Índice de Capítulo

    Ao despertar, senti uma leve vertigem enquanto me sentava na beira da cama, o mundo ao meu redor girando em um turbilhão. Foi nesse momento que o toque suave de Eriel deslizou por minhas costas, seu abraço trazendo uma sensação de calor e conforto, embora seu semblante revelasse uma preocupação velada.

    “Cadê Naara?” perguntei, tentando, em vão, captar sua presença. A ausência dela deixava um vazio perturbador.

    “Ela saiu para resolver alguns assuntos,” respondeu Eriel, seus dedos delicados traçando linhas suaves ao longo das minhas costas, acariciando com ternura as curvas da tatuagem em forma de asas que marcavam minha pele.

    “Quer uma igual?” indaguei, observando com curiosidade enquanto seus dedos seguiam o contorno das asas entalhadas em minha pele.

    “Você fala das asas ou da tatuagem?” ela retrucou com um sorriso que espelhava o meu. “Tatuagens. Imagino que não consiga me dar asas pelos meios convencionais.”

    Sorri com a resposta, sabendo que a tatuagem em minhas costas ocultava, através de magia, as asas verdadeiras. Todos os demônios, anjos, fadas e outras criaturas possuíam essa magia em comum, um segredo que carregávamos nas costas como marca de nossa essência.

    Decidi me levantar e me vestir, ciente de que o cronograma de hoje exigia minha pontualidade, algo que Charlotte sempre fazia questão de enfatizar com certa irritação.

    “Ei…” A voz de Eriel interrompeu meus pensamentos enquanto eu me preparava para sair. “Sei que está preocupado, mas Metatron me garantiu que ela está segura.”

    Metatron, com sua visão que alcançava tudo, me dava uma certa paz de espírito. No entanto, ouvir que Mana estava bem não era o mesmo que vê-la com meus próprios olhos.

    “Entendo… Não se preocupe,” respondi com um suspiro, enquanto me dirigia ao banheiro para tomar um banho antes de iniciar os trabalhos do dia.


    Mais tarde, à tarde, enquanto revisava documentos relacionados a assuntos reais, Charlotte entrou na sala com passos firmes, cumprimentando-me antes de colocar mais papéis sobre a mesa. Algo em seu olhar capturou minha atenção, fazendo-me interromper o que estava fazendo.

    “Aconteceu alguma coisa, Char?” perguntei, notando a seriedade em sua expressão enquanto ela me entregava uma carta selada com o emblema de Hades.

    “O senhor do submundo pediu que lhe entregasse essa carta quando estivesse menos ocupado,” ela explicou.

    Ao abrir o selo e ler o conteúdo, um sorriso de satisfação cruzou meus lábios.

    “Oh? Posso saber o motivo desse sorriso?” Charlotte perguntou, sua curiosidade evidente.

    “Pensei que já havia comentado… Mas não é como se estivesse escondendo,” respondi, entregando-lhe a carta. “Pedi a Hades que investigasse Nix, mas como ele se tornou um Deus Caído, foi difícil obter informações. Felizmente, Hefesto ajudou com algumas pistas.”

    O conteúdo da carta revelava a localização exata de onde Nix estava.

    “Então, você planeja despertar Nix?”

    Era uma pergunta simples, mas carregada de implicações. Saber onde Nix estava não significava que seria fácil chegar até ela.

    “Não sei se ela está adormecida devido à influência de Zeus ou por escolha própria, mas Nemesis deseja reencontrar a mãe, então devemos mandar alguém investigar.”

    “Vou enviar alguns guardas para verificar a informação.”

    “Deixo isso em suas mãos, Char.”

    “E sobre o dragão de fogo?” perguntou Charlotte, aguardando instruções.

    “Não precisa se preocupar com ele agora,” respondi rapidamente.

    Após dar todas as instruções necessárias, Charlotte saiu da sala, deixando-me novamente sozinho com meus pensamentos.

    “O dragão de fogo, hein?” murmurei para mim mesmo.

    Esse era um pedido de Zoe. Ela me havia solicitado que encontrasse seu irmão mais novo, já que eu fui o último a vê-lo. Mas essa não era uma tarefa simples. O rei dragão das chamas possuía a capacidade de manipular as casualidades, controlando o destino até certo ponto.

    Se ele não desejasse ser encontrado, seria quase impossível localizá-lo. Contudo, eu sabia exatamente onde estava o último dragão verdadeiro, embora ele pudesse mudar de localização sempre que quisesse.

    “Sei que pode me ouvir,” disse, refletindo sobre a possibilidade. “Amanhã, irei me encontrar com Nix, ou pelo menos tentar… Gostaria que nos encontrássemos antes disso. Sua irmã sente sua falta, então ao menos deveria conversar com ela.”

    Não houve resposta, como eu já esperava, mas sabia que o dragão de fogo podia me ouvir, então não me preocupei. Voltei ao trabalho e continuei até a noite, quando finalmente terminei, decidi procurar Sien em seu quarto. Pedi a Dian que permanecesse no palácio, mas ele insistiu em explorar o universo, e não o impedi.

    Enquanto caminhava pelos corredores do palácio, a preocupação persistente em minha mente se intensificou. Fazia muito tempo que não tinha notícias de Naamah. Ela estava planejando algo, e o fato de não ter me procurado, mesmo com meu corpo sendo seu material de pesquisa mais precioso, me deixava inquieto.

    Ao chegar à porta do quarto de Sien, bati duas vezes e aguardei. A resposta veio logo em seguida, permitindo-me entrar. Sien estava sentada em uma cadeira próxima à janela, seus olhos atentos ao que se passava fora do castelo.

    Ao me ver, um sorriso largo iluminou seu rosto. “Papai!” ela gritou, lançando-se em minha direção. Recebi-a com um abraço, girando meu corpo para absorver o impacto de seu salto.

    Após colocá-la no chão, acariciei suavemente sua cabeça. “Como foi seu dia, querida?” perguntei, curioso para saber como Sien estava se adaptando ao palácio.

    “Foi legal. Noir veio até o meu quarto para brincar, e foi muito divertido.” Seus olhos desviaram para uma cortina que parecia deslocada em relação às outras.

    “Veio? Então ela já foi?” perguntei, embora já soubesse a resposta.

    “Sim…” Sien respondeu, também olhando para a cortina.

    “É uma pena… Queria falar com ela, mas não consegui encontrá-la.” suspirei, sentindo um desânimo crescente. Sien, percebendo minha tristeza, colocou a mãozinha sobre minha cabeça.

    “Tudo bem, papai. Se quiser, posso dizer a ela que você está procurando por ela.” O sorriso sincero de Sien trouxe um calor ao meu coração, fazendo-me suspirar novamente.

    “Entendo.” disse, abaixando-me para ficar à altura de seus olhos. “Poderia dizer a ela: ‘Eu sei que fui um idiota, e sei que você estava preocupada. Me desculpe por não ter escutado você e por tê-la deixado sozinha. Eu realmente sinto muito…'”

    Foi então que a cortina se moveu, revelando o pequeno corpo de Noir.

    “Oh? Noir, você ainda estava aqui?” disse Sien, tentando manter a compostura.

    “Então diga isso pessoalmente,” Noir murmurou, com uma expressão que misturava alívio e hesitação.

    Engoli em seco ao ver Noir surgir de trás da cortina. Havia algo nos olhos dela—uma mistura de mágoa e alívio—que me fez perceber o quanto minhas palavras e ações haviam pesado sobre ela.

    “Eu… não sabia que ainda estava aqui,” murmurei, tentando encontrar as palavras certas. Ela não respondeu de imediato, mantendo-se em silêncio, enquanto Sien, sentindo o peso do momento, se afastava discretamente para nos dar espaço.

    “Você me ouviu, não é?” perguntei, sabendo que era uma pergunta retórica. Noir sempre foi perceptiva, captando as nuances que muitos deixavam escapar.

    Ela finalmente deu um passo à frente, seus olhos fixos nos meus, como se estivesse buscando uma resposta nas profundezas da minha alma. “Eu ouvi,” respondeu ela, sua voz suave, mas carregada de emoções. “Ouvi tudo… e por isso estou aqui.”

    Eu me aproximei, cauteloso, como se qualquer movimento brusco pudesse quebrar o frágil fio de confiança que ela ainda pudesse ter em mim. “Noir, me desculpe. Eu fui egoísta e imprudente. Eu deveria ter dado mais atenção aos seus sentimentos, ter escutado você quando precisava. Lamento por ter te deixado sozinha quando mais precisava de mim.”

    Ela me observou por um momento, seu olhar intenso como se estivesse tentando discernir a verdade por trás das minhas palavras. Finalmente, ela suspirou, baixando a cabeça ligeiramente. “Não foi fácil, sabe? Ver você se afastar, se esconder atrás de suas responsabilidades, enquanto eu ficava para trás… esperando.”

    Eu me ajoelhei diante dela, colocando uma mão em seu ombro. “Eu nunca quis te machucar, Noir. Eu estava… perdido em meus próprios problemas, mas isso não é desculpa. Sei que te devo mais do que palavras.”

    Ela ergueu o olhar, uma lágrima solitária escorrendo pelo rosto antes que ela a enxugasse com pressa. “Eu só queria que você estivesse lá, que me mostrasse que ainda se importava…”

    “Eu me importo, Noir. Muito mais do que você imagina.” Eu disse, com sinceridade transbordando de cada palavra. “E estou aqui agora, pronto para fazer as coisas certas. Não vou mais te deixar para trás.”

    Noir hesitou, mas então, com um suspiro resignado, ela se aproximou e me envolveu em um abraço apertado. Eu retribuí o gesto, sentindo o peso do momento se dissolver, substituído por uma sensação de renovação e reconciliação.

    Sien, que havia permanecido em silêncio à distância, se aproximou, observando-nos com um olhar suave e compreensivo. “Parece que tudo vai ficar bem agora,” ela murmurou, como se tivesse entendido que aquele momento de vulnerabilidade era o que ambos precisávamos.

    Depois de algum tempo, Noir se afastou um pouco, olhando-me nos olhos com uma expressão mais tranquila. “Eu te perdoo, mas quero que prometa que não vai mais me deixar de lado.”

    “Eu prometo,” respondi sem hesitação. “De agora em diante, vamos enfrentar tudo juntos.”

    Noir assentiu, e pela primeira vez em muito tempo, vi um pequeno sorriso se formar em seus lábios. Era um sinal de que, apesar de tudo, ainda havia esperança para nós.

    “Então… o que acha de voltarmos ao trabalho?” sugeri, tentando trazer um pouco de leveza à atmosfera.

    “Sim,” Noir respondeu, seu sorriso crescendo um pouco mais. “Afinal, ainda há muito a fazer, e você sabe como Charlotte fica impaciente.”

    Eu ri, sentindo a tensão se dissipar por completo. “Vamos lá, então.”

    Enquanto saíamos do quarto de Sien, uma nova energia percorreu meu corpo, como se a reconciliação com Noir tivesse acendido uma chama de determinação renovada dentro de mim. Eu sabia que desafios maiores ainda estavam por vir, mas sentia que, de alguma forma, estava mais preparado para enfrentá-los. A conexão que quase perdi com Noir agora estava mais forte do que nunca, e eu prometi a mim mesmo que nunca mais a deixaria sentir-se abandonada.

    Como seu mestre, seu amigo mais próximo e seu pilar, eu estaria ao seu lado até o fim dos meus dias. Nada, nem mesmo o destino cruel que parecia estar me aguardando, me faria quebrar essa promessa.

    Foi então que a lembrança da profecia voltou a me assombrar. Dentro de alguns dias, eu partiria para o lar dos vampiros—um lugar envolto em mistério e perigo—onde, segundo a profecia, meu fim estava escrito. Minha morte era certa, e a certeza disso pesava sobre mim como uma sombra inevitável.

    Estava hesitante em seguir adiante, o medo tentando se infiltrar nas profundezas da minha mente. Mas sabia que esse era meu destino, e evitá-lo só traria desgraças maiores. O pensamento de perder alguém que amava, de vê-los sofrer por minha causa, era insuportável. Eu estava disposto a enfrentar o que viesse, mesmo que isso significasse esconder a verdade daqueles que mais importavam para mim.

    Se eu realmente estava destinado a morrer, então faria o possível para deixar boas lembranças para aqueles que permaneceriam vivos. Fingiria ser forte, fingiria que tudo estava bem, para que eles pudessem se lembrar de mim com um sorriso, e não com lágrimas.

    Esses dias que restavam seriam dedicados a criar momentos preciosos, memórias que resistiriam ao tempo e ao sofrimento. Eu sabia que o peso da minha ausência seria sentido, mas queria garantir que, quando esse momento chegasse, eles tivessem algo de bom para segurar, algo que pudesse confortá-los na escuridão.

    Era uma decisão amarga, mas necessária. E, acima de tudo, era o único jeito que eu conhecia de proteger aqueles que amava—mesmo que fosse à custa da minha própria vida.

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