Índice de Capítulo

    O crepúsculo espalhava tons dourados e sombras escuras pela clareira onde o grupo havia montado acampamento. As barracas, simples e funcionais, formavam um semicírculo estratégico, proporcionando uma visão clara dos arredores. O silêncio da floresta era inquietante, quebrado apenas pelo farfalhar ocasional das folhas e pelo murmúrio do vento, que parecia sussurrar segredos entre as árvores altas.

    Após organizarem o acampamento, Elior, sempre atento aos detalhes, encontrou uma fonte de água quente nas proximidades. Ele sugeriu que seria um bom momento para relaxar e se preparar para a longa noite que viria. Aiden prontamente concordou, aproveitando qualquer desculpa para descansar, e os dois se afastaram, deixando Mana e Hope sozinhas junto à fogueira.

    Hope os observou desaparecer entre as árvores, as silhuetas gradualmente engolidas pela escuridão crescente. Aiden gesticulava animadamente, provavelmente contando alguma piada, pois ela conseguiu vislumbrar um raro sorriso no rosto sempre sério de Elior. Soltando um suspiro, Hope voltou sua atenção para a fogueira.

    A chama ardia forte, projetando sombras dançantes no rosto de Mana. A luz dourada iluminava seus olhos profundos, que pareciam perdidos em um devaneio distante. Hope notou o peso em sua expressão — algo que a fogueira parecia não ser capaz de aliviar. A jovem sentiu a necessidade de romper aquele silêncio denso.

    “Tia, você já esteve aqui antes, não é?” Hope perguntou, hesitante, mas determinada a entender mais sobre o lugar em que estavam.

    Mana piscou lentamente, como se estivesse retornando ao presente. Seus olhos permaneceram fixos nas chamas por um instante antes de responder, a voz baixa, quase melancólica. “Sim, já estive aqui. Faz muito tempo. Este planeta é antigo… e cheio de perigos.”

    Hope sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. A maneira como Mana falava não era apenas de alerta, mas de alguém que conhecia bem os horrores que poderiam se esconder naquela floresta. Movendo-se um pouco para mais perto do fogo, ela decidiu insistir. “E o que exatamente estamos procurando aqui?”

    Mana respirou fundo, como se estivesse escolhendo cuidadosamente suas palavras. “Uma relíquia. Algo que meu pai, Belial, escondeu aqui há séculos. É vital para o nosso império e para a sobrevivência de nossos aliados. Mas…” Ela fez uma pausa, inclinando levemente a cabeça para o lado, como se escutasse algo distante. “Como todas as coisas de valor deixadas no passado, essa relíquia está bem guardada.”

    Hope engoliu em seco. “Guardada por quem?” Ela hesitou, corrigindo-se rapidamente. “Ou por… o quê?”

    Os lábios de Mana curvaram-se em um sorriso enigmático. “Xatharis não é apenas uma floresta. É um planeta com uma consciência própria. Ele não dá boas-vindas a intrusos. Há forças aqui que transcendem o tempo, seres antigos e entidades que não toleram a presença de estranhos.”

    A jovem se remexeu no lugar, desconfortável. “E… estamos prontos para isso?”

    Finalmente, Mana desviou os olhos das chamas e fixou-os em Hope. Havia uma gravidade em seu olhar, mas também uma centelha de confiança. “Estamos preparados o suficiente para sobreviver, mas essa missão não será vencida com força bruta ou magia poderosa. Precisaremos de inteligência, paciência… e coragem.”

    Hope assentiu devagar, sentindo o peso das palavras de Mana. Ela sabia que essa jornada estava além de tudo que já enfrentara, e a responsabilidade parecia crescer exponencialmente. No entanto, não era apenas o medo que crescia dentro dela, mas também uma determinação silenciosa.

    Após um momento de silêncio, Mana suavizou sua expressão. “Você está se saindo muito bem, Hope. Sei que a pressão pode ser esmagadora, especialmente considerando… quem você é.”

    Hope piscou, surpresa. “O que quer dizer com isso?”

    “Você é a sobrinha de Ethan, uma figura central na facção humana. E, embora isso não devesse definir você, sei que carrega o peso de expectativas que nunca pediu para ter. Viver à sombra de alguém é difícil… mas até as sombras têm suas próprias histórias.”

    A jovem desviou o olhar para uma folha caída próxima, sentindo um nó se formar em sua garganta. “Às vezes, eu sinto que nunca sou o suficiente. Como se… não conseguisse atender ao que esperam de mim.”

    Mana permaneceu em silêncio por um instante, absorvendo as palavras de Hope. Ela conhecia bem esse fardo. Ser a filha de Belial, uma princesa demoníaca, sempre a colocou sob um holofote intenso, sempre exigindo mais dela, mais do que qualquer um poderia suportar.

    “Você tem algo que muitos de nós não temos, Hope,” disse Mana, com um leve sorriso nos lábios. “Uma força que vai além de magia ou habilidades de combate. Você tem determinação e um coração que se preocupa com os outros. E, no final, isso pode ser mais poderoso do que qualquer feitiço.”

    Hope sentiu uma onda de calor reconfortante com aquelas palavras. Elas ecoaram dentro dela, dissipando parte do peso que carregava. Um sorriso tímido iluminou seu rosto, e ela respondeu suavemente: “Obrigada, Tia. Acho que… eu precisava ouvir isso.”

    Mana apenas assentiu, um brilho sereno em seus olhos. Hope, porém, sentiu uma hesitação crescer dentro de si. Havia algo mais que queria dizer, mas as palavras pareciam presas em sua garganta. Quando finalmente conseguiu falar, sua voz saiu hesitante, quase como um sussurro.

    “Tia… como é o meu pai?” A pergunta escapou dos lábios de Hope como um sussurro, carregada de uma vulnerabilidade que raramente permitia transparecer.

    Mana, que até então permanecia imersa em pensamentos, ergueu os olhos para o céu. Ela respirou fundo, como se já previsse aquela pergunta, mas soubesse o peso de sua resposta. Após um breve momento, voltou seu olhar para Hope, os olhos carregando uma mistura de melancolia e empatia.

    “Eu não posso contar muito sobre ele, Hope,” começou Mana, a voz suave, porém firme. “Mas há algo que você deve saber. Azrael te ama com todo o coração. Ele ama você, Sien e Dian mais do que qualquer outra coisa neste mundo.” Ela fez uma pausa, os lábios se curvando em um sorriso triste. “Ele… pode ser péssimo em demonstrar isso, mas é uma pessoa incrível.”

    Hope abaixou o olhar, os olhos ardendo com uma mistura de tristeza e indignação contida. Sua voz, ao responder, estava trêmula, mas cheia de emoção. “Eu falei com ele, sabe? Por uma magia de comunicação…” Ela hesitou, engolindo em seco enquanto as palavras amargas saíam. “Ele disse que eu nunca mais deveria falar com ele de novo. Disse que me mataria. Que mataria toda a minha família se eu tentasse me comunicar novamente.”

    Mana congelou por um instante, o choque visível em seus olhos. O silêncio que se seguiu foi quase insuportável, quebrado apenas pelo crepitar da fogueira. Ela desviou o olhar para as chamas, como se buscando respostas nelas. Então, finalmente, soltou um suspiro pesado e murmurou, mais para si mesma: “Ah… foda-se.”

    Hope ergueu os olhos, surpresa pela reação abrupta de Mana.

    “Seu pai… ele não pode interagir com você. Nem com Eriel, Sien, Naara…” Mana fez uma pausa significativa antes de acrescentar, em um tom mais sombrio, “E principalmente com Noir.”

    Os olhos de Hope se arregalaram em confusão. “O quê? Por quê?”

    “É tudo o que eu sei.” A voz de Mana estava carregada de frustração, mas também de sinceridade. “Eu não conheço todos os detalhes, mas se ele falar com qualquer um de vocês, algo muito ruim pode acontecer… com você. Ele está tentando te proteger, Hope. Mesmo que seja da maneira mais distorcida possível.”

    Hope balançou a cabeça, recusando-se a aceitar a explicação facilmente. “Proteger? Como isso pode ser proteger? Eu ouvi histórias sobre ele, tia. Sobre o Imperador dos Demônios. Ele é poderoso o suficiente para desafiar qualquer um. Quem poderia ser uma ameaça para ele?”

    Mana desviou o olhar novamente, o peso da pergunta claramente sobre seus ombros. O silêncio entre elas se tornou pesado, até que Mana, finalmente, respondeu com a voz quase inaudível. “Eu não sei quem… mas seu pai foi quem fez essa escolta, Hope.” Ela voltou a encarar a sobrinha, a expressão suavizando. “Ele me pediu para observar você, para ver como você está. Ele se sente culpado pelo que disse naquela conversa… e me pediu para encontrar uma maneira de fazer você perdoá-lo.”

    Hope ficou imóvel, o coração martelando em seu peito. Culpado? Azrael, o Imperador dos Demônios, sentia culpa? A ideia parecia tão improvável, tão contrária à imagem que ela tinha dele.

    Antes que pudesse responder, sons de passos vindos da floresta chamaram sua atenção. Aiden e Elior emergiram das árvores, ambos com uma expressão relaxada após o banho na fonte. O olhar de Hope encontrou o de Elior por um breve momento, mas ela rapidamente desviou, suas emoções ainda em tumulto.

    Mana, por outro lado, levantou-se abruptamente, esticando os braços como se para dissipar a tensão. “Bem, acho que é minha vez de tomar um banho,” anunciou ela com um sorriso malicioso. Antes que alguém pudesse reagir, ela agarrou o braço de Elior, puxando-o com firmeza. “Elior, você vem comigo.”

    Elior arqueou as sobrancelhas, surpreso, mas não resistiu.

    “Ei, ei, o que tá acontecendo aqui?” Aiden perguntou, um sorriso divertido se formando em seu rosto. “Tá se sentindo especial, Elior?”

    Hope piscou, confusa com a espontaneidade de Mana. “Tia…?”

    Mana ignorou as reações, já conduzindo Elior em direção à floresta. Aiden, agora rindo abertamente, balançou a cabeça. “Bem, parece que a noite ficou mais interessante.”

    Hope permaneceu em silêncio, o eco das palavras de Mana ainda ressoando em sua mente. Havia tantas perguntas, tantas dúvidas… Mas as respostas teriam que esperar.

    Enquanto isso, Mana se acomodou na fonte quente, os músculos relaxando à medida que o calor aliviava as tensões do dia. Elior, sentado na borda com os pés na água, mantinha os olhos fixos em um ponto distante.

    “Por que está desviando o olhar, Elior?” A voz de Mana tinha um tom provocador, um sorriso brincando em seus lábios. “Você já viu meu corpo antes. Não precisa agir como se fosse novidade.”

    Elior não respondeu imediatamente, mas o leve balançar de sua cabeça deixou claro que ele não estava interessado em jogar o mesmo jogo. Sua postura tranquila e sua expressão sempre madura para alguém de aparência tão jovem mostravam que ele permanecia em controle, mesmo nas situações mais inusitadas.

    Mana o observou com atenção, intrigada pelo mistério que ele sempre parecia carregar consigo.

    Mana mergulhou mais fundo na fonte, deixando que o calor a envolvesse completamente. Seus olhos, semiabertos, repousaram sobre Elior, cuja postura sempre tranquila e distante parecia um reflexo da noite ao redor. A água quente relaxava seus músculos, mas sua mente permanecia atenta.

    “Você está diferente hoje.” O comentário dela foi casual, quase como quem observa uma mudança na direção do vento, mas havia um toque de curiosidade em sua voz. “Está mais… distante.”

    Elior, sentado na borda da fonte, soltou um suspiro quase imperceptível, como se ponderasse a melhor maneira de responder. Quando finalmente falou, sua voz era tranquila, mas medida. “Só pensando, talvez.”

    Mana ergueu uma sobrancelha, um sorriso pequeno se formando em seus lábios enquanto o observava com mais atenção. A resposta vaga não era novidade, mas havia algo familiar naquele tom, algo que ela reconhecia de outras ocasiões.

    “Pensando?” Ela inclinou a cabeça, fingindo surpresa enquanto suas palavras carregavam um leve sarcasmo. “Você parece ter muito em mente para alguém tão jovem.”

    Elior deu de ombros, sem se comprometer, balançando os pés na água com a mesma calma que parecia reger sua existência. Sua capacidade de evitar respostas diretas era quase admirável. Mana o conhecia o suficiente para saber que pressioná-lo não traria resultados; ele sempre guardava os próprios segredos com a mesma eficiência que controlava seus passos.

    O silêncio que se instalou entre os dois não era desconfortável. Pelo contrário, era como uma dança coreografada, onde ambos sabiam exatamente quando esperar o movimento do outro. Mas para Mana, aquele silêncio estava carregado de significados não ditos, como se as palavras que ele evitava fossem mais importantes do que as que poderia dizer.

    “Você tem se saído bem com… ela,” comentou Mana, mudando levemente o rumo da conversa, sua voz agora mais suave. “Acredito que ela confia em você.”

    Elior não respondeu de imediato. Seu olhar permaneceu fixo em algum ponto no horizonte, mas algo em sua postura pareceu mudar, como se aquelas palavras tivessem encontrado uma fenda em sua armadura. Depois de um momento, ele murmurou, quase como se estivesse falando consigo mesmo, “Eu tento.”

    A resposta, embora breve, foi carregada de significado para Mana. Ela fechou os olhos, permitindo que o calor da água aliviasse o peso de suas próprias tensões. Mas, mesmo relaxando, ela continuava consciente da presença dele ao seu lado. O silêncio de Elior não era vazio; ele era intencional, quase como se cada momento de quietude fosse uma peça em um quebra-cabeça que ele se recusava a revelar.

    “Você sabe,” ela começou, a voz casual como se estivesse comentando sobre a temperatura da água, “às vezes, as palavras que não são ditas dizem muito mais do que as que saem da nossa boca.”

    Elior deu uma risada curta e seca, uma reação que parecia tanto uma aceitação quanto uma barreira.

    Mana abriu os olhos lentamente, voltando a encará-lo. “Não precisa me dizer nada agora,” continuou ela, sua voz baixando para quase um sussurro. “Mas, eventualmente, talvez você deva… se abrir. Nem todos conseguem carregar o mundo sozinhos, sabe?”

    Ele permaneceu em silêncio, mas o leve movimento da água ao redor de seus pés foi o único sinal de que ele ainda estava ouvindo. Mana sabia que Elior era uma incógnita para muitos, mas para ela, ele era como um livro cujas páginas só poderiam ser lidas por quem tivesse paciência suficiente para esperar.

    “De qualquer forma,” concluiu ela, soltando um longo suspiro, permitindo-se relaxar completamente. “Acho que ambos sabemos que algumas coisas não precisam ser ditas, não é?”

    Elior não respondeu diretamente, mas por um breve momento, seus pés pararam de balançar. Foi um gesto quase imperceptível, mas que para Mana significava mais do que palavras poderiam expressar.

    Com isso, ela deixou que o silêncio tomasse conta novamente, confortável na certeza de que, por enquanto, aquele momento de cumplicidade silenciosa era o suficiente.

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