Sem tempo nem para pensar, Aisha apenas levantou Kizimu, puxando-o pelo braço. Kim seguiu os dois. Logo após o puxão repentino, ela disparou pelos corredores, conduzindo-os até uma área que Kizimu ainda não conhecia — no lado oposto ao que havia entrado com Esme. Supôs, então, que estavam indo em direção à entrada da casa.

    — Aisha, pode me explicar o que está acontecendo?

    — Senhorita Aisha, qual dos residentes está com problemas?

    Kizimu e Kim estavam confusos. Aquela mudança havia sido repentina demais. Estavam comendo e, agora, corriam pela casa, provavelmente rumo à entrada.

    — Pandora Akiva — disse Aisha em um tom seco.

    Um novo nome. Diferente de tudo que já ouvira. O nome “Pandora” provocava um conflito interno, pois o remetia a um antigo conto que ouvira quando criança — sobre a Caixa de Pandora. Ainda assim, uma mãe podia perfeitamente dar esse nome à filha. Nada impedia, certo?

    Pandora era uma residente envolta em mistério. Talvez fosse a enfermeira, já que Kizimu ainda não sabia seu nome. Ou talvez fosse mais uma garota que ele ainda não conhecia, como a própria Aisha.

    — Aisha, me diga, como sabe que ela está em perigo? É sua maldição ou bênção?

    — Bem… não sei como explicar isso, e também não sei dizer se é uma maldição ou uma bênção.

    — Como assim?

    Agora Kizimu pensou nisso. Como distinguir entre uma maldição ou uma bênção? Tinha uma lógica? Seria interessante saber a peculiaridade de cada pessoa, de forma mais concreta. Refletindo, todos que conhecera até agora carregavam essas singularidades. Estaria vivendo em um hospício de anormalidades?

    Chegando a uma nova porta dupla de madeira branca, Aisha respondeu:

    — O que eu tenho não segue uma lógica retilínea. Depois te explico.

    — Certo… e sua peculiaridade disse que uma residente iria morrer?

    — Na verdade, eu vi. Vi nossa tristeza ao saber da morte dela.

    — Ah!

    As maldições e bênçãos pareciam se manifestar de formas distintas. Kim trazia a peste. Masha absorvia almas. Esme… essa ele ainda não compreendia, mas certamente era um demônio. Amelaaniwa era a própria Maldição. A de Kizimu parecia ser sua própria existência, com sua maldição sendo seu nome. Já Aisha… ela via o futuro? Talvez? Ou apenas vislumbrava emoções futuras? Saber que sentiriam tristeza por uma morte — e ver isso — deveria ser algo doloroso.

    — Vamos.

    Aisha assentiu, saindo da casa.

    Correram para fora, seguindo a garota, que parecia ter energia de sobra. Kizimu, por outro lado, estava fora de forma. Na verdade, nem entendia como ainda conseguia correr. A noite estava clareando o céu como um brilho místico. As árvores pareciam assustadoras, porém, Aisha não recuou. Seguiam rompendo a mata, indo à direita, afastando-se do caminho que levava à entrada principal da casa. A floresta fechada dificultava ainda mais sua corrida, e ele mal se acostumava a estar de pé.

    Aisha parecia uma trepadeira de nascença, correndo e saltando entre os galhos com leveza e destreza. Kim, atento ao caminho e ao amigo, cortava galhos problemáticos que atrapalhavam Kizimu — uma grande ajuda. Sem ele, não conseguiria acompanhar a garota de cabelos pretos que voavam com o vento da corrida veloz.

    — Estamos quase chegando. Irmãozão, vamos ver alguém perigoso. Então, deixe para o Kim lidar. Eu vou observar e ver como posso ajudar, mas não poderei lutar, não sou uma combatente.

    — Certo. Mesmo que quisesse, eu não deixaria você fazer nada perigoso.

    — Que fofo. Te daria um beijo se não fosse um momento crítico.

    Kizimu desviou da piada e olhou à frente — e a cena não poderia ser descrita de outra forma senão horrenda.

    Um homem empunhava um machado em uma das mãos e carregava uma espingarda nas costas, de frente para uma jovem garota.

    Seu corpo era grande e atlético. Não por ser gordo, mas por pura estatura. Estava de pé, irado e lunático, rindo de maneira sádica, como se aquela situação fosse um banquete. Sua barba negra era malfeita. O cabelo, um pouco comprido, escondia-se sob uma touca laranja.

    — Ah! Ah! Senhor Sépulcro, que belo banquete — vociferou o homem em êxtase.

    A garota à sua frente tremia. Seu longo cabelo preto, que chegava até as pernas, estava manchado de vermelho escarlate nas pontas azuis-escuras. Estava assustada, tomada pelo medo. Um traste que causava tanto sofrimento a uma moça tão linda não deveria ser perdoado. O homem era uma macha na noite onde a loucura pintava o terror que poderia ser chamado de pesadelo.

    Aba imagem: John Bento em pé com suas armas de forma lunática. Pandora caída machucada com sangue em seu corpo.1

    Sangue escorria da lâmina prateada. Ao ver o terror nos olhos da garota, as lágrimas que brotavam e o vermelho que tingia seu braço, algo despertou dentro de Kizimu. Sua ira se acendeu.

    Mas não era uma raiva comum. Uma fúria silenciosa, intensa e incontrolável se instalou em seu coração. Ele não podia permitir aquilo. Não dentro de sua própria residência.

    Era só um garoto de cabelos pretos que havia despertado há pouco tempo. Nunca havia lutado, e sua falta de memória era um fardo. Ainda assim… aquilo diante de si era imperdoável.

    Não podia ficar parado. Não podia se calar. Era o senhor daquela casa — e uma residente estava em perigo.

    Mas… o que poderia fazer?

    Não sabia lutar. Não conhecia nada sobre o inimigo à sua frente. O homem o encarou de volta, sorrindo com a excitação de quem adorava um banquete sangrento. Havia um brilho perturbador em seu olhar.

    Kizimu não podia hesitar. Precisava agir.

    Como sua irmã dissera, Kim estava a seu dispor. E já havia se apresentado como cavaleiro. Era para isso que ele estava ali.

    — KIM, corte os braços dele. Mas não o mate.

    — Sim senhor!

    Avançando com fluidez letal, um arco prateado disparou como uma serpente em direção ao homem corpulento. O ataque foi recebido com frieza — uma defesa precisa, sem hesitação. O som do metal se chocando ecoou como um trovão abafado, uma nota metálica aterrorizante.

    Kizimu não queria ver ninguém morrer. Não queria ter que dar uma ordem tão brutal como aquela.

    Mas contra um psicopata, hesitar significaria a morte de seus companheiros. A ira fervilhava dentro dele, mas matar ainda era algo que se recusava a fazer.

    Confiava a batalha ao seu cavaleiro… mas não queria apenas depender disso. Queria mais.

    Kizimu retirou o anel.

    — Kuzimu, ajude ele.

    Sinos. Sinos suaves e distantes foram a última coisa que Kizimu ouviu.

    1. Abas imagens serão imagens futuras que irei adicionar para vocês. ↩︎

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