Capítulo 132 — Um novo recomeço
Na mansão imponente, Eriel estava, debruçada sobre o bar enquanto preparava uma bebida. Seus movimentos eram lentos e quase mecânicos, como se o peso de um fardo invisível a arrastasse. O líquido âmbar encheu o copo de cristal, e um suspiro pesado escapou de seus lábios ao levantar a taça à boca. O amargor da bebida parecia combinar com o sabor amargo de seus pensamentos. Eriel estava cansada — não apenas fisicamente, mas de uma forma que a exaustão parecia enraizada em sua alma. Ela tentava, em vão, encontrar um motivo para continuar se agarrando à vida confortável que, de alguma forma, parecia cada vez mais vazia.
Enquanto o álcool queimava em sua garganta, uma lembrança nítida atravessou sua mente, como uma faca afiada perfurando sua calma frágil. Era o momento antes da morte de Belial, uma fração de segundo antes de ele se lançar para salvar Azrael. Suas palavras ecoavam em sua mente, congelando-a no tempo: “Não é sua culpa.” Aquela frase, simples e desarmante, tinha o poder de abalá-la completamente. Belial sabia que o destino de Azrael estava selado naquele instante, e mesmo assim ele escolheu se sacrificar para que seu filho pudesse viver.
O peso daquele sacrifício recaía sobre Eriel agora. Era um fardo que ela carregava silenciosamente, uma dívida que parecia impossível de saldar. Azrael foi salvo graças ao sacrifício de Belial, mas para quê? Ele não estava mais ao seu lado. A ausência dele era como um buraco negro que sugava tudo ao seu redor — seu sorriso, suas piadas, seu olhar encorajador, sua voz. Tudo que um dia trouxe calor e vida à sua existência havia se apagado, e Eriel se perguntava se, no fim, o sacrifício de Belial tinha realmente valido a pena.
Outro suspiro escapou de seus lábios, mais pesado, como se cada pensamento doloroso drenasse suas forças. Ela fechou os olhos por um momento, se perguntando se seria capaz de continuar vivendo nessa realidade sem a presença de Azrael. Mas, como uma resposta silenciosa às suas dúvidas, Eriel sentiu uma pequena presença se aproximando.
“Mamãe?” — uma voz infantil e sonolenta chamou sua atenção, quebrando seus pensamentos amargos e trazendo-a de volta à realidade.
Ela virou-se na direção da voz e viu Hope, uma pequena criança de cabelos brancos como a neve, seus olhos vermelhos ardendo como brasas em contraste com a doçura de seu rosto. Hope esfregava os olhos, ainda sonolenta, e se aproximava com passos cambaleantes. Eriel, por um momento, esqueceu-se de sua tristeza e sorriu gentilmente ao ver sua filha.
“Hope, minha querida,” disse Eriel com suavidade, levantando-se para acolher a criança nos braços. Ela acariciou o rosto delicado da menina, que a observava com um sorriso cansado.
“Você deveria estar na cama,” Eriel disse, beijando a testa de Hope. “Onde está sua tia?”
“A tia Alice está no jardim,” respondeu Hope, a voz um pouco arrastada pelo cansaço. “Acho que ela estava um pouco triste.”
O coração de Eriel apertou ao lembrar-se do que o dia significava. Ela mordeu os lábios em desgosto, lutando contra a dor que sempre surgia nessa data. Alice também estava sentindo o impacto da perda, algo que todos na família pareciam carregar em diferentes formas.
“Tudo bem,” Eriel disse com um leve suspiro, afastando o pensamento momentaneamente. “Venha, vou te levar para a cama.”
Ela desceu as escadas com passos leves, guiando-a de volta para o quarto. Quando chegaram, Eriel a colocou gentilmente na cama e a cobriu com cuidado, alisando os lençóis ao redor de seu pequeno corpo.
“Mamãe, conta uma história,” Hope pediu, sua voz doce e sonolenta.
O pedido fez Eriel hesitar por um momento. Já estava tarde e Hope deveria estar dormindo, mas como poderia negar algo àquela garotinha? Especialmente hoje.
“Qual história você quer ouvir?” Eriel perguntou, já sabendo a resposta.
Hope apontou para um livro no criado-mudo, um volume de capa escura com detalhes dourados.
Eriel pegou o livro com cuidado e o abriu, suas mãos acariciando a primeira página com familiaridade. Ela não pôde evitar uma pausa enquanto seus olhos fixavam-se em uma mensagem deixada ali, escrita muito tempo atrás: “Minha querida filha, me desculpe por não estar ao seu lado… Sei que os desafios serão grandes, mas confio que você será forte o suficiente para superá-los.”
Era uma mensagem deixada por Azrael no livro que Eriel estava escrevendo para Hope, como uma espécie de legado. Um pedaço de seu coração que ele queria deixar para trás, mesmo quando não estivesse mais ali.
“Devemos começar de onde parei?” Eriel perguntou, tentando conter a emoção em sua voz.
Hope balançou a cabeça lentamente. “Não, mamãe. O começo… quero ouvir de novo.”
Eriel sorriu, ainda que com o coração apertado. Com um leve aceno de cabeça, ela abriu o livro na primeira página e começou a ler:
“O gigantesco labirinto, um enigma mutante que parecia desafiar o tempo e a lógica…”
Enquanto sua voz ecoava pelo quarto, Hope fechava os olhos, entregando-se ao sono enquanto sua mãe lia. Eriel continuou lendo até que o som suave da respiração de Hope a fez perceber que ela havia adormecido. Com delicadeza, Eriel fechou o livro e depositou um beijo suave na testa de sua filha antes de se levantar e sair silenciosamente do quarto.
Com o toque do despertador, Hope despertou, pronta para mais um dia de treinamento. O céu ainda estava escuro, o sol tímido não havia aparecido no horizonte. Ela vestiu sua roupa de treino e saiu em direção ao jardim. O ar da manhã estava fresco e ela começou sua rotina com exercícios físicos, seguido de uma corrida em volta da propriedade. A cada passo, ela sentia seu corpo aquecendo, seus músculos respondendo ao rigor de seu treino.
Com uma espada de madeira em mãos, ela passou a treinar suas técnicas de esgrima. O som de sua lâmina de treino cortando o ar era constante e metódico, como uma dança em que a disciplina e a força se uniam. Quando o sol finalmente despontou, Hope terminou sua prática e foi se refrescar, preparando-se para o dia à frente.
Após um café da manhã leve, Hope pediu a um dos mordomos que preparasse o carro. Pouco tempo depois, ela foi levada até a sede da Facção Humana, onde o treinamento de sua equipe ocorreria naquele dia. O caminho foi silencioso, e, mesmo com a paisagem passando pela janela, sua mente estava focada em seus objetivos. Cada dia era uma nova oportunidade de se superar, de se aproximar do destino que tanto ansiava alcançar.
Quando desceu do carro, seus olhos fixaram-se na fachada imponente do edifício da Facção, a estrutura monolítica projetando uma sombra sobre a calçada. Era um local que exalava responsabilidade e autoridade, o tipo de ambiente onde cada decisão poderia moldar o futuro. Hope respirou fundo antes de entrar, seus passos firmes, mas com um leve toque de hesitação.
O elevador que a levaria ao último andar, onde ficava o escritório de Ethan, subia em silêncio, exceto pelo painel digital que exibia informações sobre as equipes. O desempenho de cada uma, os rankings, as estatísticas mais recentes, tudo exposto como lembretes constantes de sucessos e falhas. Quando seus olhos percorreram o nome das equipes, ela não pôde evitar sentir um aperto no peito ao ver sua equipe na última colocação. O desconforto que crescia dentro dela era evidente, e ela quase murmurou algo para si mesma antes que o ding suave anunciasse que o elevador havia chegado ao destino.
Atravessando o corredor, Hope parou diante de uma porta onde se lia, em letras douradas: Líder da Facção Humana: Ethan. Ela bateu suavemente e, ao ouvir a permissão, entrou.
O ambiente era sóbrio, mas confortável. Atrás de uma mesa de madeira escura, Ethan, um homem de pouco mais de quarenta anos, estava sentado, cercado por pilhas de papéis que pareciam pesar tanto quanto a responsabilidade sobre seus ombros. Assim que ela entrou, ele deixou de lado o trabalho e fixou seus olhos em sua sobrinha. O gesto simples de apontar para o sofá diante de sua mesa foi uma indicação de que ele queria uma conversa mais íntima.
Hope obedeceu e sentou-se, esperando pacientemente enquanto Ethan se levantava e se aproximava, tomando o assento à sua frente. O silêncio pairou por um momento, enquanto ele a observava com aquele olhar misto de preocupação e carinho que só um tio poderia ter.
“Hope, minha querida,” começou ele, com uma voz que, apesar de suave, carregava uma autoridade natural. “O desempenho da sua equipe tem piorado nas últimas semanas. Você poderia me dizer o que está acontecendo?”
A pergunta era direta, mas não agressiva. Hope, já sabendo que essa conversa viria, sentiu seu estômago se revirar. Ela odiava que, apesar de todos os seus esforços, sua equipe estava afundando cada vez mais no ranking.
“Senhor Ethan…,” começou ela, hesitando antes de continuar. “Lamento pelo desempenho recente da minha equipe. Como líder, a responsabilidade é minha, e estou profundamente arrependida por não conseguir discipliná-los ou guiá-los eficientemente.”
Enquanto ela falava, Ethan arqueou uma sobrancelha, achando claramente divertido o formalismo. Seu sorriso suave logo se alargou, revelando uma leve ironia.
“Vamos, Hope,” disse ele, descontraído. “Já mandei todo mundo sair. Pode me chamar de tio, como sempre fez. Não precisa de tanta formalidade quando estamos a sós, certo?”
Hope sabia que esse momento chegaria. Desde que se tornara capitã, ela insistia em manter um tom formal nas reuniões da facção, até mesmo com Ethan. Mas agora, em um espaço mais privado, ele quebrava a barreira que ela mesma havia imposto.
“Você está frustrada?”, ele perguntou, um olhar gentil, mas perspicaz, passando por seu rosto.
Ela mordeu o lábio, a frustração transbordando em cada palavra. “Sim… Eu estou. Não importa o que eu faça, ninguém me escuta.”
A declaração veio carregada de amargura. Hope sabia que suas habilidades individuais eram notáveis. Estava, afinal, entre os vinte melhores membros da facção no nível de cadete. Mas sua equipe não parecia acompanhar o mesmo ritmo, e a distância entre seu próprio progresso e o deles crescia a cada dia.
Ethan inclinou-se um pouco à frente, os cotovelos apoiados nos joelhos, um sinal claro de que ele estava prestando total atenção.
“Você é uma excelente combatente, Hope. Isso ninguém pode negar. Mas liderança não é só sobre ser a mais forte, é sobre inspirar os outros a serem fortes também.” Ele deu uma pausa, observando como suas palavras estavam sendo absorvidas. “Você já pensou que talvez a abordagem precise mudar? Que talvez a solução não seja discipliná-los mais, mas entender o que os está segurando?”
Hope abaixou o olhar, refletindo sobre as palavras de seu tio. Ele tinha razão, é claro. Mas a questão era como mudar essa abordagem, como alcançar uma equipe que parecia tão distante de seus ideais.
“Eu não sei como fazer isso,” admitiu ela, sua voz mais suave agora, quase vulnerável.
“É por isso que estamos aqui,” respondeu Ethan, sua voz acolhedora, porém firme. “Você não precisa resolver tudo sozinha. Às vezes, o verdadeiro desafio não é lutar, mas aprender a ouvir e a guiar.”
Ethan demonstrou um leve sorriso, observando que sua sobrinha era capaz, mas estava sendo sabotada.
“Algumas investigações foram feitas.”, ele começou. “Não fazia sentido sua equipe estar tão abaixo, quando os membros são pessoas habilidosas.”, seu tom se tornou severo. “Foi descoberto que os membros de sua equipe estavam se sabotando de proposito para manter o seu ranking baixo. Me desculpe, não consegui perceber a tempo, mas saiba, todos foram punidos de acordo e você foi colocada em uma nova equipe.”
Hope pareceu confusa por um momento enquanto ouvia a explicação de seu tio.
“Não faz sentido, nunca fiz mal aos recrutas da facção, então por que uma retaliação?”
Seu tio apenas suspirou pesadamente. “Estou investigando, mas talvez inveja? Em um ano, você se tornou um cadete que evoluiu impressionantemente e por mérito próprio conseguiu o título de líder de esquadrão, imagino que pensem que suas conquistas se devem a sua ligação.”
Seu tio era o líder atual da facção humana, sua mãe a principal responsável pela equipe medica e de pesquisas. Sua tia e irmã, membros prestigiados e não parava por aí. Talvez com todos os membros importantes de sua família, alguns recrutas pensassem que Hope estava recebendo tratamento especial.
“De qualquer forma. Designei um novo grupo. Eles são recrutas que acabaram de chegar e você os conhecerá em breve. Posso lhe passar a informação de um dos membros, já que ele já chegou e está atualmente lhe esperando para uma apresentação.
Ethan então foi até sua mesa e pegou um papel, que logo foi entregue a Hope. “Esse é um dos membros do seu novo time.”
Enquanto lia a ficha, Hope não conseguiu evitar uma leve sensação de alívio misturado com incerteza. Ela sabia que uma nova equipe significava um novo começo, mas também trazia consigo o desafio de liderar novamente. O perfil do novo recruta parecia promissor, e suas habilidades incomuns poderiam ser uma grande vantagem. No entanto, Hope sabia que liderar alguém com tanto poder exigiria mais do que apenas força; seria necessário conquistar sua confiança e respeito.
Ethan a observava atentamente, como se tentando captar o que se passava pela mente de sua sobrinha.
“Ele é jovem, mas suas habilidades são impressionantes. Com o tempo, você verá que ele pode ser uma peça-chave para a evolução do seu time,” comentou ele, sua voz tranquila, mas cheia de expectativa.
Hope fechou a ficha e se levantou. “Vou conhecê-lo agora. Obrigada pela confiança, Tio.”
Ethan assentiu, sorrindo levemente. “Mostre a ele o que significa fazer parte de algo maior, Hope. Não é sobre as habilidades que ele tem, mas como você vai ajudá-lo a canalizá-las.”
Hope saiu da sala do tio com a ficha nas mãos, sua mente ainda processando a reviravolta recente. Ela tinha uma nova equipe e uma chance de recomeçar, mas as memórias do que aconteceu com seu antigo time ainda pesavam em seus ombros. Conforme caminhava pelos corredores em direção ao local onde seu novo recruta a aguardava, sua mente vagava entre dúvidas e esperanças. A ficha descrevia um jovem promissor, cheio de potencial e com habilidades impressionantes, mas Hope sabia que liderar alguém assim seria um desafio. Força sem controle não era uma vantagem.
Hope entrou na sala com passos firmes, encontrando o novo recruta encostado casualmente na parede. Seus olhos penetrantes brilharam quando ele ergueu o olhar para ela, mantendo uma postura relaxada, mas ainda assim com uma aura de confiança e alerta. Seus cabelos negros com mechas verdes vibrantes contrastavam com sua pele clara, e seus olhos verdes a observaram com um brilho confiante. Ele parecia calmo, mas havia uma intensidade no ar ao redor dele que Hope não pôde ignorar.
Ela deu alguns passos firmes na direção dele, suas botas ressoando no chão metálico da sala. Parando a uma distância respeitável, ela segurou o olhar do jovem, medindo-o por um instante.
“Você deve ser Aiden,” disse Hope, parando em frente a ele, mantendo uma expressão séria.
Ele descruzou os braços lentamente e ficou de pé, mantendo os olhos fixos nela. “Sim, sou eu. E você é Hope, certo? A nova líder. Cabelos vermelhos e olhos amarelados, não tem como me enganar.”
O tom dele era formal, quase severo, mas a leve curvatura nos lábios sugeria algo a mais, como se estivesse medindo o terreno. Hope acenou, mantendo o profissionalismo. “Isso mesmo. Fui designada para ser sua líder. Estamos em um novo começo, então espero que possamos trabalhar bem juntos.”
Aiden assentiu, mantendo o ar formal por mais alguns instantes. “Certamente, vai ser interessante.” Ele fez uma pausa breve, como se estivesse refletindo, e então sua expressão mudou quase que instantaneamente. Um sorriso brincalhão surgiu em seu rosto. “Sabe, preciso admitir uma coisa… Você é ainda mais bonita do que eu imaginava.”
Hope piscou, surpresa pela mudança repentina de tom. “O quê?”
“Ah, estou falando sério,” disse ele, agora rindo um pouco, sem se importar com o peso da situação. “Acho que já decidi meu objetivo para o futuro. Vou me casar com você algum dia. O que acha?”
Hope não conseguiu evitar o leve rubor que subiu em suas bochechas, mas ela logo recuperou a compostura. “Não seja ridículo,” respondeu ela, tentando manter a seriedade, mas uma pontada de humor escapou em sua voz.
“Ridículo? Claro que não! Você vai ver, vou me esforçar bastante. Além disso, aposto que teríamos filhos incríveis, com suas habilidades e… bem, com meu charme.” Ele piscou para ela, brincando.
Hope riu, sem conseguir se segurar mais. A postura rígida que havia mantido desde o início da conversa começou a relaxar, e ela finalmente deixou escapar um sorriso genuíno. “Você tem certeza de que isso é algo que deveria dizer para sua nova líder?”
Aiden deu de ombros, descontraído. “Eu sempre digo o que penso. Além disso, quem disse que não posso flertar com a minha líder? Isso só me dá mais motivos para impressionar.”
A atmosfera havia mudado completamente. Hope, que inicialmente estava preparada para uma interação tensa e formal, agora se via à vontade na presença de Aiden. “Bem, se você gastar metade da energia que usa para flertar em treinos, quem sabe, pode realmente impressionar.”
Ele deu uma risada calorosa. “Desafio aceito.”
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