Capítulo 64: Coração de insurgia
Foi como atravessar o véu entre mundos.
Assim que as imponentes portas se abriram, uma luz intensa inundou o salão, como se a própria aurora tivesse descido sobre eles. Por um momento, todos os desacostumados àquela magnitude foram cegados — suas pupilas dilatadas tentavam, em vão, captar a vastidão daquela visão abençoada. Mas aos poucos, a luz revelou não apenas o trono… mas o coração do próprio reino.
O chão refletia o brilho das colunas azuis que se erguiam como pilares sagrados. Bandeiras de tecido nobre dançavam suavemente com o ar, ostentando a estrela negra envolta por linhas azuis que pulsavam, quase vivas, como o colar de Aisha. Aquilo não era apenas arquitetura — era fé, era poder, era a identidade de um povo inteiro. Ali, mais do que um castelo, havia sido construído um altar.
Sobre uma elevação simples, porém simbólica, estava o rei.
Um homem alto, de traços firmes e expressão serena. Sua barba bem aparada e os olhos calmos transmitiam o peso de cem batalhas e a sabedoria de mil conselhos. Ele usava um manto escarlate com detalhes dourados e uma gola de pele branca que realçava o azul-celeste da cruz que repousava sobre seu peito. Sua coroa, trabalhada em ouro puro e cravejada de safiras, repousava com leveza sobre sua cabeça — como se a própria coroa o escolhesse, e não o contrário.
Mesmo sentado, a imponência que exalava era esmagadora. Não precisava de palavras, nem de gestos para dominar. Apenas existir ali, naquele trono, era o suficiente para calar os ventos.
Quando notou a aproximação do grupo, endireitou levemente a postura — não como quem se sente ameaçado, mas como quem concede atenção a algo digno. Seus olhos, ainda calmos, perscrutaram cada rosto.
Ao seu lado, repousava a rainha.
Se o rei era o trovão antes da tempestade, ela era o orvalho da manhã. Tinha olhos suaves, porém atentos, cabelos longos e escuros como uma noite sem lua, presos com elegância em um coque trançado. O vestido negro com detalhes florais dourados valorizava sua silhueta sem excessos. Em sua presença, havia graça e pureza — como se fosse a própria alma do reino. Se o rei era a espada, ela era a bainha — o lar onde o aço descansava após os dias de guerra.
Poucos passos adiante, de cabeça levemente inclinada em respeito, estava a secretária.
Seus traços eram afiados como os de uma guerreira, embora sua função fosse outra. Vestia um traje formal, de linho branco e preto com bordados elegantes, ajustado à sua postura impecável. Óculos de aros finos adornavam seu rosto sério, e os cabelos estavam presos com uma precisão quase militar. Sua presença não era para chamar atenção, mas para assegurar que tudo ali estivesse em ordem. Era o escudo. O último bastião antes de se chegar ao trono.
Três presenças.
Espada. Bainha. Escudo.
O coração de Insurgia.
— Bem-vindos. — A voz do rei preencheu o salão como o estrondo distante de um trovão contido.
Firme, grave, reverberou nos ossos de Kizimu como um tambor de guerra ecoando nas montanhas. Ele estremeceu. Não por fraqueza. Mas porque sentiu, em seu âmago, que aquele homem era algo muito além do que se podia explicar com títulos ou vestes. O medo veio como uma onda ancestral — um medo que o próprio corpo reconheceu antes mesmo da mente compreender.
E, paradoxalmente, aquilo fortaleceu o rei. Pois quanto maior o temor, mais inquebrável parecia sua figura.
— Já estou ciente do motivo de sua vinda. — continuou, com a mesma serenidade — A criança me contou.
O silêncio caiu, como neve sobre um campo. Todos ouviram. Mas ninguém ousou falar.
— Pois então… — ele prosseguiu, levantando-se lentamente. Não como quem precisa se impor, mas como quem escolhe o momento certo para iluminar a sala.
Os olhos do grupo se arregalaram.
Eles não estavam diante de um rei comum. Estavam diante do Rei de Insurgia. Um homem que fazia o tempo se curvar à sua vontade.
E naquele instante… todos souberam: o que acontecesse a seguir, marcaria suas vidas para sempre.
Ninguém sabia o que dizer. Kim sentia uma pressão esmagadora — por algum motivo, aquele pai que lembrava parecia agora ainda mais grandioso. Pandora tentou manter firme o coração que forjou após firmar seu objetivo, mas ele oscilou. Kizimu sentia medo — o mesmo medo que, ironicamente, parecia apenas fortalecer o rei. E Aisha…
— Tiiiooo!
Ela correu como uma criança impaciente. Sem cerimônias, subiu ao púlpito e, com passos ágeis, venceu as escadas. A expressão do rei suavizou, e uma risada escapou de seus lábios — como se visse algo que não via há muito tempo.
— Pequena criança… há quanto tempo.
— Eu voltei! Ah, e dessa vez, veja só: meu querido irmãozão veio também. Não é maravilhoso? Ah, e o seu filho veio com a gente!
O rei lançou um olhar atento às figuras mencionadas, até que seus olhos repousaram suavemente sobre Pandora.
— Aquela jovem é nova. Quem é?
— Uma das residentes da grande casa Kuokoa. Pandora Akiva.
— Entendo. — As palavras do rei carregavam um peso sutil — sabedoria e cautela, mas também leveza e tranquilidade.
Então, o rei se levantou. Involuntariamente, Kizimu deu um passo para trás — não por medo consciente, mas por algo mais profundo. Era o que apenas ele via, o que apenas ele sentia.
— Tia Liz! Há quanto tempo! — Aisha abraçou com entusiasmo a mulher ao lado do trono. Ela respondeu com alegria, mas de forma mais comedida. A distância impediu que Kizimu ouvisse suas palavras, mas o sorriso de Aisha revelava que era algo bom — algo muito bom.
O rei, então, se aproximou do trio. Seu andar era firme, porém calmo. Quando parou diante deles, ninguém ousou mover um músculo. Era como se um passo em falso pudesse desatar os céus.
— Não precisam temer… principalmente você, filho.
Aquelas palavras atravessaram o peito de Kim como uma flecha.
O rei se aproximou e o abraçou.
— Mesmo que tenhas partido… não houve um único dia em que eu não pensei em você.
— Pai…
Kim não conseguiu conter a lágrima que escorreu. Devolveu o abraço contido — um gesto que por anos foi apenas lembrança. Uma memória perdida no tempo enfim se refez. Um reencontro amargo, mas necessário, finalmente começava.
✡︎—————✡︎—————✡︎
— Pai, F. Duf disse que algo está para assolar este reino.
— Ouvir isso daquele sujeito é preocupante… porém, infelizmente, não há nada a temer no momento.
— Senhor Umbral… — arriscou Pandora — talvez seja algo que nem imagine. Não acho que seja loucura de F. Duf. Não sei por quê, mas ele me parecia… confiável.
O rei riu levemente.
— Não duvido nem um pouco de Jason. Se ele disse algo, deve ser ouvido. Outrora, foi essencial em uma grande batalha. Sem ele, a derrota seria inevitável.
— Vocês venceram essa batalha? — Kizimu perguntou, intrigado.
— Aquela batalha chegou ao fim… pior do que a derrota, no entanto, saímos vitoriosos. Irônico, não? Se algo foi conquistado naquele dia, foram nossas vidas. Ou melhor… milhares de vidas salvas.
Mesmo sem compreender totalmente o peso daquelas palavras, Kizimu sentia que havia uma história imensa por trás. Algo ligado ao passado de seu pai, Jason e Maxuel.
Qual teria sido a grande batalha enfrentada por aquele grupo lendário?
Logo em seguida, a mulher de expressão suave e cabelos escuros apareceu ao lado de sua espada.
— Kim… como você cresceu, meu filho.
— Mãe…
Kim a abraçou com força, como um menino reencontrando o lar. A rainha sorriu, encantada com a informalidade do filho.
— Quer dizer que ainda é meu garotinho. Está tão maduro… é tão impressionante. Estou muito feliz por ver você, meu querido.
Sua presença trazia uma leveza quase etérea. O ambiente, que antes pulsava com a aura imponente do rei, se tingia agora de calma e calor. Era como se a própria alma de Insurgia envolvesse a todos. Kizimu, tomado por admiração e confusão, não deixava de sentir o receio que o rei Maxuel lhe despertava — um temor ancestral, constante.
A secretária de óculos de aro fino permaneceu imóvel, como uma sentinela de gelo.
A mulher pulcra olhou atentamente para seu filho, seus olhos calmos o observavam como se enchesse seu coração com uma bela pintura.
— Vejo que tem um corte na orelha.
— Foi o resultado de uma batalha, sou o cavaleiro de Kizimu agora.
— Que bom meu filho, mesmo depois de tudo, ainda segue com seu sonho.
Após se despedir do abraço do filho, a rainha voltou seu olhar para o grupo.
— Vocês fizeram uma longa viagem. Por favor, fiquem por alguns dias. Até que descubram qual ameaça paira sobre o reino, aproveitem a estadia no Castelo Estrela Branca.
— Irmãozão, sim, aceita, vai! — Aisha pulou animada em seu braço.
— Bem… eu adoraria, acho. Não vejo por que não. Tudo bem pra vocês?
— Onde meu Kizimu for, eu vou. — disse Pandora, ajeitando uma mecha atrás da orelha.
— Se é o que o senhor deseja, aceito felizmente.
Kim estava radiante. Seu sorriso era genuíno. Toda ansiedade havia desaparecido. Era como se as dúvidas que o consumiam tivessem se dissolvido por completo. Ver aquilo encheu Kizimu de determinação.
— Podemos ficar sim. Vamos passar uns dias aqui em Insurgia.
— Que bom. Eu fico muito feliz…
A rainha parecia emanar luz. Sua presença preenchia o espaço com cores vivas, suavizando até mesmo os cantos mais rígidos da sala.
Então, um eco ressoou.
O som repentino da batida na porta fez o grupo se sobressaltar.
— Querido… você está esperando alguém?
— Não que eu me lembre. Mesmo assim… pode ser importante. Entrem!
As grandes portas se abriram.
Três figuras entraram.
Viviane, a empregada — uma mulher de expressão contida, passos suaves, mas postura rígida. Logo atrás de Viviane, surgiram dois homens.
O primeiro deles caminhava com uma elegância misteriosa, como se cada passo fosse medido, fluido, quase dançante. Tinha a pele morena clara, marcada por tatuagens detalhadas que se espalhavam pelos ombros e braços como fragmentos de antigas escrituras. Seu corpo era definido, esculpido como o de um guerreiro, mas seus olhos… eram o que realmente chamavam atenção. De um azul brilhante, vibravam como um oceano em fúria contido por disciplina. Usava colares e adornos finos no pescoço, todos de um azul intenso e cintilante, como se guardassem algo vivo dentro. Embora não fizesse uso de poderes naquele momento, seu simples caminhar parecia deixar um rastro invisível de umidade no ar — uma sensação de profundidade, como se o mundo ao redor se tornasse mais silencioso à sua aproximação. Ao seu lado, trotava um pequeno cachorro da raça dachshund, de pelos escuros e focinho curioso, quase destoando do porte de seu dono, mas andando com igual seriedade.
Ao seu lado, vinha o segundo homem — e sua presença era o oposto e, ao mesmo tempo, complementar. Enquanto o primeiro carregava a serenidade das águas profundas, este parecia pulsar com uma energia contida. A pele bronzeada realçava os músculos perfeitamente esculpidos, e os cabelos brancos estavam presos em um coque alto, com mechas rebeldes caindo de leve sobre o rosto. Seus olhos, de um vermelho vibrante, pareciam conter faíscas, e seu sorriso era confiante, como o de alguém que já viu e venceu inúmeras batalhas. Vestia um quimono tradicional, aberto no peito, com padrões de raios que se destacavam sobre o tecido branco, como se fossem marcas de trovões impressos em seu corpo. Mesmo parado, havia algo de eletrizante ao seu redor — uma sensação quase física de que o ar poderia rachar a qualquer instante, como antes de uma tempestade. Era o tipo de figura que, mesmo em silêncio, impunha respeito absoluto.
Ambos trajavam vestes escuras, com detalhes sutis em azul e vermelho que denunciavam sua afiliação a algo maior — algo que ia além de Insurgia.
E quando cruzaram o salão, cada passo ecoou mais do que o anterior.
Kizimu sentiu imediatamente. Aqueles dois… eram diferentes. Não conseguia entender como, mas havia algo neles que se igualava à presença de Masha. Era quase sobrenatural. Um poder silencioso, mas arrebatador.
— Maxuel, temos uma mensagem da AHG.
— Entendo… Hugo, talvez?
— Exatamente.
— Curioso… é a primeira vez que os conheço. — O rei olhou para o grupo Kuokoa — Kizimu, Pandora, Aisha, Kim — agradeço a visita. Porém, surgiram assuntos urgentes. Peço que se acomodem nos quartos de hóspedes. Hermione será sua guia.
Kizimu percebeu. Havia algo na voz do rei — não apenas autoridade… havia pressa.
Aisha o puxou pelo braço, forçando-o a sair com o grupo. Kim e Pandora seguiram, e logo estavam fora da sala.
As portas se fecharam atrás deles. Kizimu ainda sentia algo estranho. Um padrão.
As conversas desde sua chegada… todas terminavam de repente. Sem um ponto final. Começavam e terminavam tão rápido quanto se iniciavam.
✡︎—————✡︎—————✡︎
Do lado de fora, aguardava Hermione Freya, uma empregada do grande castelo de Estrela Branca.
— Conseguiram resolver o assunto que vieram tratar?
— Olha, não diria que resolvemos, porém, agora vamos passar alguns dias. Maxuel pediu para que guiasse a gente para os quartos de hóspedes.
— Tudo bem.
Hermione se virou, eloquente em sua postura. Tentava transparecer tranquilidade, mas era inútil. Talvez para os outros não fosse visível, mas Kizimu via através de sua casca e notava sua ansiedade. Ela exalava nervosismo, um medo tímido, uma insegurança engasgada. Kizimu, sem perceber, queria salvá-la.
Foi então que as portas se abriram como cortinas num teatro, e ela entrou.
Ela não caminhava — deslizava, flutuava, dançava como um redemoinho de cor e loucura. Era como se cada passo seu desafiasse a gravidade e as normas sociais ao mesmo tempo.
Seus cabelos em tons de champanhe rosado eram volumosos, ondulados e presos em dois rabos de cavalo altos que se mexiam como serpentes douradas animadas por uma vontade própria. Emolduravam seu rosto de boneca macabra, onde doçura e demência brincavam de esconde-esconde.
Seus olhos, vívidos e ligeiramente inclinados, eram fendas de cristal rachado tingidas de azul prateado, cada um refletindo mil pensamentos desconexos. Era como se gargalhassem de piadas que só ela compreendia. O sorriso era um corte escancarado de teatralidade — largo, atrevido, quase uma ameaça. Ela não sorria para ser simpática; sorria porque o caos a divertia.
Sua roupa era um espetáculo: um corpete negro com renda vermelha e pequenos corações costurados à mão, por cima de um casaco cerimonial distorcido. Laços carmesins davam toques infantis e perversos à sua silhueta. No pescoço, uma gargantilha de veludo escuro pulsava como se selasse um pacto com alguma entidade enlouquecida. Um urso preto e branco sorrindo de forma perturbadora repousava em sua cabeça como um totem de sua insanidade fofa.
Travessa, mas perigosa.
Eloquente, mas insana.
Charmosa, mas mortal.
Ela era o caos vestido de festa.
Ela se lançou até Kizimu como uma peça em meio ao segundo ato.
— Oh, baby boy~… — disse, puxando o queixo dele com dedos delicados e longos. — Quer ser meu toy?
Kizimu franziu o cenho, confuso.
— Brinquedo? Não. — respondeu, entendendo intuitivamente o inglês.
Aisha e Pandora reagiram. Pandora se pôs à frente de Kizimu como uma sentinela felina. Aisha tentou uma abordagem mais diplomática.
— Bianca… como está? — seu sorriso era forçado, educado demais.
— Chaminha, oie~ — respondeu Bianca com um brilho no olhar.
— Estamos indo para os quartos. Podemos conversar depois, que tal? — Aisha tentou desconversar.
— Nananinanão. Eu quero conhecer eles agora. Pandora Akiva, Kizimu Kuokoa, e não vamos esquecer do meu querido amigo, Kim Umbral…
Ela citou os nomes com precisão cirúrgica, como se cada sílaba fosse uma nota numa partitura macabra. Kizimu notou três coisas: havia um garoto atrás dela; Bianca não sentia medo de Kim; e isso era algo raro. E esse fato o fazia pensar que o rei também não sentiu medo.
— Esses são os residentes da casa Kuokoa?
A voz monocromática que ressoou era do garoto que entrou logo em seguida. Sua presença era tão fria quanto um eclipse.
Seus cabelos castanhos escuros caíam em mechas retas até o queixo. Vestia um traje escuro de corte gótico com detalhes geométricos e uma joia central dourada no peito. Seus olhos transmitiam neutralidade impiedosa. Carregava um livro de capa verde brilhante, envolto em runas arcanas, e caminhava como alguém que conhecia todos os fins.
— Vicenzo… — murmurou Aisha.
— Vai querer se divertir com eles? Sabe que precisa falar com o rei, certo?
— Meu querido Vicenzo — cantarolou Bianca — se eles saíram de lá tão rápido, algo aconteceu. Temos tempo~
Ela girou teatralmente e focou em Kim:
— Kim-chan~, há quanto tempo!
— Tem razão, faz tempo, Bianca.
Kim parecia confortável. Aisha, desconfortável. Pandora, alerta. Kizimu, perdido.
— Quieres ser mi perro? — perguntou Bianca a Kizimu com um sorriso enlouquecido.
— No quiero.
Aisha encarou Kizimu, perplexa, como se buscasse entender algo incompreensível.
— Bianca, por que está falando inglês e espanhol? — questionou Kim, curioso.
— Estou estudando três línguas! É divertido misturar emoções com idiomas diferentes!
Ela então começou a rodear Aisha como um predador apaixonado por sua presa.
— Você me analisa com medo… isso é tão maravilhoso!
— Droga. Começou. — sussurrou Aisha.
Kim riu.
Bianca então explodiu numa performance ainda mais insana, tomando o centro do salão como se estivesse num palco:
— Ah! OH! O medooooo! O desespero! É tão bom, tão belo. Vocês sentem o medo… Aaaah, como eu queria sentir o medo! Esse sentimento tão puro, tão sublime, tão maravilhoso! Eu não consigo sentir isso! O temor, o pavor, o desespero! Que inveja… — suas palavras eram uma dança, sua voz uma melodia caótica.
De forma extremamente teatral, como se voasse pelos corredores, Bianca dançou com a loucura estampada no rosto. Kim e Aisha pareciam já conhecer esse lado dela. Porém, Kizimu e Pandora estavam confusos, tentando entender se aquilo era real ou apenas uma performance insana.
— Você quer sentir o medo? — perguntou Kizimu.
— Sim! Eu quero! Eu nunca senti medo na minha vida! Já fiz de tudo. Me joguei de abismos, enfrentei feras, desafiei deuses, mas nunca senti isso! Não é injusto, não é? — virou-se repentinamente para todos — Não acha, Kim-chan? Chaminha? Olhos de boneca? Garoto Kuokoa? Injusto, injusto, injusto!
Por mais que ela bradasse sobre a injustiça, seus olhos brilhavam de alegria — havia esperança em sua voz, energia em cada gesto. Suas falas rítmicas davam um ar suave à conversa, como uma canção encantadora saída de um pesadelo bonito. No entanto, nada mudava: sua loucura era tamanha, e ainda assim ela não parecia louca. Era a dicotomia perfeita.
— Kizimu, você já sentiu o medo? O sentimento que é maior que a esperança e o desespero. Já sentiu o desespero, perro? E a esperança? Ah… sentimentos são coisas tão incríveis… Eu amo! Amo! Amoooo!
— Incrível… mas precisamos ir descansar. Oito horas de viagem, lembra? — interrompeu Aisha, puxando Kizimu pelo braço.
— Não! Fiquem comigo! Quero conhecer cada memória de vocês! Cada segredo! Cada medo!
Sua voz ecoava como um coral de risos infantis em um manicômio. Mesmo quando desapareceram no corredor, ela continuou falando sozinha, dançando no meio do salão, seus olhos brilhando com o reflexo de mil pesadelos.
Quando o grupo saiu, restaram apenas Kim, Kizimu, Aisha, Pandora e Hermione — esta última paralisada, insegura demais para dizer qualquer coisa.
✡︎—————✡︎—————✡︎
Kizimu ainda estava superando a loucura de Bianca, e seguiam até os quartos. Hermione os conduziu por corredores decorados com tapeçarias em azul e branco, até parar diante de duas portas lado a lado. Pandora e Aisha entraram em uma delas. Na outra, Kim e Kizimu se acomodariam.
O quarto era simples, mas muito bem cuidado. Cortinas claras deixavam a luz entrar suavemente pelas janelas altas. Havia uma estante com alguns livros bem organizados, um espelho oval emoldurado em madeira clara e duas camas com colchas azuis dobradas com precisão. No centro, um vaso com flores frescas sobre uma pequena cômoda perfumava o ar. O ambiente exalava acolhimento, sem luxo, mas com um refinamento silencioso que só o zelo constante é capaz de criar.
Kizimu e Kim guardaram suas coisas, enquanto Hermione aguardava silenciosamente junto à porta. Kizimu então se virou, lembrando-se do motivo de estarem ali.
— Kim, que tal pedirmos pra fazer sua espada? Até irmos embora, talvez já esteja pronta.
Kim pensou por um momento e logo concordou com a cabeça.
— Você tem razão. Hermione, pode levar a gente até Seraphina?
— Oh, sim, claro.
Hermione se curvou levemente e saiu, sendo seguida pelos dois rapazes.
Enquanto caminhavam pelos corredores em direção aos jardins internos, Kizimu puxou conversa:
— Kim, quem é aquela Bianca? Ela é bem… excêntrica, né?
Kim soltou uma risadinha leve.
— Sim. Com certeza. Ela sempre foi assim, mas é uma ótima pessoa. Talvez seja justamente a ausência de medo que a torna tão incrível.
— Como assim?
— Depois do que aconteceu comigo, todos passaram a ter medo. Todos que vimos aqui hoje, eu já conhecia. Eles só… pararam de falar comigo. O medo deles era maior do que qualquer laço.
Kizimu assentiu. Isso explicava muito sobre as reações que presenciara.
— No entanto, Bianca foi uma das duas únicas que não me temeu. Ela continuou vindo me ver. Na verdade… acho que suas conversas e brincadeiras me salvaram.
— Sério?
— Sim. Acho que só não quebrei por causa delas.
— Delas?
— Sim. Além de Bianca, a outra que sempre esteve comigo era…
— Zuldo…?
Como se pétalas invisíveis tivessem sussurrado sua chegada, o ar mudou. O tempo pareceu desacelerar ao cruzarem o portal para os jardins. A luz do sol filtrava-se pelas folhas e a brisa era morna e gentil, como um afago.
A voz que os chamou era delicada como o desabrochar de uma flor. Não vibrava como um sino, mas se espalhava como perfume — suave, gentil, impossível de ignorar. Tinha a doçura de uma primavera silenciosa.
E então, ela apareceu.
— …Dália.
Cabelos longos, prateados como a luz da manhã, voavam ao vento com elegância serena. Seus olhos verdes reluziam como folhas úmidas sob o orvalho. A saia xadrez em tons de verde e amarelo parecia dançar com os campos, fundindo-se à natureza ao redor. Sua blusa branca, rendada, com um laço escuro no colarinho, lhe dava um ar de nobreza singela. Nas botas de couro havia firmeza, mas seu sorriso… seu sorriso era puro acolhimento.
Ela era uma visão entre os jardins — não uma flor entre as flores, mas a flor que dava vida a todas as outras.
Kim resfolegou. Parou por um momento, como se algo o tivesse apertado por dentro. Ele respondeu a Kizimu com um nome e, ao mesmo tempo, ofereceu reverência a quem estava diante dele.
— É você mesmo? — Seus olhos se encheram de um brilho único, como se sua presença espalhasse energia por todo o jardim.
Ela começou a pisar no chão de forma contida, mas cheia de energia, saltitando como uma criança animada ao receber um presente.
— Quanto… tempo…?
Dália pulou em Kim e se agarrou nele como uma macaquinha. Seus braços se enroscaram ao redor do pescoço dele com a naturalidade de quem já se sentia em casa. Ela o encarou de pertinho, tão próxima que pôde sentir sua respiração. Seus olhares se cruzaram. E foi ali, no meio daquela proximidade inesperada, que ela percebeu o que tinha feito.
Num salto rápido, ela se afastou, vermelha como um tomate.
— D-desculpa! — disse, tentando se recompor.
— Ah, n-não, é, não se preocupe. — Kim parecia completamente abobalhado, com os olhos vagando como se estivesse entre o céu e o chão.
Kizimu, que assistia tudo, ficou intrigado. Nunca tinha visto Kim daquele jeito.
— Zuldo? — murmurou ele, confuso.
— Ah, você é amigo do Kim? Olha, “Zuldo” é um apelido! Azul e dourado. Juntei os dois e criei esse nome incrível. Quer um também?
Kizimu sentiu-se oprimido. O seu medo de mulher apitou como nunca. A garota era uma beldade estonteante. Se fossemos comparar com televisões, todos no castelo seriam 4K, mas diferente de tudo que existia, ela seria 8K. A energia dela o sufocava — era impossível ignorá-la. E, para piorar, ela ignorou por completo o espaço pessoal dele e avançou sem cerimônia.
— Deixa eu ver…
Ela passou a mão sobre a testa de Kizimu, inclinando a cabeça, examinando-o como um joalheiro analisa uma pedra rara. Andou ao redor dele, o encarou de todos os ângulos, com um ar pensativo.
— Hum… uhmmm… humf… Já sei! Cobalt!
— Cobalt?
— Sim, como a pedra! Seus olhos me lembraram isso. Acho que combina. O que acha, Kim?
— Sim, com certeza. — respondeu ele, rindo de maneira leve e sincera.
Ver Kim tão feliz aqueceu o coração de Kizimu. Aquilo era raro… e precioso.
Obrigado, pensou ele, olhando para Dália com gratidão.
Ela seguiu junto com os garotos pelo jardim.
— Ah, então vocês vão à Iron? Entendi…
— Acho que não preciso de explicação para isso. — Kizimu respondeu, desconfiado.
— Hihi.
Logo chegaram a uma cabana grande, de madeira gasta pelo tempo. A oficina de Seraphina. O som de martelos não ecoava, e a forja estava silenciosa.
— Dália, é aqui que ela fica, certo? — perguntou Kizimu.
— Sim. Iron mora aqui.
Dentro da oficina, o espaço era abarrotado de armaduras penduradas, espadas incompletas, engrenagens, moldes de armas, livros e objetos que pareciam misturar magia com tecnologia. Um caos encantador.
Kizimu se distraiu observando uma pilha de metais reluzentes, quando algo o encarou de volta: uma esfera amarela… viva. Era um olho! Um globo ocular flutuante e vibrante que o fitava sem piscar.
— EITA!
— Hahahahahaha! Quem é você?
A voz veio junto de uma explosão de energia. Pulando por entre os balcões, surgiu uma garota de tapa-olho.
Ela era uma tempestade disfarçada de pessoa.
Seus cabelos negros e desgrenhados cobriam boa parte do rosto, mas o único olho visível — dourado, brilhante, insano — reluzia como ouro líquido, furioso e curioso ao mesmo tempo. Seu sorriso era largo, descompassado e perigoso. Vestia roupas de couro cheias de bolsos, cintos com ferramentas, frascos e bugigangas. A camisa escura e os braços sujos de fuligem denunciavam que ela era mais do que uma simples ferreira — era uma artista do caos, uma engenheira do impossível.
Sua presença invadia o ambiente como uma explosão de pólvora e tinta.
Ela é… Seraphina Metalica.
A ferreira maluca Iron.
— Quem são meus novos clientes, hein?
Seraphina lançou um olhar rápido pelo grupo, analisando cada um com seus olhos elétricos. Quando seus olhos bateram em Kim, deu um pulo para trás como um gato assustado.
— Uepa! O garoto da morte?! O que ele tá fazendo na minha oficina?
— Como vai, Seraphina? — perguntou Kim, com naturalidade.
— Kim, não me assusta assim, caramba! Eu tô até tremendo… isso é sua maldição? Ô louco.
Kizimu se espantou com a fala dela. Ela sabia sobre a maldição?
— Kim… ela sabe o que é…?
— Tanto ela quanto Dália, Bianca ou Vicenzo. Todos eles sabem o que são maldições — respondeu Kim, sem cerimônia.
Kizimu ficou perplexo com a quantidade de nomes envolvidos. Enquanto iam até a oficina, haviam cruzado com Viviana, que chamara Hermione para um serviço urgente, deixando Dália responsável por acompanhar os dois.
Kizimu se aproximou de Seraphina e tocou seu ombro. Num instante, o medo que ela sentia desapareceu como pólvora ao vento.
— Uau… como…? Que daora. Eu não sinto mais medo. Você é fodão, né?
— Eu… não sei como responder isso.
Seraphina era tão energética quanto Dália — talvez até mais. Pulava de um lado para o outro como se estivesse dentro de um mundo próprio, caótico e brilhante. As duas juntas pareciam uma receita para confusão.
— Iron, o Zuldo quer uma espada nova. Você pode fazer?
— Tudo por um bom preço. Mas e aí, garoto da morte, o que você quer?
— Não me chama assim… — respondeu Kim, impaciente. — Eu quero uma espada.
— Que tipo? Formato? Tamanho? Material? — perguntou ela, girando no ar e parando diante dele. — Olha em volta. Temos ferro comum, aço encantado, bronze antigo… pode escolher.
Kim percorreu a oficina com o olhar aguçado. Suas íris douradas examinaram cada detalhe: lâminas, ligas raras, restos de armamentos quebrados. A forja rugia ao fundo, e Seraphina, como um foguete, reavivava as chamas com uma dança entre martelos e engrenagens. Kizimu e Dália estava procurando algo também.
— Lembro que, quando eu era mais nova, fiz uma espada pra você — comentou ela, ligando uma válvula de pressão. — Mesmo pirralho, você já tinha recebido uma arma minha.
— Eu usei ela contra um morto-vivo. Ele usava cartas… amaldiçoadas? Ou abençoadas… sei lá.
— Oloko! Sério? Isso me lembra o meu começo. Quer dizer que tu enfrentou um maluco das cartas… e perdeu minha espada?!
Enquanto ela falava, Kim continuava sua busca. Foi então que seus olhos pousaram sobre algo peculiar: uma espada quebrada, semi-enferrujada, jogada num canto como lixo. Ainda assim, havia algo nela… um brilho persistente, como se a lâmina recusasse morrer.
— Posso usar essa aqui?
— Hmmm… posso restaurar. Mas olha, isso aí é sucata descartada. Quer que eu reforce ela?
— Com certeza. Quero algo de qualidade.
Seraphina sorriu de um jeito travesso, estalando os dedos com entusiasmo.
— Neste caso… dois mil reais.
.…….
.…..
…
.
— QUE?! — exclamou Kim, com os olhos arregalados.
A conversa ainda seria ciclo de muita negociação.
—————————————
Hora do chá
—————————————
Yahalloi
CaiqueDLF aqui!
Oie, como estão. Eu sou pessimo né? Kkk, eu novamente entrei em Hiato, porque eu não estava conseguindo revisar, mesmo assim, esse tempo de Hiato me deu um grande tempo, e agora eu afirmo.
Eu tenho preparado até o capítulo 100!
Então, estejam preparados, por que coisas intensas estão prestes a acontecer.
Próximo capítulo; Capítulo 4: Bom Dia, Insurgia! (65 – 68)
Sejam bem vindos a Insurgia, e aproveitem bastante, porque já, já teremos capítulos super intensos.
Bye bye.
Ass: CaiqueDLF
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.