não é alguém que merece morrer.
O curupira estava desaparecendo.
— Aqui é um mundo, onde você tem que resolver seus problemas internos, e ironicamente você foi parar dentro de sua própria mente. Pandora, boa sorte.
E assim, desapareceu, nos braços de Pandora.
Ela sentiu sua alma ser preenchida e sua mente também. Assim, seus cabelos começaram a ter chamas azuis nas pontas. Bem diferentes das chamas vermelhas vivas do curupira, isso provava que ela estava no controle.
— Obrigada.
Pandora venceu o teste do curupira, e estava grata por ser tão forte.
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