Capítulo 114 — Rainha da Noite

Belial

Corri em direção ao campo de batalha, onde as explosões de magia e o som das espadas se chocando ecoavam como trovões. Procurar Lilith em meio ao pandemônio da guerra era uma tarefa hercúlea.

Olhei para Alice, que balançou a cabeça em negação, indicando que não conseguiu encontrar sua mãe. Suspirei desanimado enquanto desviava de algumas magias lançadas contra os inimigos. Foi então que, no meio dos combatentes, uma presença avassaladora me chamou a atenção. Sua aura era suave, quase hipnótica, embora não funcionasse completamente em mim. O cheiro doce penetrou meu nariz, e o sutil gosto de mel em minha boca era o sinal de que eu havia encontrado a pessoa que procurava.

“Alice…”, chamei a atenção de minha filha antes de começar a seguir a presença. Em uma área afastada de todos, lá estava ela.

Lilith, a rainha dos céus estrelados e dos mistérios ocultos. Seus longos cabelos negros como a noite caíam em ondas sedosas, brilhando com um toque de magia que parecia pulsar em cada fio. O ouro de suas joias cintilava intensamente, destacando-se contra sua pele pálida e radiante. Seus olhos eram de um cinza profundo, como tempestades em mares distantes. A coroa dourada em sua cabeça parecia moldada a partir de raios de sol congelados, emanando uma aura de realeza e comando.

O vestido que ela usava era uma obra de arte em si. Negro como a meia-noite, era decorado com padrões intrincados em ouro, que se moviam e dançavam como se tivessem vida própria. As mangas longas e soltas conferiam um ar de elegância, enquanto o decote sutil destacava sua presença imponente. Brincos pendiam de suas orelhas como pequenas estrelas douradas, e ao se mover, eles cintilavam, criando uma melodia suave que acompanhava cada passo. Lilith exalava um perfume doce, um aroma de mel e flores noturnas que envolvia todos ao seu redor, enfeitiçando e encantando.

Ela olhou para mim e Alice, um leve sorriso se formando em seus lábios. Sua presença era hipnotizante, e mesmo em meio ao caos da batalha, havia um senso de calma e segurança ao seu redor.

“Lilith,” chamei seu nome, a voz saindo quase como um sussurro. Ela assentiu levemente, reconhecendo nossa presença.

“Belial, meu querido… Alice… Eu senti saudades.” Sua voz era suave como uma melodia em harmonia com o ambiente.

Era como se toda a devastação da batalha ficasse para trás enquanto eu observava seu rosto com uma mistura de aflição e alívio.

Enquanto seus olhos não estavam vermelhos, eu sabia que Lilith não tinha a intenção de nos machucar. Lilith era a filha única de Satan, um demônio carmesim, e Lilith, a mãe dos demônios. Como filha de um demônio carmesim, ela herdou as características da raça, mas algo nela era diferente. Os demônios carmesim possuíam olhos vermelhos, o que indicava que sua força e poder estavam sempre em seu auge, mas Lilith não tinha os olhos vermelhos o tempo todo.

Lilith tinha a habilidade de mudar a cor dos seus olhos para o vermelho característico da raça, e essa habilidade permitia que ela alcançasse seu poder máximo. Por outro lado, seus olhos verdadeiros eram aqueles que me observavam com tristeza, olhos cinza que me encantaram desde a primeira vez que a vi.

“Se o que está dizendo é verdade, então retorne ao palácio. Vamos viver juntos e observar enquanto sentimos orgulho do que nossas crianças se tornaram.”, minhas palavras pareceram atingi-la, já que notei Lilith morder os lábios.

“Isso é tudo o que desejo.”, ela disse, com um suspiro estranho vindo depois de suas palavras. “Mas, não posso fazer isso agora. Tenho que, ao menos, lutar até o fim.”

“Mãe–”

“Alice, Belial. Se desejam mesmo que eu volte, por favor, lutem com todas as forças… Não posso abandonar—”

Foi quando eu notei o que Lilith queria dizer. Não pude deixar de entender os seus motivos, mas sua decisão ia contra os nossos votos.

“Então você descobriu… Quando?”, perguntei tentando confirmar minha hipótese.

“Alguns dias depois do atentado. Digamos que foi uma coincidência.”

“O Azrael sabe?”, perguntei, agora querendo confirmar.

“Não… Ele não sabe.”

“Então, se vencermos, você vai voltar, certo?”

Lilith apenas me observou sem dizer nenhum palavra, mas o perfume no ar me fez olhar para Lilith em surpresa.

“Não é se vocês vencerem, mas se você vencer.”

Lilith havia ativado sua magia, confundindo a mente de Alice que estava ao meu lado. O impacto do soco de minha filha me fez dar alguns passos para trás e eu mal tive tempo para me defender. Meus olhos se focaram em Alice, que saltou para o lado de sua mãe e ficou em posição de batalha.

“Não deveria tê-la trazido.”, disse Lilith com a voz pesada. “Você deveria saber que ninguém está a salvo de minha magia.”

“Eu estou.”

“Você e o Azrael são variáveis, contudo, eu posso virar o jogo se necessário.”, disse Lilith com confiança enquanto olhava para Alice. “Você deveria saber que trazer Alice apenas diminuiria suas chances.”

Claro, Lilith sabia que eu não atacaria minha filha, que não cogitaria a possibilidade de machucá-la.

Contudo, seus pensamentos estavam errados. 

Com minha mana, ativei um círculo mágico que lançou uma bola de fogo nas costas de Lilith e Alice. A magia atingiu o alvo, arremessando Alice ao chão e ferindo Lilith.

“Agora eu entendo de onde o Azrael tirou seu jeito impiedoso,” disse Lilith enquanto lançava uma magia de cura em ambas. “Parece que você não vai se conter nem mesmo contra sua filha.”

“Me desculpe, mas estou disposto a ser odiado. Talvez eu possa corrigir isso se mimar vocês duas até não aguentarem mais,” eu disse, um sorriso visível se formando em meu rosto.

“Eu vou aceitar o seu pedido de desculpas, se você realmente se esforçar.” Foi quando dezenas de milhares de círculos mágicos apareceram em todo o meu campo de visão. Magias de diversos elementos foram criadas e estavam prontas para serem lançadas em seu alvo.

Suspirei mais uma vez, observando o terror daquela cena. Diante dos meus olhos, todas as formas de escapar foram tiradas de mim e eu me tornei um pequeno rato em um experimento brutal.

“Parece que você também não tem intenção de deixar isso passar,” eu disse, notando que Lilith já havia ativado alguns dos círculos mágicos. “Posso me desculpar e desistir?”

“Sem sofrer um pouco antes? Claro que não. Você machucou minha filhinha.”

“Venha, querida, não se contenha. Estou disposto a relembrar os velhos tempos se isso te deixar feliz.”

Foi quando avancei, lançando magias de fogo. Tentei me aproximar, contudo, Alice veio ao meu encontro. Começamos uma troca de socos enquanto Lilith parecia estar aumentando as estatísticas de Alice. Notei que não deveria subestimá-la.

Alice desferiu um golpe com sua espada feita de mana, que bloqueei com a minha. A força do impacto reverberou pelo meu braço. Girei meu corpo, conjurando um feitiço de vento para afastá-la, e rapidamente ergui uma barreira mágica para me proteger das magias de Lilith.

Lilith riu, sua voz ecoando com uma nota de desafio. “Você acha que pequenas barreiras vão me deter, Belial?”

Antes que eu pudesse responder, ela ativou seus círculos mágicos e uma série de esferas de energia sombria se chocaram contra minha barreira, fazendo-a tremer. Usei o momento de distração para lançar um feitiço de relâmpago, visando os círculos mágicos ao redor dela. Lilith desviou com agilidade, mas uma das magias atingiu seu ombro, fazendo-a recuar.

“Impressionante,” ela murmurou, seus olhos brilhando com intensidade. “Mas isso não será suficiente.”

Lilith então ergueu as mãos, e os círculos mágicos ao seu redor começaram a se transformar, criando espadas de luz que voaram em minha direção. Eu mal tive tempo de erguer uma barreira reforçada, mas mesmo assim, algumas espadas passaram, cortando minha pele.

Alice aproveitou a distração e atacou com um movimento rápido e preciso. Defendi o golpe, mas ela continuou com uma série de ataques, cada vez mais rápidos e fortes, forçando-me a recuar. Conjurei um círculo mágico de água, criando um turbilhão que a envolveu, mas ela quebrou a prisão aquática com um grito de raiva, suas forças redobradas pela magia de Lilith.

Lancei uma série de feitiços em rápida sucessão: chamas, gelo e sombras se mesclavam, criando um espetáculo de luz e escuridão. Alice desviava e bloqueava, suas habilidades e reflexos aprimorados pela magia de sua mãe. Em um momento de distração, consegui atingi-la com um feitiço de choque, paralisando-a temporariamente.

“Você está bem, Alice?” Lilith perguntou, preocupação na voz.

Alice acenou, lutando contra os efeitos da paralisia. “Estou, mãe. Apenas… me dê um momento.”

Aproveitei a pausa para recuperar o fôlego, sabendo que a batalha estava longe de terminar. Lilith, entretanto, não me deu trégua. Ela conjurou uma tempestade de gelo e fogo, as duas forças opostas se entrelaçando e criando um cenário de caos absoluto. Concentrei minha energia para erguer uma barreira protetora, mas a pressão era intensa.

“Belial, você sempre foi um tolo romântico,” Lilith disse, sua voz fria. “Você não pode me vencer.”

“Talvez não,” respondi, um sorriso cansado nos lábios. “Mas vou tentar.”

Com um grito, canalizei toda a minha energia em um único feitiço. O chão abaixo de nós, tremeu enquanto círculos mágicos se formavam ao meu redor. Uma coluna de luz explodiu, atingindo Lilith e Alice simultaneamente. Lilith gritou, surpresa pela intensidade do ataque, e Alice foi lançada para trás.

A poeira baixou, e lá estava Lilith, ferida, mas ainda de pé. Seus olhos vermelhos brilhavam com uma determinação feroz. “Isso não acaba aqui, Belial.”

“Eu sei,” respondi, erguendo minha espada, pronto para continuar a luta. “Vamos terminar isso.”

E assim, a batalha continuou, um duelo de magia e força, onde cada movimento, cada feitiço, era uma dança mortal entre dois corações entrelaçados pelo amor e pela guerra.