Capítulo 30 — Salto temporal Astral
Uma dúvida pairava sobre a mente de Eriel como uma tempestade silenciosa. Por que Azrael reescreveu minhas memórias? Essa pergunta não saiu de sua cabeça. Embora soubesse que ele provavelmente tinha suas razões, o silêncio era insuportável. Afinal, ela foi a mais afetada por aquela decisão. Não seria justo receber pelo menos uma explicação?
A única resposta que parecia plausível — “Eu selei suas memórias para que você me esquecesse” — soava como uma desculpa frágil e vazia. Azrael nunca fez nada sem um propósito, disso Eriel tinha certeza. Ele estava escondendo algo, e ela provavelmente descobriu o que era.
Quando abriu os olhos, descobriu que não estava mais no mundo real, mas em seu domínio interior: o Mundo Interno. Aquela era o único lugar onde sua vontade era absoluta, onde ela podia moldar tudo ao seu redor conforme desejava, como uma divindade suprema. No entanto, o estado daquele lugar reflete o caos de seus pensamentos.
As vastas o ambiente que antes transbordavam de vida agora estavam desoladas. As flores, que costumavam formar um tapete de cores vibrantes, tinham murchado, reduzidos a cinzas. As árvores majestosas, que costumavam alcançar os céus com seus galhos, estavam mortas, como esqueletos. Até mesmo a grama, que sempre fora de uma verde intensa, agora estava seca e sem vida.
O vento forte cortava o silêncio, batendo contra o rosto de Eriel com força e bagunçando seus cabelos. Irritada, ela segura os fios desalinhados de seus cabelos após um suspiro frustrado.
“Até aqui, o vento tem que me irritar?” murmurou para si mesmo.
Enquanto tentava entusiasmar seus pensamentos, algo chamava sua atenção. À distância, um imponente dragão branco apareceu, avançando com passos firmes. Seus olhos brilhavam como joias lapidadas, fixando-se nela com intensidade. Não era apenas um olhar, mas uma análise cuidadosa, como se ele tentasse compreender cada nuance de sua alma.
Zoe, ou melhor, Aion , o dragão do tempo, moveu-se com a tranquilidade de quem parecia saber mais do que dizia. Apesar de seu tamanho colossal e de sua presença quase divina, havia uma ternura em seu olhar, uma compreensão silenciosa que dizia: Eu sei que você está sofrendo.
Eriel desviou o olhar, lutando para não transferir sua raiva para Zoe. O dragão não era responsável pelo tumulto em sua mente, e ela sabia disso.
“Z, pediu permissão para entrar”, disse Eriel, com a voz firme, mas contendo cansaço.
Uma sombra ondulou no ar, revelando a figura enigmática de Z. Uma entidade, uma personificação do futuro, manifestando-se como um borrão de escuridão indistinta. Embora seu rosto fosse impossível de discernir, algo em sua postura transmitia hesitação. Ele parecia desconfortável com o ambiente ao redor.
“Seu mundo interno está assustador”, comentou Z, com uma voz baixa e distorcida, que reverberava como um eco distante.
Eriel não respondeu de imediato. Sabia que Z estava certo. Seu estado emocional havia contaminado aquele lugar, transformando-o em um reflexo de seu caos interno.
“Não precisa comentar o óbvio”, retrucou ela, cruzando os braços.
Z permaneceu em silêncio por alguns instantes, como se ponderasse o que dizer. Por fim, deu um passo à frente, aproximando-se de Eriel.
“Você ainda está remoendo as ações de Azrael, não está?”
Eriel cerrou os punhos, a expressão irritada.
“Claro que estou. Ele mexeu com a minha mente, Z. Você tem ideia de como é isso? Não se trata apenas de um selo. Ele apagou pedaços inteiros de quem eu sou e nem se deu ao trabalho de me dizer por quê. “
Z inclinou a cabeça, como se refletisse sobre as palavras dela.
“Azrael não fez nada sem um propósito. Se ele escolheu selar suas memórias, é porque acreditou que isso era necessário para o seu bem.”
“Meu bem? Para ele, talvez. Para mim, isso é só traição”, rebateu Eriel, com a voz cortante.
Aion, que observava a conversa em silêncio, inclinava levemente a cabeça, soltando um som grave e tranquilizador. Era como se o dragão quisesse acalmá-la, lembrando-a de que nem tudo precisava ser enfrentado com raiva.
Eriel fechou os olhos por um momento, respirando fundo. Sabia que o dragão estava certo. Carregar aquela fúria não levaria para algum lugar.
“Z, você sabe mais do que está dizendo”, disse Eriel, quebrando finalmente o silêncio.
“Talvez”, respondeu ele, enigmático. “Mas algumas verdades precisam ser descobertas por você mesma.”
Eriel estreitou os olhos, a paciência se esgotando rapidamente.
“Isso não é uma resposta, Z.”
“Nem sempre as respostas que você quer são as que precisa ouvir agora”, retrucou ele.
Aion soltou um rugido baixo, como se quisesse encerrar a discussão. Seu olhar voltou-se para Eriel, carregando um misto de expectativa e calma.
Eriel moveu a cabeça, encarando o dragão e depois a sombra que era Z. Talvez fosse hora de mudar sua abordagem, mas a sensação de que algo estava escondido ainda pesava sobre ela como uma sombra persistente.
“Você deveria se acalmar. Dói-me observar as lindas flores deste lugar murcharem devido à sua raiva”, disse Z, sua voz ressoando como um eco gentil, mas firme.
Eriel sabia que ele tinha razão. Por mais que a raiva fervesse dentro dela, não era justo descontar sua frustração no Mundo Interno, aquele espaço que refletia sua essência própria.
Respirou fundo, tentando organizar seus pensamentos. Como um reflexo no espelho, o ambiente respondeu imediatamente. As flores que estavam murchas começaram a desabrochar novamente, tingindo o campo com suas cores vibrantes. As árvores mortas recuperaram a vida, erguendo-se como gigantes majestosamente renovadas. Em instantes, o caos deu lugar à harmonia, e o mundo voltou ao que deveria ser.
“Bem melhor”, comentou Z, inclinando levemente a cabeça, como se apreciasse a vista.
Eriel não sabia ao certo como lidar com ele. Apesar de sua atitude aparentemente animada, havia algo que a deixava inquieta. Sua verdadeira identidade permanecia envolta em mistério, e isso a preocupava. Mostrar fraqueza ou frustração diante dele parecia perigoso, mesmo ali, onde ela era absoluta.
“Então, existe um motivo para eu estar aqui, certo?” Disse Eriel, com o tom direto.
É claro que havia um motivo. Ela não entrou no Mundo Interno por escolha própria. Zoe a convocara, mas não apenas isso. Assim que chegou, Z pediu permissão para entrar, e tudo aconteceu tão rapidamente que ela mal teve tempo de processar.
“Este lugar permite que você atinja todo o seu potencial”, explicou Z, gesticulando ao redor com um ar casual.
Eriel sabia disso. Dentro do seu Mundo Interno, ela tinha acesso a uma reserva infinita de mana, algo que nunca exploraria completamente. Não queria pensar que esse poder absoluto era sua verdadeira natureza, mas a verdade era clara: ali, ela era praticamente uma deusa. Nem mesmo Z, uma divindade suprema, poderia exercer poder sobre aquele espaço. Pelo menos, era o que Eriel acreditava.
“Aqui, vamos usar uma magia que vai interferir no mundo real e te levar para conhecer o passado”, anunciou Z, como se fosse algo simples e cotidiano.
Ao ouvir aquilo, Zoe, o imponente dragão branco, clamou-se abruptamente, emitindo um rugido que reverberou pelo espaço.
“Você não está pensando em…” começou Zoe, mas Z interrompeu com naturalidade.
“Sim. Proponho usarmos o Salto Temporal Astral. É uma habilidade que consome pouca mana e permite viajar para o passado.”
Eriel estreitou os olhos, confuso. Usar uma habilidade desse calibre parecia imprudente, especialmente em seu estado atual.
“Como exatamente você pretende usar a Viagem Astral?” questionou Zoe, com ceticismo na voz. “No mundo real, ela não tem poder suficiente para isso.”
“Ela ativará a habilidade aqui, no Mundo Interno, e em seguida se transferirá para o mundo real”, explicou Z, com a tranquilidade de quem já havia planejado tudo.
Eriel sabia que usar o tempo como magia era possível, mas também sabia que aquilo deveria ser prático e com concentração extrema. O tempo era uma das três forças primordiais, e manipulá-lo sem cautela poderia ter consequências devastadoras.
“O Deus Supremo proibiu influência no passado, lembra?” Zoe interveio, sua voz grave e preocupada.
Zoe tinha razão. Havia uma regra clara contra viagens ao passado com a intenção de alterá-lo.
“Ele apenas proibiu interferir no passado”, corrigiu Z, com um tom leve, mas firme. “Não me lembro de nenhuma regra contra observar. Não vamos influenciar nada, apenas olhar.”
Zoe parecia ponderar, mas a preocupação não estava distante de seus olhos.
“Sim, com a Viagem Astral é possível observar, mas… indivíduos poderosos perceberam a presença de Eriel, não?”
“De certa forma, sim”, admitiu Z. “Mas não sairemos da Terra. No passado, apenas Azrael teria poder suficiente para percebê-la, e mesmo assim, naquela época, ele ainda não tinha atingido um nível capaz de detectar presenças astrais.”
Embora a lógica de Z fosse sólida, o olhar de Zoe resistiu novamente ao se lembrar de algo.
“E Legion?” Disse ela, a voz envolta em desconfiança. “Tenho certeza de que ele poderia notar Eriel e informar Azrael.”
Z deu de ombros, como se já tivesse antecipado a questão.
“Deixe Legion comigo. Quando chegarmos ao passado, entrarei no Mundo Interno dele e falarei com ele e Nêmesis para não mencionarem nossa presença.”
O plano parecia sólido, mas Eriel não podia deixar de notar um detalhe crucial que ambos ignoram.
“Vocês estão esquecendo algo importante”, disse ela, cruzando os braços. “Eu não sei usar a habilidade necessária para realizar o salto.”
Z sorriu— ou pelo menos foi isso que Eriel imaginou, já que seu rosto permanece encoberto pela escuridão. Sem dizer nada, ele se moveu até ela, sua presença dominando o espaço.
“Tudo bem, vamos apenas seguir o seu plano… mas exatamente, qual é o seu plano?” Disse Eriel, desconfiada.
Z permanece em silêncio, os olhos de Zoe cravados nele como lâminas afiadas. O silêncio se alongou, tornando-se quase palpável.
“Suspiro… Tudo bem. Vamos continuar”, resmungou Zoe, frustrada.
“Então, vamos para a parte principal”, declarou Z, aproximando-se ainda mais de Eriel.
Ele levantou o dedo indicador e o pressionou suavemente contra a testa dela.
{Transferir Conhecimento}
Em um instante, uma torrente de informações invadiu a mente de Eriel. Era como se ela absorvesse anos de prática e estudo em um único momento. Uma habilidade que antes era um enigma agora parecia tão clara quanto o brilho do sol.
Eriel sabia não apenas como usar a habilidade, mas também todos os passos para aperfeiçoá-la eram claros em sua mente.
“Quando você ativar uma habilidade, você garantirá uma saída forçada do mundo interno. Dói muito fazer uma saída forçada, mas seja forte”, disse Z, aproximando-se com seriedade.
Zoe observou Eriel com um olhar firme. “Sei que existem muitas perguntas na sua mente. Tudo ficará claro nessa viagem.”
Ela continua, ajustando alguns detalhes invisíveis ao redor. “Vamos começar. Quando eu faço uma saída forçada, a maneira que você armazenou no seu corpo continuará lá. É essa mana que vai mantê-la na forma astral, então não desperdice.”
Eriel absorveu cada palavra, ciente do peso do que estava por vir. Sabia que quanto mais longe fosse a viagem, maior seria o consumo de mana.
Ela havia acumulado uma grande quantidade de mana em seu corpo, uma quantidade que certamente seria fatal no mundo real. Mas, no mundo interno, era possível utilizá-la sem grandes riscos. No momento em que Zoe realizava a saída forçada, toda aquela mana permanecia em seu corpo, sendo o motivo principal do que ela estava prestes a sentir.
Apesar disso, havia um benefício. Se tudo desse certo, sua capacidade de mana no mundo real aumentaria consideravelmente. Eriel sabia que teria que suportar a dor, rezando para que não durasse muito tempo, pois seria incapaz de se concentrar se ela fosse prolongada.
“Estou ajustando a nossa parada no passado. Por favor, ative a habilidade”, instruiu Zoe, com um tom de urgência.
Eriel respirou fundo. Depois de um tempo, finalmente estava pronto a conseguir as respostas que aguardava pacientemente.
Ao ativar a habilidade, sentiu toda a mana em seu corpo ser sugada. No mundo real, aquela quantidade de mana retirada poderia facilmente matá-la, mas ali, no mundo interno, não era algo com o qual ela precisa se preocupar.
Um círculo mágico em forma de relógio apareceu à sua frente. Os ponteiros começaram a girar no sentido anti-horário, e gradualmente, o destino que procuravam tomou forma em sua mente, influenciado pela presença de Z.
Com todos os requisitos completos, a viagem estava prestes a começar.
“Prepare-se! Vou expulsá-la do mundo interno”, alertou Zoe.
Eriel revestiu seu corpo com mana, enquanto Zoe fazia o mesmo.
“Vou encontrá-la no passado. Esteja preparada”, disse ela antes de sentir uma força surreal puxando seu corpo.
O mundo interno ao seu redor escureceu completamente, até que uma luz intensa ofuscou seu rosto.
A dor veio como uma onda, invadindo cada parte do seu corpo, como se cada membro estivesse sendo partido em pedaços. Cada parte de sua existência foi despedaçada, mínimas partículas de quem um dia se chamou Eriel.
A dor era aguda, dilacerante, e mesmo que quisesse gritar, não conseguia. Seu corpo estava sendo reconstruído, pedaço por pedaço, enquanto sua própria essência parecia desaparecer do mundo.
Então, algo mudou. A mana pura que percorreu seu núcleo começou a fluir violentamente. Não era a mana elemental de luz que ela dominava, mas uma mana primordial, a energia pura da atmosfera.
Era como se seu corpo estivesse sendo reabastecido por essa energia, enquanto a mana falsa do mundo interno era expulsa. A dor desapareceu de forma repentina, como se nunca tivesse existido.
Quando Eriel abriu os olhos, viu o ambiente escuro ao seu redor. A primeira coisa que notou foi Zoe, agora em sua verdadeira forma humana. Seus cabelos e olhos brancos brilhavam com um ar soberano, mesmo na escuridão. Ela parecia ter a mesma idade de Eriel, e seus rostos eram semelhantes, embora houvesse diferenças sutis que as distinguissem.
Zoe observou Eriel com surpresa, mas sua expressão logo se desfez quando seus olhos se fixaram em algum ponto na escuridão.
“Isso é?” Zoe falou, uma curiosidade evidente em sua voz.
Eriel, ainda ajustando seus sentidos ao novo ambiente, conseguiu enxergar o que Zoe já parecia notar com facilidade. “Você consegue ver algo?” ela disse.
“Você não? Está claro como o dia.” Zoe respondeu, quase com uma expressão de incredulidade. A resposta de Zoe fez sentido. Como um dragão, ela tinha habilidades aprimoradas, incluindo visão em ambientes de total escuridão. Eriel, por outro lado, sendo humano, não possuía essa capacidade.
“Está vindo.” Zoe disse com uma certa animação em sua voz. Sua postura se endireitou, como se estivesse se preparando para algo importante.
Eriel seguiu o olhar de Zoe, observando o local com atenção. Algo estava se aproximando, mas ela não conseguiu discernir o que era, embora o tom da voz de Zoe sugerisse que fosse algo significativo.
“Olhei bem, Eriel. Você vai ser uma das poucas pessoas que o viram nesse estado.” Zoe disse, sua voz soando mais tensa, quase reverente.
Antes que Eriel pudesse questionar mais, o som do metal rangendo ecoou nas suas costas, fazendo seu corpo tencionar com a expectativa. Mesmo assim, ela foi focada no que Zoe estava observando.
O silêncio parou por um breve momento, até que, de repente, várias tochas ao redor acenderam de uma vez, iluminando a escuridão com uma luz quente e trêmula. Eriel agora podia ver claramente o ambiente: uma grande caverna. O espaço era imenso, capaz de acomodar mais de cinquenta pessoas, com muito mais espaço sobrando.
Porém, o que realmente capturou sua atenção não foi a caverna, mas a figura no centro do local.
No meio da caverna, uma figura estava aprisionada. Correntes pesadas envolviam seus braços, pernas e garganta, restritas por poderosos selos de aprisionamento. Embora essas correntes limitassem seus movimentos, ele ainda parecia capaz de se mover de alguma forma. O que chamou ainda mais a atenção de Eriel, no entanto, foi a aura pesada que ele exalava, mesmo com a mana aparentemente esgotada.
A pressão emanada por aquela figura era inconfundível, esmagadora, imponente — uma presença que não poderia ser confundida, mesmo em um estado tão debilitado.
“Azrael?” Eriel sussurrou, o nome saindo de seus lábios com uma mistura de incredulidade e reconhecimento.
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