Índice de Capítulo

    Após os eventos no planeta, cujo nome Eriel não se deu ao trabalho de lembrar, ela cumpriu sua promessa e levou os membros da equipe para o mundo interno. A presença deles ali era algo que não esperava que Zoe permitisse, mas, para sua surpresa, a guardiã daquele lugar pareceu genuinamente interessada. Talvez fosse a solidão. Viver em um mundo onde as leis do tempo não funcionavam poderia ser mais opressivo do que Zoe admitia.

    Enquanto Eriel observava o treinamento de seus companheiros, um sorriso discreto surgiu em seus lábios. As lembranças do próprio treinamento infernal vieram à tona. Os bonecos de treino moviam-se com precisão para combates simulados reais, agora eram os adversários de sua equipe. Qualquer deslize poderia levar a uma “morte” simulada, mas o aprendizado permanecia.

    “Vejo que está se divertindo.”

    A voz de Zoe interrompeu seus pensamentos. Como sempre, ela mantinha a expressão neutra. O sorriso caloroso que costumava dar nos primeiros dias de treinamento parecia ter se perdido com o passar do tempo.

    “E estou.” Eriel não desviou o olhar dos combates. “Ver eles enfrentando o mesmo treinamento que passei me motiva a continuar crescendo.”

    Eriel sabia que suas visitas ao mundo interno se tornaram raras. O progresso que havia feito era inegável, mas o confronto com o rei demônio deixava claro: ainda estava longe de atingir o nível necessário para enfrentar seres superiores como ele.

    “Hmm… rei demônio, hein?” Zoe comentou, de repente, um leve tom de provocação na voz.

    Eriel franziu o cenho. “Como sempre, bisbilhotando meus pensamentos.”

    “Não me culpe”, Zoe respondeu com simplicidade. “Aqui dentro, você é como um livro aberto.”

    A privacidade era inexistente no mundo interno, algo que Eriel jamais se acostumaria.

    “Mas, se você está curioso sobre ele, posso responder algumas perguntas. Tenho conhecimento suficiente para isso.”

    “Ah, você?” Eriel arqueou uma sobrancelha, surpresa pela oferta inesperada.

    “Só para você saber, sou uma pessoa bem informada.” Zoe levantou o queixo, como se quisesse reafirmar sua importância.

    Eriel reprimiu um sorriso. Não era exatamente o rei demônio que lhe interessava, mas sim a magia que ele havia utilizado. A lembrança daquela pequena orbe negra, condensada com uma quantidade absurda de mana, ainda a intrigava.

    “Como funciona a magia que ele usou para destruir o planeta?” Ela disse, sem rodeios.

    “Aquela magia chamou sua atenção? Não é de se admirar.” Zoe cruzou os braços, o olhar dela brilhou por um instante. “É uma magia absurdamente complexa.”

    “Como imaginei.”

    “Com o seu nível atual, é impossível usá-la.” Zoe foi direta. “A magia exige um controle de mana fora do comum. O rei consegue utilizá-la por ser um prodígio abençoado pelo destino.”

    Zoe estendeu a mão, conjurando uma pequena esfera branca. O poder era notável, ainda que estivesse longe de se comparar à magia original que Eriel presenciara.

    “Esta é uma versão básica daquela magia”, explicou Zoe. “O máximo que uma pessoa comum poderia criar. Até mesmo os deuses e seres superiores encontram dificuldades para fazê-la corretamente.”

    “Até mesmo você?” Eriel perguntou, estreitando os olhos.

    Zoe hesitou por um instante antes de responder. “Até mesmo eu. Aqui dentro, no entanto, minhas limitações são reduzidas.”

    Eriel compreendeu o peso daquelas palavras. Mesmo com toda a habilidade de Zoe, a magia continuava sendo um desafio.

    “Mas, como disse antes, o que você viu foi apenas uma sombra do verdadeiro poder do rei demônio.” Zoe começou a canalizar mais mana para a esfera. A quantidade parecia infinita, crescendo até o ponto de ser quase insuportável observar.

    Eriel ficou imóvel, fascinado e assustado. Comparada à energia usada por Azrael para destruir o planeta, a mana que Zoe estava acumulando agora era incomparavelmente maior. Era como comparar a Terra a Sagitário A*, o colossal buraco negro no centro da galáxia.

    “Com toda essa mana condensada…” Zoe começou a dizer, sua voz carregada de algo entre orgulho e advertências.

    A esfera branca nas mãos de Zoe começou a se tornar translúcida, enquanto a mana condensada entrou em colapso. No centro da palma dela, um espaço distorcido se formou, sugando até a mesma luz ao seu redor. Algo que normalmente estaria além da percepção humana se manifestava de forma clara e aterradora.

    “Isso é… um buraco negro?” Disse Eriel, incapaz de desviar os olhos da anomalia.

    “Exatamente,” respondeu Zoe com sua serenidade habitual. “Mas não se preocupe. Apenas o rei demônio é capaz de usar essa habilidade — isso, é claro, se ele estiver em seu auge.”

    A ideia de manipular a mana condensada para criar um buraco negro parecia impossível. A quantidade de mana necessária era absurda, mas o verdadeiro desafio estava no controle absoluto exigido para evitar que tudo colapsasse.

    “O jovem rei é considerado o demônio mais forte e habilidoso no uso de mana. Você sabe o porquê?” Zoe perguntou, lançando um olhar curioso para Eriel.

    “Não…” admitiu Eriel, ainda processando o que acabara de ver. Ela sabia que Azrael era poderoso, mas o demônio mais forte? A ideia parecia surreal.

    Zoe suspirou antes de explicar. “Ele nasceu com uma habilidade inata, ou melhor, uma capacidade de crescimento completamente fora do normal. Todas as raças possuem um limite natural de quantidade de mana que seus corpos podem suportar — algo como um núcleo que regula isso. Mas Azrael é especial. Além de sua própria reserva de mana, ele pode usar a mana pura do ambiente.”

    Eriel ficou estática. A possibilidade de alguém manipular o mana no ambiente era algo que nunca foi considerado real.

    “Usar a mana do ambiente significa que ele, técnico, nunca esgotará sua energia”, continuou Zoe. “Mas mesmo sem isso, sua capacidade de armazenar mana é descomunal. O treinamento pode aumentar nossas reservas de mana até certo ponto, mas ele quebrou todas essas regras.”

    “Então, por que ele não usa isso o tempo todo?” Disse Eriel, ainda intrigada.

    “Por causa do selo,” Zoe respondeu de forma direta. “Atualmente, ele está limitado. Sua capacidade de manipular a mana do ambiente foi completamente suprimida, assim como sua reserva total. Ele é forte agora, mas não está nem perto do seu verdadeiro potencial. Porém, já falamos bastante sobre ele. Vamos continuar acompanhando o treinamento.”

    Eriel concordou, mas não poderia evitar sentir curiosidade. Como Zoe sabia tanto sobre o rei demônio? A pergunta ficaria para outra ocasião.

    Desviando o olhar para o campo de treinamento, ela viu Seghav em ação. Ele se moveu com precisão, desviando dos ataques dos bonecos com uma graça que denotava experiência. Seu domínio no combate corpo a corpo era impressionante, o suficiente para colocá-lo em segundo lugar, logo atrás de Charlotte.

    Lethea, por sua vez, manteve distância estratégica. Cada boneco que se aproximava era destruído por magias elementais devastadoras. Apesar de sua força ofensiva, Lethea tinha habilidades de cura que a tornava uma figura necessária no time. Ela demonstrou um domínio avançado sobre a mana, conjurando até três feitiços simultâneos enquanto controlava sua reserva para evitar exaustão.

    Eriel sorri levemente ao vê-los. O progresso era visível, mas ainda havia um longo caminho a percorrer. O treinamento naquele mundo interno não foi apenas uma oportunidade de crescer, mas também uma lembrança constante de que o verdadeiro poder estava sendo testado, esforço, paciência e, acima de tudo, determinação.

    Cledberk permanece distante, canalizando a mana em seu corpo com foco absoluto. Seus movimentos eram tão rápidos que os bonecos de treino ajustados para um nível intermediário não tinham chance contra ele. Sem esforço, destruiu vários adversários, utilizando um estilo de luta que combinava magia potente com velocidade quase inumana. Ainda assim, por mais impressionante que fosse, sua velocidade só era superada por uma pessoa.

    Charlotte.

    Ela comandava o campo com uma eficiência crescente. Criando orbes de mana com destreza, ela os lançava na direção dos bonecos, mas não parava por aí. Antes mesmo que os orbes atingissem seus alvos, Charlotte já havia se aproximado, deferindo golpes rápidos e precisos nos bonecos. Sua técnica de luta era simplesmente avassaladora — velocidade, força e estratégia trabalhadas em perfeita sincronia.

    “Essa criança, Charlotte, é bem forte,” observou Zoe, com um brilho avaliado nos olhos. “Um tesouro para seu grupo.”

    Eriel concordou. Charlotte era inegavelmente a mais forte do grupo. Suas habilidades sobre-humanas e magia destrutiva foram colocadas em um patamar elevado.

    Como meu vice, ela poderia até mesmo me superar um pouco no tempo, pensou Eriel.

    “Não tenho tanta certeza,” Zoe interrompeu, com um sorriso enigmático. “O ‘Tempo’ é uma habilidade cruel. Falta experiência em Charlotte. Lutar contra um usuário como você, Eriel, é impossível.”

    Eriel refletiu. Não acreditava ser superior a Charlotte no combate direto, mas reconhecia o poder de sua habilidade. A capacidade de parar o tempo até que sua estamina e mana se esgotassem era um trunfo inigualável, permitindo que vencesse batalhas mesmo com pouca experiência tática.

    Os demais membros do grupo desistiram de seus treinamentos, e foi Seghav quem se aproximou de Zoe primeiro, cumprimentando-a com um ar formal.

    “Mais uma vez, estou honrado em conhecer uma existência superior”, disse ele, com uma reverência exagerada.

    “Vamos pular a bajulação”, respondeu Zoe, cortante. “Esse é meu domínio, garoto. Sei tudo sobre você.”

    Seghav vacilou, mas sua determinação brilhou em seus olhos. “Na verdade, sempre imaginei… Como seria lutar contra um ser superior?”

    Uma pergunta surpreendente. No mundo interno, Zoe possuía o poder absoluto. Ela não era a mesma Zoe que conheciam no exterior.

    “Oh? Você deseja descobrir?” Zoe riu, intrigada. “Saiba que sou o primeiro usuário do tempo. Meu controle sobre o ‘tempo’ é absoluto.”

    A declaração fez o ambiente parecer mais pesado. Eriel sabia o que isso significava. Usuários de habilidades primordiais eram raros, mas Zoe não era apenas uma usuária — ela era a primeira. Seu domínio sobre o tempo transcendeu qualquer limite.

    “Eriel,” Zoe chamou, lançando um olhar provocador. “Você já se perguntou por que os usuários de magia às vezes evitam lutar com ela?”

    “Não…”

    “Dependendo do local, é um risco usar magia destrutiva. Seres como o rei demônio ou a monarca dos vampiros, por exemplo, raramente usam sua verdadeira força por conta disso.”

    Eriel entendeu a lógica. A magia destrutiva do rei demônio havia sido capaz de destruir um planeta inteiro. Fazia sentido que magias de menor escala também possam causar grandes alterações no ambiente.

    “Mas no mundo interno, esse conceito não se aplica”, completou Zoe. Ela então se moveu até Seghav com um sorriso animado. “Vamos, quem mais quer experimentar o poder de um antigo dragão?”

    Cledberk e Lethea imediatamente levantaram as mãos, visivelmente animados.

    “Ela está certa”, disse Lethea com um brilho nos olhos. “Não é sempre que temos a chance de ver o poder do dragão do tempo, Aion.”

    “Estou muito curioso”, acrescentou Cledberk, sorrindo.

    Eriel suspirou, decidindo não entrevistar. “Tudo bem… Zoe, só não maltrate as crianças.”

    “Assim será, mas…” Zoe lançou um olhar provocador. “Saiba que nem mesmo você entenderá completamente o que vai acontecer. Este é o verdadeiro poder do Tempo. Algo que você alcançará no futuro, então preste bastante atenção.”

    Ela tomou distância dos três, claramente animada com o desafio.

    Eriel, no entanto, não conseguiu evitar um arrepio. Algo não está certo…

    “Está tudo bem mesmo?” Disse Lethea, sua preocupação evidente. “Ouvi dizer que o dragão do tempo é um pouco sádico em batalha.”

    Era verdade. Eriel sabia disso melhor do que ninguém. Durante seu próprio treinamento, Zoe sempre tornou os desafios cada vez mais difíceis, testando seus limites continuamente. Mas, ainda assim, havia uma centelha de confiança em Zoe.

    “Não precisa se preocupar”, disse Eriel, mais para si do que para Lethea. “Imagino que Zoe não será tão dura…”

    Zoe apenas sorriu, seus olhos brilhando com uma mistura de diversão e algo que poderia ser descrito como antecipação.

    Charlotte, normalmente reservada, tomou uma atitude incomum ao se aproximar de Eriel. Sua postura, sempre marcada por certa distância emocional, parecia agora mais aberta, embora hesitante.

    “Posso te pedir um conselho?” disse Charlotte, sua voz carregando uma nota de cautela que contrastava com sua habitual autoconfiança em combate.

    Eriel levantou as sobrancelhas, surpresa. “Claro, pode falar.”

    Charlotte desviou o olhar, como se buscasse coragem para continuar. “Não… Não agora. Posso visitar seu quarto mais tarde? Tem algo que quero lhe mostrar.”

    “Claro, fique à vontade para me visitar”, respondeu Eriel, mantendo o tom acolhedor.

    Embora fosse a líder do grupo, adorava momentos assim, de proximidade pessoal. A maioria a via como uma figura de autoridade, distante. A possibilidade de interagir com alguém em um nível mais pessoal parecia uma oportunidade rara, mesmo que houvesse uma diferença de idade óbvia entre as duas. Ou, ao menos, era o que Eriel supunha. Para demônios como Charlotte, que vivia em tempos diferentes, a ideia de juventude era relativa.

    Charlotte concordou brevemente antes de se afastar, enquanto Zoe chamava a atenção do grupo com uma entusiasmo que cortava qualquer distração.

    “Venham, crianças!” exclamou Zoe, sua voz carregando uma mistura de desafio e motivação.

    Os três, Charlotte, Lethea e Cledberk, avançaram sem hesitação. Todos estavam ansiosos para enfrentar o lendário dragão do tempo. Contudo, o que aconteceu a seguir foi tão rápido que mal pôde ser processado.

    {Lorde do Tempo}
    {Domínio do Tempo}

    Num piscar de olhos, os três estavam no chão, atordoados.

    Eriel se surpreendeu, mas estava confusa. Seu próprio poder relacionado ao tempo, o Lorde do Tempo, não havia se ativado, deixando-a completamente alheia ao que Zoe havia feito. A batalha sequer havia começado, mas os resultados já foram claros.

    Zoe caminhou até os jovens caídos, sua expressão alternando entre curiosidade e diversão. Ela se abaixou na frente de Lethea, erguendo suavemente o rosto da jovem com a ponta dos dedos.

    “Você é uma jovem experiência”, disse Zoe, seu tom carregado de interesse, “mas está longe de atingir todo o seu potencial.”

    Sem esperar por uma resposta, Zoe invocou uma magia de cura. Um brilho suave envolveu os três, e em segundos, todos os danos desapareceram.

    “Como eu queria estar viva neste momento”, comentou Zoe com um leve sorriso. “Eu seria uma ótima mentora para alguém tão especial quanto você.”

    Eriel observava em silêncio, intrigada. Zoe parecia enxergar algo em Lethea que nem mesmo ela, como líder do grupo, havia percebido. Talvez fosse uma experiência de um ser transcendental, capaz de identificar talentos ocultos ou potenciais inexplorados.

    Enquanto Zoe terminava de curar os outros dois, ela se manteve com uma energia quase provocativa.

    “Agora vocês sabem o que significa enfrentar o verdadeiro poder do tempo”, declarou Zoe, com um sorriso divertido. “Espero que você tenha aprendido algo importante.”

    ***

    O treinamento contínuo por mais algum tempo, mas, para Eriel, foi um tanto decepcionante. Apesar de ter a expectativa de testemunhar o verdadeiro poder de Zoe, a demonstração de suas habilidades terminou em poucos segundos. Era claro que Zoe dominava o Tempo de maneira tão sublime que nem mesmo o poder de Eriel, o Lorde do Tempo, conseguiu ser ativado enquanto Zoe utilizava sua magia.

    Isso não era algo totalmente inédito para Eriel. Ela lembrou de uma experiência semelhante com o Rei Demônio. Ele havia usado o Tempo, e Eriel, incapaz de reagir ao tempo, acabou atingida. Sempre ouvira dizer que o Tempo protege o usuário de qualquer interferência externa, mas o motivo desse princípio não funcionar para ela era um mistério constante.

    Depois do treinamento, Eriel foi para seu quarto. Com a intenção de relaxar, preparou café e alguns doces, buscando recuperar um pouco de energia.

    “Hora perfeita”, comentou Eriel, ao ouvir batidas na porta assim que finalizou o preparo. .

    “Por favor, entre,” disse, enquanto imaginava quem poderia ser. A surpresa se dissipou rapidamente ao ver Charlotte entrar. Ela se lembrou da conversa mais cedo, em que a garota mencionou querer visitá-la.

    “Oh? Você chegou. Estava esperando. Vamos, preparei alguns biscoitos e café”, disse Eriel, tentando manter uma hospitalidade tranquila, mesmo tendo esquecido completamente do encontro.

    Charlotte então disse: “Não será necessário. Estou aqui por um motivo específico.”

    “Entendi…” respondeu Eriel, preparando uma mesa de qualquer forma. Embora Charlotte tivesse deixado claro que não queria café, Eriel decidiu oferecer de qualquer forma.

    Sem rodeios, Charlotte retirou uma pequena pedra que estava em seu bolso de Eriel. Assim que viu, Eriel compreendeu o motivo do seu cansaço.

    “Você sabe o que é isso?” – disse Charlotte, segurando a pedra com cuidado.

    “Não sei, mas é estranho. Sinto que está drenando minha mana…” respondeu Eriel, sentindo o efeito quase palpável da pedra em sua energia.

    “Está, sim,” confirmou Charlotte. “Essa pedra é o núcleo de uma masmorra antiga. A masmorra drena toda a mana do ser que está aprisionado no local.”

    Eriel encarou a pedra com surpresa. Nunca ouvi falar de algo com propriedades tão únicas.

    “Ela vai servir para quebrar o selo em suas memórias”, explicou Charlotte.

    “Selo?” A confusão de Eriel era genuína. “Não me lembro de existir algo assim.”

    “O treinamento com seu irmão… Você lembra dele?” Disse Charlotte, sondando.

    “Claro”, respondeu Eriel, sem hesitar.

    Charlotte fez uma pausa antes de concordar. “Não foi ele quem treinou com você.”

    Eriel não podia deixar de rir levemente. “Acho que você se enganou. Não sou a pessoa que está procurando, pois não existe selo algum em minhas memórias.”

    Charlotte manteve a calma, mesmo diante da recusa inicial. Era claro que, para ela, essa questão era muito mais importante do que Eriel poderia imaginar.

    “Me dê apenas uma chance… Só você consegue salvar meu amigo”, pediu Charlotte, sua voz quebrada por um tom de tristeza que chamou a atenção de Eriel.

    Os olhos de Charlotte, carregados de um pesar sincera, despertaram um sentimento de responsabilidade na consciência de Eriel. Ela não tinha um motivo concreto para negar o pedido, mas também não sabia se seria um processo seguro.

    “… Tudo bem.”, Eriel respondeu, mesmo hesitante.

    Charlotte soltou um suspiro aliviado. “Ainda bem! Me desculpe por isso.”

    Antes que Eriel pudesse perguntar o que ela queria dizer, Charlotte murmurou uma invocação. “Apareça, Theo.”

    Das sombras de Charlotte, um lobo negro de dois metros surgiu. Sua presença era imponente, e seus olhos azuis brilhavam com intensidade. Ele não parecia agressivo, mas o olhar penetrante parecia ameaçador, como se avaliasse sua dignidade e força naquele instante.

    Dois pares de olhos mágicos observavam a cena. Quando Charlotte murmurou “Apareça, Lin” , um enorme tigre branco emergiu de suas sombras, tão imponente quanto o lobo negro, Theo. Era desconcertante perceber que não havia sentido a presença dessas bestas até agora. Histórias antigas falavam sobre o infortúnio de enfrentar uma única besta mágica de nível elevado, e ali, no pequeno quarto, havia duas. Era impossível prever o que aconteceria se alguém descobrisse isso.

    “Os dois vão destruir o selo”, disse Charlotte, com a voz de ajuda de determinação.

    {Charlotte, o mestre não permitiria a quebra do selo,} interveio Lin, sua voz feminina soando firme e imponente. A tigresa não era apenas uma besta mágica poderosa; sua presença transcendia o que poderia esperar de uma criatura comum.

    {Lin tem razão. Você aceitará o castigo que virá ao quebrar o selo?} Perguntou Theo, com um tom que misturava desafio e advertência.

    Charlotte concordou com firmeza. “Eu aceito.”

    {Assim será,} confirmou o lobo negro. Theo avançou, aproximando-se de Eriel. Seus olhos penetrantes a estudavam com intensidade, e sua aura parecia impossível de ser contida, preenchendo o ambiente com uma energia avassaladora.

    “Vamos começar”, declarou Charlotte. Uma aura – âmbar envolvendo a pequena pedra mágica em sua mão.

    {Lin, ativei minha magia de fortalecimento. Ajude Charlotte,} disse Theo, já preparando sua energia para canalizá-la.

    {Como quiser,} respondeu Lin, começando a entoar palavras em uma língua antiga e quase inaudível.

    A energia mágica no ambiente cresceu exponencialmente, e Eriel conseguiu sentir seu coração acelerar. Então, Charlotte virou-se para ela com um olhar grave.

    “A magia lançada em você é muito forte. Só é possível desfazer se você estiver realmente interessada. Me dê uma resposta agora: você deseja continuar com sua vida atual ou relembrar o passado?”

    O tom sério de Charlotte deixou claro o peso daquela decisão. Ela estava tremenda, seu rosto coberto de suor, enquanto sua magia lutava para romper o selo.

    {Rápido, garota, sua resposta!} Theo rugiu, sua voz grave reverberando pelo quarto.

    “Estou pronta!” respondeu Eriel, com uma firmeza que mal sentia por dentro.

    “Vai doer um pouco”, anunciou Charlotte, antes de liberar a magia na direção de Eriel.

    Uma dor lancinante tomou conta de seu corpo. Era como se milhares de agulhas perfurassem cada fibra de sua existência.

    “Haaaaa!” Eriel era incapaz de conter a agonia. Sua cabeça parecia à beira do colapso, e o sangue começou a escorrer de seu nariz. Seu corpo tremia descontroladamente.

    “Eriel!” Chamou Charlotte, uma preocupação evidente na voz.

    “Continue!” gritou Eriel em resposta, lutando contra a dor. Não havia mais como recuar.

    A dor aumentava a cada segundo, tornando insuportável manter a consciência. Por diversas vezes, sentiu-se prestes a apagar, mas sua determinação a mantinha agarrada à realidade.

    “Vamos, mais rápido!” O esforço de Charlotte parecia alcançar seu limite.

    Então, uma sombra negra começou a se formar no canto do quarto. Sua presença era distinta, e uma voz distorcida ecoava, trazendo uma sensação estranha de familiaridade.

    “Parece que você precisa de ajuda”, disse a sombra.

    “Z?” Disse Eriel. A criatura parecia transcender o que era físico, sua presença carregando um peso quase esmagador.

    {Liberar selo,} falou Z, lançando uma magia única e incompreensível. A dor em Eriel intensificou-se além do que imaginou ser possível, multiplicando-se em uma escala inimaginável. Sua mente parecia prestes a ser despedaçada, mas algo foi cortado dentro de sua cabeça.

    As memórias seladas por Azrael retornaram. A verdade por trás de seu treinamento com Ethan veio à tona: não era ele quem havia treinado Eriel. Era Azrael, o verdadeiro responsável por moldá-la. O choque dessa revelação encheu seu peito, e um turbilhão de emoções acompanhou as memórias restauradas.

    Eriel questionou os motivos de Azrael. Por que ele selara essas lembranças? Por que ele reescreveu o passado? Não fazia sentido que ele quisesse apagar sua identidade como mestre dela.

    “Parece que deu certo”, disse Z, observando-a com indiferença.

    “Ela vai desmaiar”, avisou Charlotte, enquanto Eriel, incapaz de sustentar seu próprio peso, começava a cair.

    Z a segurou antes que tocasse o chão. “Você vai para o mundo interno. Estarei lá te esperando”, disse, antes que a escuridão se envolvesse completamente e sua consciência se apagasse.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota