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    Pouco antes da luta contra Hades

    Enquanto saíamos do Tártaro, notei a inquietude de Alice. Ela parecia estar profundamente perturbada, algo que não era difícil de entender, considerando que havíamos buscado a ajuda de um clone que eu jurara destruir. No entanto, como ele havia dito, chegaria o momento em que eu precisaria dele.

    “Me desculpe por lhe chamar, Alice,” eu disse, com sinceridade.

    Alice foi quem mais sofreu no passado. As batalhas cruéis e as perdas devastadoras que testemunhou eram imensuráveis. Não sabia como expressar minha gratidão por ela continuar ao meu lado, apesar de tudo.

    “Não se preocupe com isso,” respondeu ela, sua voz calma, mas cheia de uma tristeza oculta.

    Voltei meu olhar para Naara, que parecia inabalável. Ela nunca demonstrava descontentamento e sempre apoiava minhas ideias, por mais insanas que fossem. Sentia-me profundamente grato por ter alguém em quem confiar como Naara.

    Foi então que algo capturou minha atenção. Um leve desvio de mana parecia me chamar, um sussurro silencioso no tecido da realidade. Olhei para Naara e Alice, mas elas não pareciam ter notado. Uma inquietação crescia dentro de mim, indeciso se deveria responder ao chamado ou ignorá-lo.

    Eu conhecia muito bem aquela mana. Sabia exatamente quem estava me chamando. No entanto, responder a esse chamado era uma questão completamente diferente.

    “Naara, Alice, podem voltar ao castelo. Tenho alguns assuntos a tratar,” disse, preparando-me para partir.

    “Não quer que eu te acompanhe?” Naara perguntou, notando a mudança em minha expressão.

    “Não, tudo bem. Pode voltar, não vou demorar muito.”

    Despedi-me das duas e criei um portal que me levaria ao local desejado.

    Em um planeta distante, notei um pequeno bar onde bandidos de diversas partes do universo se reuniam. Eu estava no planeta sem lei conhecido como Chadverf. Havia visitado este lugar em algumas de minhas viagens; era um refúgio para criminosos, um lugar onde a ordem dos nobres não existia.

    Ao sentar em uma das mesas, uma presença sombria se aproximou. Memórias de um passado que eu jamais pude esquecer surgiram em minha mente, fazendo-me tremer.

    “Imaginei que você não responderia ao meu chamado,” disse uma voz sombria enquanto se sentava à minha frente.

    Ao retirar o capuz, pude ver seus olhos negros e sem vida fixos em mim.

    “Naamah… Não sei o que deseja, mas não tenho intenção de ouvi-la,” declarei, querendo terminar a conversa o mais rápido possível. “Não sou mais seu objeto de experimento.”

    Minha voz irritada a fez sorrir.

    “Não se preocupe, minha criança. Na verdade, estou aqui por dois motivos. O primeiro é sobre seus filhos,” disse ela, fazendo-me suspirar.

    “Eu não tenho filhos,” respondi firmemente, preparando-me para sair.

    Foi então que uma imagem foi jogada sobre a mesa. Ao olhar para ela, vi dois jovens de cabelos brancos e olhos vermelhos, demônios carmesim idênticos.

    “Foram eles quem atacaram o mundo dos vampiros?” perguntei, reconhecendo os traços mencionados por Elara.

    “Se quiser que eles continuem vivos, que tal se juntar à Aliança?” suas palavras eram enigmáticas, como se já soubesse minha resposta antes de eu falar.

    “Você acha mesmo que me importo com crianças fabricadas?” disse, voltando a sentar.

    “Fabricadas, você diz? De certa forma, suas palavras não estão erradas. Contudo, foram feitas de forma natural, se é que você me entende.”

    Suas palavras não faziam sentido.

    “E quem é a mãe? Não lembro de ter relações com alguém…” tentei recordar, mas era impossível.

    “Quer mesmo descobrir? Que tal eu te mostrar?” ela disse, estalando os dedos.

    Senti algo quebrar em minha mente, um selo criado sem meu conhecimento. No momento em que o selo se desfez, lembrei-me de encontrar Júlia em um certo planeta.

    Após nossa conversa, decidi sair, mas por algum motivo, fui em direção a uma casa onde Naamah estava. Passamos uma noite juntos.

    “Memória fabricada?” perguntei, confuso.

    “Não, isso realmente aconteceu. Bom, você viu ‘aquela’ criança em meu lugar, mas certamente era eu, sua querida mãe,” respondeu ela, com um sorriso enigmático.

    “Querida?” pensei. Eu poderia chamá-la de qualquer coisa, menos de “querida”.

    “Então, tivemos um filho…”

    “Não um, dois. Uma menina que lembra bastante você, e um garoto com a personalidade sombria de Mana.”

    Bati na mesa, o som ecoando pelo ambiente e alertando Naamah, deixando-a cautelosa. “Isso parece uma brincadeira para você?” perguntei, minha voz carregada de irritação. “Que merda você estava pensando? Não. Melhor… você realmente achou que descobrir sobre filhos bastardos me faria aliar-me a você instantaneamente? Pensei que fosse mais inteligente.”

    Certamente não fazia sentido. Se Naamah realmente pensou que um plano desses funcionaria, ela estava ficando velha e idiota. Ou ao menos, era o que eu queria acreditar.

    “Verdade, não pensei que iria aceitar tão facilmente. Contudo, meu plano não era te convencer apenas com a descoberta das crianças. Eu queria usá-las como experimentos. Você vai aceitar se juntar a mim por um motivo diferente, algo como… seus entes queridos não morrerão.”

    Parecia uma ameaça, mas havia algo mais profundo em suas palavras.

    “A profecia feita pela ‘Visão do Futuro’ diz que sua morte acontecerá no domínio dos vampiros,” sua voz tinha um tom de diversão perversa. “E se você continuar perto daqueles que ama, pode acontecer o mesmo que aconteceu no passado.”

    Eu não queria me juntar à Aliança, mas o medo de perder aqueles que eram importantes para mim era ainda mais forte.

    “Se você entrar na Aliança e me ajudar com as pesquisas, farei com que morra sozinho.”

    “Qual é o seu plano?” perguntei, enquanto notava um círculo mágico de invocação começando a se formar.

    “Você não pode ouvi-la. Ela deve estar tramando alguma coisa!” A voz de Noir soou desesperada. “Az, se juntar à Aliança é o mesmo que trair seus amigos.”

    Foi então que me dei conta. “Certamente, trair eles pode fazer com que ninguém apareça no dia…”

    “Não, Az, você não pode fazer isso.”

    “Como não? ‘Ela’ não fez o mesmo? Sabe, Noir, eu sei o que significa se sacrificar. E também sei como é estar no lugar daqueles que continuam vivos.”

    “Eu não vou permitir iss—”

    “Volte.” Ordenei, forçando Noir a retornar ao espaço dimensional contra sua vontade. “Naamah, qual é o seu plano?”

    Naamah sorriu, um sorriso que não transmitia calor, mas sim uma promessa de complicações futuras. Ela se inclinou para frente, seus olhos negros penetrantes encontrando os meus.

    “Meu plano é simples,” ela começou. “A Aliança precisa de você. E você precisa da Aliança, mesmo que não perceba ainda. Juntos, podemos controlar as forças que ameaçam o equilíbrio deste universo. Com seus talentos e meus conhecimentos, podemos reescrever o destino.”

    Ela fez uma pausa, deixando suas palavras penetrarem na minha mente.

    “E as crianças?” perguntei, ainda cético.

    “Elas serão treinadas e protegidas. Mas mais do que isso, serão a chave para um futuro onde aqueles que ama não precisem mais temer o desconhecido.”

    Apesar de sua proposta, minha mente estava em turbilhão. Aceitar significava trair tudo em que acreditava, mas recusar poderia condenar aqueles que me eram preciosos.

    “Vou precisar de tempo para pensar,” disse finalmente, minha voz firme, mas carregada de incerteza.

    “Tempo é algo que temos de menos, Az,” Naamah disse, levantando-se. “Mas compreendo. Pense bem, e quando estiver pronto, você sabe onde me encontrar.”

    Ela se virou e desapareceu na escuridão do bar, deixando-me sozinho com meus pensamentos e um dilema que poderia mudar o curso de muitas vidas.

    ***

    “Você conseguiu encontrar o significado daquelas runas?” perguntei a Naamah ao meu lado. Seu rosto ficou sombrio, como se eu tivesse tocado em uma ferida aberta.

    “Não importa o quanto eu analise, não consigo entender o significado de algo tão complexo,” ela respondeu, desanimada.

    Já se passaram alguns anos, mas algo sempre aparece em minha mente: um círculo mágico com runas intricadas. Algo tão complexo e difícil de recriar, mas não era apenas a sua complexidade que me chamava a atenção, mas sim a sua magia. Era impossível de usar. Nenhum tipo de mana elemental funcionava, nem mesmo a mana corrompida. Era como se sua forma complexa necessitasse de algo além de mana, além de magia. Não importava o quanto me esforçasse, não era possível ativá-lo.

    O que mais me deixava confuso eram os símbolos e formas que continuavam a aparecer em minha mente, como se eu soubesse como recriá-los, mas fosse impossível utilizá-los.

    Criei um pequeno esboço com a intenção de mostrar a Naamah, já que ela poderia descobrir o que significava, mas foi em vão. Mesmo ocultando as partes principais, ela chamou de círculo rúnico arcano. Ela não conseguiu descobrir muito, mas segundo algumas informações, precisaríamos de materiais específicos para conseguir usar o poder do círculo mágico. Materiais presentes no universo desde sua criação, mas extremamente raros.

    “Vamos deixar isso de lado por enquanto,” disse com um leve suspiro, olhando para Sien ao meu lado. “Todos estão posicionados?” perguntei à minha filha, que era a encarregada dos assuntos táticos.

    “Sim, estamos apenas esperando suas ordens,” respondeu ela, enquanto observava a imensa tropa de inimigos se formando abaixo de nós.

    Em cima de uma montanha, tínhamos uma vista privilegiada, conseguindo ver a maior parte das tropas inimigas. Contudo, o que me surpreendeu não foram os números, mas os indivíduos.

    “Parece que seus amigos descobriram sobre seus planos,” disse Naamah, observando Samael à distância.

    “Não há muito o que eu possa fazer.”

    Eu tinha pouco tempo, e os requisitos estavam quase prontos. Faltando apenas dois itens únicos, precisaria me apressar, pois não conseguiria mais tempo.

    “Naamah, quero pedir um favor.”

    Naamah me olhou surpresa, mas logo exibiu um grande sorriso. “Saiba que você será parte do meu próximo experimento,” ela disse, o sorriso sombrio me causando calafrios.

    “Não me importo,” respondi. Não tinha escolha e eu não poderia voltar atrás em minha decisão. Esse seria meu último ponto e o momento decisivo. Se perdesse meu objetivo devido aos meus sentimentos, tudo seria em vão. “Quero que retire meus sentimentos. Tudo que possa atrapalhar nosso objetivo deve ser descartado.”

    “Pai, vamos com tudo?” perguntou Sien, enquanto Naamah lançava sua magia em minha direção.

    “Sim. Vamos com todo o nosso poder.”

    Enquanto recebia a magia de Naamah, meu corpo reagiu de forma estranha. Sentia uma sensação de desgosto e infelicidade, que logo se tornaram nulas. Era como se as emoções que antes eu tinha agora se tornassem um completo vazio. Como se eu fosse apenas uma casca vazia com as lembranças de um ser chamado Azrael.

    “Pai, Dian está vivo!” gritou Sien, observando seu irmão aparecer ao lado dos inimigos.

    “Como imaginei, seu irmão nos traiu,” disse Naamah, visivelmente irritada.

    “Sien, deixo Dian com você. O resto cuidará dos inimigos.” Dian e Sien tinham habilidades semelhantes, então eles estavam em pé de igualdade.

    “Claro, brincarei com meu irmãozinho. Afinal, é isso que uma irmã faz,” disse ela, com uma expressão feliz que parecia estranha, como se desejasse matar o próprio irmão.

    “E você?” perguntou Naamah, notando que ainda não sabia o que eu iria fazer.

    “Elara, Samael, Belial, Alice, Zenith, Nain, Naara, e… Eriel,” disse, olhando para Naamah. “Lucia, Lilith e eu cuidaremos deles.”

    Eu estava disposto a ferir meus antigos companheiros, mesmo que fosse ao custo de novos aliados.

    “Então tudo ocorrerá bem. Minha missão será recuperar ‘aquele’ material,” Naamah parecia entediada por não participar da luta, mas sua missão era clara.

    “Vamos apenas acabar com isso rapidamente, estou com dor de cabeça,” disse, me preparando para avançar. Usando magia de comunicação, transmiti minhas palavras para os aliados. “Avancem. Quero que destruam este planeta o máximo possível. Desta vez, não me importo com os sobreviventes, façam o que quiserem,” essas não eram as palavras que eu queria dizer, mas foram as palavras que eu precisava dizer. “Sien, vamos.”

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