Capítulo 32 — Reencontro
Há um mês se passou desde que Azrael começou a viver com Mayla e Júlia. Durante esse tempo, Eriel manteve-se em sua forma etérea, observando de longe os acontecimentos. Invisível e impossível de interferir, ela apenas testemunhava os eventos enquanto eles se desenrolavam. No terceiro dia, algo inusitado chamou sua atenção.
Enquanto Azrael conversava com Mayla, ele interrompeu uma fala repentinamente. Um sorriso peculiar surgiu em seu rosto. Após confirmar que estava saindo da sala, ele caminhou até uma área isolada, onde ninguém poderia ouvi-lo ou vê-lo.
Azrael murmurou palavras baixas que não faziam sentido para Eriel, mas carregaram um tom enigmático.
“Então você deve estar desesperado. Nunca imaginei que receberia uma oração sua.”
Ele estendeu a mão e conjurou um pequeno círculo mágico. Um portal dimensional se formou diante dele, emitindo uma luz trêmula. Eriel observou com atenção enquanto o portal tomava forma, percebendo algo incomum. Não estava conectado a nenhuma parte do universo conhecido. Os símbolos gravadas ao redor indicavam um destino fora dos limites da existência comum, talvez até em outra dimensão.
Para sua surpresa, Azrael abriu um espaço dimensional e retirou de lá uma espada magnífica. A arma brilhava em tons de azul, com detalhes dourados e runas carmesim que obviamente pulsavam com uma energia quase viva. Com um movimento rápido, ele lançou a espada no portal com tanta força que Eriel esperou que o círculo mágico desmoronasse sob a pressão. Mas o portal continuou intacto.
“Esperei 200 longos anos para lhe mandar essa espada”, ele disse com um tom quase satisfeito antes de fechar o portal.
Depois disso, o mês seguio sem grandes incidentes. Azrael se dedicava à rotina tranquila com Mayla e Júlia, enquanto Eriel continuava observando. Com o passar do tempo, ela começou a ponderar se deveria avançar para um momento mais interessante. No entanto, quando menos esperava, algo aconteceu.
Azrael saiu de casa novamente, dirigindo-se à floresta. Lá, ele começou a conjurar outro portal dimensional. Desta vez, o feitiço consumiu toda a mana que havia acumulado ao longo de semanas.
“Devemos segui-lo”, murmurou Zoe, a companheira de Eriel na observação etérea.
“Certo”, respondeu Eriel, determinado a não perder nenhum detalhe.
Ao atravessarem o portal, o cenário mudou para uma nova floresta. Era um lugar diferente, com uma atmosfera que parecia moldada pela presença de Azrael. As árvores começaram a se reorganizar, formando uma clareza ampla. Usando magia, ele criou uma pequena casa de madeira, simples, mas funcional. Os móveis foram formados logo em seguida, completando o espaço.
Após terminar, Azrael fez algo ainda mais inesperado: alterou sua aparência. Ele mudou para a forma de um homem idoso, aparentemente pouco mais de sessenta anos. Sua aura desapareceu por completo, impossibilitando identificar qualquer traço de quem ele realmente era. Sentando-se em uma cadeira, ele esperou em silêncio.
Após cerca de trinta minutos, ouvi uma batida na porta.
Azrael se moveu calmamente e abriu a porta sem hesitação.
“Desculpe, estamos de passagem, mas logo vai escurecer. Gostaríamos de saber se podemos passar a noite em sua casa”, disse uma voz feminina. Havia cautela em seu tom, mas também uma nota de necessidade.
Azrael sorriu calorosamente.
“Claro. Faz tempo que não tenho companhia para o jantar.”
Com sua permissão, quatro pessoas entraram na pequena casa.
A primeira era a mulher que havia falado. Ela parecia ter cerca de 23 anos, com longos cabelos azuis que lembravam o céu em um dia claro e olhos verdes. Suas roupas, de estilo medieval, e sua postura graciosa sugeriam que ela era de origem nobre.
A segunda era uma menina que apareceu ter entre 10 e 12 anos. Seus cabelos negros e curtos escondiam parte de seu rosto, que exibia uma expressão apática. Sua figura frágil era acompanhada de um vestido branco simples e sapatos leves.
A terceira era outra menina da mesma idade, mas com cabelos e olhos brancos como a neve. Ao contrário da anterior, ela exibia um sorriso radiante e uma energia contagiante. Seu vestido curto e negro contrastava com sua pureza aparente, como se tivesse sido escolhido para acentuar essa dualidade.
Finalmente, o olhar de Eriel recai sobre a última figura, e uma onda de choque a atingiu.
Era um jovem que aparentava ter pouco mais de 17 anos. Seus cabelos eram negros como a noite sem estrelas e seus olhos eram vermelhos como sangue. Ele vestia um casaco branco sobre uma camiseta negra. Contudo, não eram suas roupas que a deixavam perplexa, mas sim o rosto. Ele era idêntico a Azrael. A semelhança era tão completa que parecia impossível ser apenas coincidência.
“Isso é…?” murmurou Eriel, sem conseguir desviar os olhos.
Algo profundo estava acontecendo, algo além de sua compreensão naquele momento.
Azrael convidou cordialmente ao perceber a hesitação de seus convidados e gesticulou para as cadeiras ao redor da mesa.
“Vamos, sente-se. Servirei algo para comer.”
Os quatro viajantes, visivelmente cansados, aceitaram a oferta com gratidão. Após preparar uma refeição, Azrael serviu pratos simples, mas reconfortantes. Ele próprio não tocou na comida, preferindo apenas observar os visitantes enquanto se sentava ao lado da mulher de cabelos azuis.
A conversa à mesa foi ganhando um tom animado, as crianças rindo entre si, e a mulher respondendo com uma leveza que parecia relaxar o ambiente. Contudo, em meio à descontração, algo inesperado ocorreu.
O jovem de cabelos negros, idêntico a Azrael, moveu o olhar, fixando-o no velho com brilho crescente. Sua voz encerrou o som das risadas ao redor.
“Vamos, Azrael. Por quanto tempo pretende manter esse disfarce?”
O “velho” não pareceu surpreso. Ao contrário, um sorriso animado iluminou seu rosto, como se ele estivesse esperando por aquele momento. Com um leve movimento, Azrael abandonou a ilusão, revelando sua verdadeira forma. As duas crianças ficaram boquiabertas, enquanto a mulher manteve uma expressão cautelosa.
“Eu sabia que você descobriria, cedo ou tarde, mas admito que me surpreendeu, Ex”, disse Azrael, divertido.
O jovem, chamado Ex, retribuiu com um sorriso sarcástico, cruzando os braços.
“Você nunca foi tão bom em se esconder de mim.”
Eriel, observando tudo em sua forma etérea, sentiu uma onda de surpresa. Zoe, ao seu lado, sussurrou, esclarecendo a situação.
“Ele é Ex. O irmão gêmeo de Azrael e o terceiro príncipe dos demônios.”
As duas garotas que acompanhavam Ex se enrijeceram, claramente desconfortáveis com a revelação. Notando isso, ele fez um esforço para suavizar sua expressão.
“Devo supor que você está envolvido de alguma forma?”
Azrael inclinou-se para trás, mantendo um sorriso amigável enquanto olhava de relacionamento para as duas garotas ao lado de Ex.
“É claro. Sou responsável pela criação deste lugar. Os habitantes me chamam de ‘Deus da Criação’, se bem me lembro.”
Ele fez uma pausa, como se relembrasse algo distante.
“Este planeta foi um presente do Deus Supremo. Eu o moldei à minha maneira, criando tudo o que você vê aqui.”
Antes que pudesse continuar, Eriel sentiu uma sensação desconcertante. Sua consciência pareceu para fora da linha temporal, como se o tempo estivesse se movendo em velocidade acelerada. Ela estava em silêncio, mas foi incapaz de captar o restante da conversa. Quando recobrou os sentidos, Azrael já havia deixado o local.
Zoe suspirou, parecendo um pouco curiosa com a ideia de continuar acompanhando a história de Ex.
“Devemos voltar. Já vimos o suficiente por enquanto.”
No entanto, algo aconteceu antes que pudesse sair. Eriel sentiu uma presença incomum, um par de olhos a olhavam de maneira penetrante. Ao virar-se, encontrou o olhar direto de Ex, que parecia enxergá-la através de sua forma etérea.
“Você parece um pouco diferente… É a versão passada ou futura ‘dela’? Não importa”, ele comentou, como se falasse sozinho, mas claramente dirigindo-se a Eriel.
Ela hesitou antes de responder. “Você consegue me ver?”
“Claro que sim.” Ele respondeu, desta vez com menos sarcasmo. “Mas não se preocupe. Falei com você porque sei que sua presença aqui não vai influenciar o passado ou o futuro deste mundo. Ainda assim, fique atento. Alguns outros podem percebê-la, assim como eu fiz agora.”
Eriel concordou lentamente. “Manterei isso em mente.”
“Mais uma coisa.” A voz de Ex se suavizou. “Cuide bem do meu irmão.”
Antes que pudesse responder, Eriel foi subitamente puxada de volta para o mundo real. A partida foi abrupta, mas a sensação confortável do lugar que acabou de deixar ainda permanecia.
“O que era aquele lugar?” murmurou, intrigada. “Parecia o ‘Mundo Interno’, mas ao mesmo tempo… diferente.”
Zoe respondeu, pensativa. “Não sei ao certo, mas uma coisa é clara. Azrael recuperou uma grande parte de sua mana apenas estando ali.”
Eriel permanece em silêncio, com a mente ainda presa nas palavras do Ex. Havia mais segredos envolvendo Azrael do que ela jamais poderia imaginar.
***
Cinco dias se passaram desde a pequena viagem de Azrael ao mundo estranho. Enquanto ele brincava com Júlia, que se aconchegava animadamente em seu colo, algo incomum chamou sua atenção. Ele sentiu uma presença.
Impressionante, pensou Azrael, sua expressão se tornando levemente séria. Um ser sobrevoava a Terra, sua aura imponente e a imensidão de mana faziam com que a própria presença de Azrael parecesse insignificante, como um grão de areia diante de uma montanha. Sua sensibilidade à mana tornou impossível ignorar o visitante.
Mesmo com sua curiosidade aguçada, Azrael hesitou em agir imediatamente, optando por observar. A cautela era visível em sua postura, embora ele mantivesse a compostura.
Mayla apareceu naquele instante, trazendo uma xícara de chá e interrompendo momentaneamente os pensamentos de Azrael. Ela lançou um olhar carinhoso para Júlia.
“Ela parece estar bem apegada a você”, comentou, sorrindo.
Azrael soltou uma risada discreta enquanto Júlia se aninhava em seus braços, rindo de algo que ele havia feito.
“Não sei o que fiz para ela ficar tão à vontade comigo”, respondeu Azrael, com um tom reflexivo. “Mas essa criança… é bem interessante.”
Ele relaxou por alguns instantes. Algo em Júlia havia chamado sua atenção desde que começaram a interagir mais. Sua mana, que parecia latente antes, havia despertado. Havia nela algo que instigava sua curiosidade.
Certamente, ela se tornará mais forte do que eu sou agora, pensou Azrael, avaliando a energia que parecia pulsar de maneira assustadora dentro da pequena garota.
Mayla notou o tom pensativo em sua voz, levantou uma sobrancelha.
“Entendi”, respondeu, antes de desviar o olhar.
Azrael se levantou, ainda segurando Júlia, e fitou Mayla com um leve sorriso.
“De qualquer forma, existe alguém que quero apresentar. Você me daria permissão?”
Mayla piscou, confusa por um momento, mas logo respondeu com um sorriso.
“Claro. Seus amigos são meus amigos. Mas… quando exatamente conheceremos essa pessoa misteriosa?”
“Agora.”
“Eh?”
Azrael não esperou para explicar. Ele simplesmente direcionou os olhos para o céu, sua voz firme, mas tranquila.
“Você tem a minha permissão. Venha.”
As palavras, embora parecessem direcionadas à Mayla, na verdade, não eram. Ela percebe isso quase imediatamente, seguindo o olhar de Azrael para o alto.
De repente, um círculo mágico brilhante começou a se formar no ar. Os olhos de Mayla se arregalaram em surpresa, enquanto Júlia, ainda no colo de Azrael, bateu palmas e riu, como se o considerasse responsável pelo espetáculo.
Do círculo emergiu uma figura imponente. Uma mulher deslumbrante que apareceu ter pouco mais de 22 anos se materializou lentamente. Seus longos cabelos rosados balançaram com o movimento, ocultando parcialmente seu rosto delicado, enquanto seus olhos carmesim pousaram relutantemente em Azrael.
Seu vestido luxuoso indicava claramente sua posição elevada, provavelmente uma nobre de alta classe demoníaca. Sua postura elegante exalava poder e sofisticação, mas também havia algo em sua expressão — um misto de hesitação e curiosidade.
Eriel, que observava tudo em sua forma etérea, sentiu uma sensação estranha. Eu já a vi antes… pensou, tentando se lembrar de onde poderia ter conhecido aquela figura enigmática.
Mayla, ainda assimilando a presença repentina da mulher, olhou para Azrael com uma mistura de surpresa e questionamento, enquanto Júlia, sem entender completamente a situação, ria, apontando para o círculo mágico que desaparecia lentamente.
“Já faz um tempo…”
A mulher se ajoelhou diante de Azrael, com um sorriso suave em seu rosto, e falou:
“Eu, Alice, saúdo o príncipe herdeiro.”
Alice? Como isso é possível?, pensou Eriel, surpresa. A imagem que vinha à sua mente era de uma garotinha com pouco mais de 11 anos. No entanto, a figura diante deles era uma mulher elegante e imponente, uma discrepância que desafiava sua compreensão.
“Vamos, Alice. Não há necessidade de fingir formalidades”, disse Azrael, relaxando um pouco sua postura.
Alice bateu levemente na própria cabeça e mostrou a língua em um gesto brincalhão.
“Haha! Isso foi engraçado”, comentou ela, rindo descontraidamente.
No entanto, o clima logo mudou quando a expressão de Azrael se tornou série, seus olhos observando Alice com atenção.
“Você não deveria estar no planeta, certo? Qual o motivo de vir até aqui?”
Alice suspirou, sua postura descontraída dando lugar a uma certa gravidade.
“Todos já sabem sobre o pacto que um certo demônio fez com um humano. O Deus Supremo decidiu permitir a interação com os humanos devido a esse pacto.”
“Isso significa…”
Azrael compreendeu imediatamente a implicação. O Deus Supremo havia revogado sua antiga lei de não interferência com os humanos, permitindo que as facções se envolvessem com eles.
“Não entenda errado…”, continua Alice. “As palavras do mensageiro foram: ‘Um demônio fez um pacto com um humano. A partir deste momento, minha lei sobre a não-intervenção foi revogada. Contudo, esse mesmo demônio tornou-se o protetor do planeta e dos humanos.’”
Azrael cerrou os punhos. A mensagem era clara. Por culpa do pacto que ele havia firmado, os humanos agora estavam envolvidos na disputa de poder entre as facções. Pior ainda, ele havia sido nomeado como o protetor da humanidade até que o pacto chegasse ao fim.
“Maldito seja o Deus Supremo”, murmurou Azrael, visivelmente irritado.
Notando sua expressão tensa, Júlia, que estava em seu colo, estendeu a mão e começou a acariciar a cabeça dele em um gesto inocente, tentando acalmá-lo.
“… Obrigado”, disse Azrael, sorrindo carinhosamente para a menina, que sorriu de volta com simplicidade.
Mudando de assunto, ele perguntou: “Então… como está Mana?”
Alice suspirou, desviando o olhar.
“Você deveria ir vê-la… e também resolver o problema de Naara.”
“Naara?”, Azrael repetiu, confuso.
Alice olhou para os presentes na sala antes de responder, o tom de sua voz estava carregado de preocupação.
“Naara está incontrolável. Por esse motivo, o conselho decidiu mantê-la presa em um quarto até o seu retorno.”
De repente, a aura de Azrael explodiu, preenchendo a sala com uma energia avassaladora. Até a mesma Mayla, que não deveria ser capaz de sentir tal força, notou a intensidade de sua mana.
“Naara está presa em um quarto… por 200 anos?”, perguntou Azrael, sua voz fria e cortante.
“… Sim…”, respondeu Alice, hesitante.
“O rei e a rainha não se opuseram?”
“Claro que sim! Papai e mamãe foram contra, mas o conselho e os nobres agiram todos de uma vez. Não houve escolha…”
O silêncio que se seguiu era opressivo. Azrael permaneceu imóvel, sua expressão vazia, enquanto todos os outros na sala se sentiam desconfortáveis, mas não ousavam dizer uma palavra.
Por fim, Azrael falou, com sua voz calma, mas carregada de uma determinação perigosa.
“Alice, posso pedir que você fique na Terra até que eu volte?”
“Claro… Pode agir como desejar. Papai já lhe deu permissão”, respondeu Alice, embora o tom de sua voz mostrasse um toque de cansaço.
Azrael franziu o cenho, desconfiado.
“Que tipo de permissão estamos falando?”
Alice suspirou, cruzando os braços.
“Sabe, Az? Você não acha que o conselho já atuou por tempo demais? Talvez esteja na hora de trocá-los.”
Os olhos de Azrael brilharam por um instante, como se considerassem as palavras de Alice com mais seriedade do que ela esperava.
“Oh?”
“O rei e a rainha estão em uma conferência com o Imperador dos caídos. Isso significa que eles ficarão fora por um bom tempo, sabe?”
Azrael sorriu ao ouvir as palavras de Alice, entendendo imediatamente o que ela queria dizer.
“Então, se eu agir agora, o rei e a rainha só saberiam quando voltarem da conferência?”
“E o que poderia fazer depois que tudo já tivesse acontecido? Todos sabem que você tem autoridade para fazer o que quiser.”
Azrael retirou Júlia gentilmente de seu colo e se voltou para Mayla.
“Me desculpe, mas eu tenho que sair por um tempo. Você pode confiar na minha irmã para manter nosso pacto até eu voltar?”
“Claro. Parece que uma amiga sua está com problemas, não é? Vá ajudá-la.”
“Obrigado…”
Azrael invocou um círculo mágico sob seus pés. A estrutura negra emanava sua aura sombria e sugava parte de sua mana, crescendo em intensidade.
“Fique neste planeta por enquanto. Logo voltarei, e poderemos conversar com mais calma.”
“Tudo bem. Mas visite o quarto de Mana. Ela está esperando há 200 anos. Seja gentil.”
Azrael desapareceu em meio à magia, e o ambiente ao redor mudou significativamente.
Mayla olhou para Alice, a preocupação evidente em sua expressão.
“Será que ele vai ficar bem?”
Alice apenas balançou a cabeça, como se já esperasse essa dúvida.
“Está tudo bem. Azrael não é forte apenas por causa da mana que possui. Mesmo enfraquecido, sua magia ainda funciona perfeitamente, e sua habilidade está intacta. Ele consegue cuidar disso. Tenha um pouco de fé.”
Quando o novo cenário foi revelado, eles estavam em um quarto espaçoso e desolado. Era muito maior do que o quarto de Mayla, mas não havia móveis ou decorações. Apenas uma cama grande no centro dominava o espaço, cercada por cortinas que impediam de ver quem estava deitado.
Azrael caminhou silenciosamente até o pé da cama e se sentou na cadeira ao lado. Com cuidado, ele move as cortinas, revelando uma mulher em um sono profundo.
Ela tinha longos cabelos negros como a noite, que caíam muito além de sua altura. Sua pele, pálida e delicada, contrastava com a serenidade de sua expressão. Vestia roupas finas que reforçam sua aparência de fragilidade e calma.
No entanto, algo além de sua beleza chamou a atenção. Mesmo dormindo, ela emanava uma aura intensa, preenchendo o quarto como um oceano de energia sem fim, quase palpável.
Azrael observava em silêncio. Seus olhos, geralmente firmes e controlados, agora mostravam uma tristeza profunda. Ele deslizou os dedos pela cortina, como se hesitasse em fechá-la novamente.
“Me desculpe, Mana… Mesmo depois de todos esses anos, ainda não consegui cumprir minha promessa.”
Seus murmúrios eram carregados de arrependimento.
Zoe, que também estava presente, cruzou os braços e suspirou antes de explicar.
“Ela é Mana. Uma garota que Azrael conheceu no passado. Ela está dormindo devido a uma magia que retarda os efeitos de um veneno mortal…”
Eriel olhou para a mulher e para Azrael, absorvendo as palavras.
“Então é assim…”
“Mana foi a primeira pessoa que Azrael conheceu, e foi graças a ela que ele conheceu Noir. Ela é muito importante para ele.”
Eriel continuou observando, tentando entender a profundidade daquela relação.
“Isso é muito triste…”
Zoe balançou a cabeça, concordando parcialmente.
“O que mais dói é que ele prometeu tirá-la desse sono quando encontrasse uma cura. Mas o veneno no corpo dela não tem cura até agora.”
Azrael continua em silêncio ao lado de Mana, o olhar perdido entre tristeza e determinação.
Azrael se aproximou de Mana com cuidado, como se qualquer movimento brusco pudesse quebrar a serenidade naquele momento. Ele passou os dedos pelos longos cabelos negros que emolduravam o rosto da jovem adormecida, afastando delicadamente uma mecha que havia caído sobre sua testa. Sua expressão suavizou por um instante, revelando um misto de nostalgia e tristeza.
“Você parece bem…”, murmurou, sua voz carregada de melancolia. “Consigo imaginar o momento em que acordar… Será como no passado, quando você era a alegria de todos que a conheciam.”
Ele permaneceu ali por mais alguns segundos, olhando para Mana como se buscasse forças no rosto sereno dela. Finalmente, respirou fundo e se afastou da cadeira, os movimentos pesados com a culpa que parecia carregar.
“Me desculpe… Tenho que sair para resolver alguns problemas.” Ele fez uma pausa, a voz quebrando brevemente. “Logo encontrarei uma cura, então, por favor, seja paciente… Na verdade, você não tem escolha além de esperar… por minha culpa.”
Azrael saiu lentamente, caminhando em direção à porta. Antes de abrir, olhou para trás uma última vez, como se quisesse gravar aquela imagem em sua mente.
“Até logo, Mana.”
Ao abrir a porta, ele foi imediatamente confrontado por uma figura que parecia estar esperando por ele. A presença era inconfundível; uma aura densa de escuridão envolvia o corredor, e Azrael reconheceu imediatamente a identidade da pessoa.
“Noir…”
Mas ela não era mais a criança de aparência frágil que Eriel conhecia. À sua frente estava uma jovem mulher, claramente mais velha, aparentando cerca de 18 anos. Seus cabelos negros, que refletiam sua conexão com a mana da escuridão, brilhavam intensamente sob a pouca luz do corredor e seus olhos azuis transmitiam uma tranquilidade quase conflitante com sua expressão.
“Mestre!”
Sem hesitar, Noir seguiu em direção a Azrael, jogando-se em seus braços. Ela o envolveu em um abraço apertado, as lágrimas escorrendo por seu rosto enquanto seus joelhos cederam. O impacto emocional de vê-lo novamente após tanto tempo parecia ser mais do que ela poderia suportar.
“Zoe, por que Noir e Alice parecem tão jovens no futuro?”, perguntou Eriel, que observava a cena ao lado de Zoe em sua forma etérea. Sua voz estava tingida de curiosidade, mas também de uma pontada de dúvida. “Será que Azrael tem algum fetiche por crianças?”
Zoe soltou uma risada abafada, divertida com o comentário inesperado.
“Fufufu! Engraçado, mas não é isso. Noir assume uma forma infantil quando Azrael está fraco. Como eles têm um contrato de alma, o estado dele afeta diretamente a energia dela. Naquela forma, ela preserva mana, aliviando a carga sobre ele. Quanto à Alice… Bem, ela gosta de interpretar o papel de irmã mais nova, então altera sua aparência de propósito.”
“Entendi…” Eriel concordou lentamente, mas seu tom sugeriu que ainda havia alguma dúvida pairando em sua mente.
Enquanto isso, Noir finalmente recuperou alguma compostura. Apesar de ainda estar emocionalmente abalada, sua voz soou clara enquanto se endireitava nos braços de Azrael.
“Noir, onde está Sonne?”, perguntou ele, sua voz agora firme, mas gentil.
“A última vez que a vi foi no jardim do palácio. Deseja vê-la?”, respondeu Noir, limpando os olhos rapidamente enquanto tentava esconder sua emoção.
Azrael balançou a cabeça levemente, seu olhar distante.
“Ainda não. Vamos até o conselho primeiro.”
Noir concordou, ajustando sua postura enquanto se preparava para acompanhá-lo. A conexão entre os dois era evidente, pois anos de distância não pareciam diminuir o vínculo profundo que compartilhavam.
Eriel e Zoe acompanharam, observando como testemunhas silenciosas.
“Ele ainda carrega tanto peso nas costas…”, murmurou Zoe, o tom de sua voz entre pena e admiração.
O silêncio envolveu o quarto novamente, deixando apenas a presença de Mana, imersa em um sono profundo, enquanto o destino move suas peças no tabuleiro do tempo.
***
Naara
Naara observava as paredes escuras e vazias do quarto. Cada rachadura, cada sombra parecia um lembrete cruel de sua condição. Por quanto tempo mais conseguirei suportar isso? Pensou, o peito apertado com a angústia. Seu único desejo era ser livre. Nada mais importava.
Mas ela sabia que não poderia fazer isso sozinha. Precisava esperar pacientemente. Somente quando a porta se abrisse, teria certeza de que seu senhor a libertaria. Até lá, preciso que se apegar à paciência, mesmo que ela pareça mais frágil a cada dia.
Deitou-se no chão frio, sentindo o desconforto penetrar em sua pele, e voltou o olhar para a única janela do quarto. A luz pálida da lua atravessava a janela, espalhando sombras pelo chão. Era impossível não se lembrar daquela noite, a noite em que tudo mudou.
Em uma noite como esta. A lua estava magnífica no céu negro, brilhando como uma testemunha silenciosa.
Naara estava acorrentada dentro da cela, seu corpo cansado e marcado pelo cativeiro, quando sentiu uma presença desconhecida. Seu coração disparou. Será que meus pais finalmente decidiram se livrar de mim?
Filha mais nova de uma família que a escondia do mundo, Naara era temida por seu poder, uma habilidade que acreditavam ser incontrolável. Pelo menos, era o que eles pensavam. Ela, na verdade, dominava sua habilidade desde os 11 anos, mas escolheu esconder isso. Por que revelar algo para que me vendam como uma mercadoria?
Sua família planejava vendê-la como uma arma, um troféu vivo a ser usado em suas ambições.
Quando a porta da cela se abriu, ela sentiu o ar de mudar. Não era o desprezo familiar que a esperava, mas algo muito mais assustador. Sua visão foi atraída para a figura de um homem cuja presença parecia dominar o espaço inteiro.
Ele emanava poder. Não, mais do que isso — ele era o poder personificado. Por um momento, Naara pensou que estava diante de um deus. O ar ficou pesado, quase insuportável. Até mesmo seu pai, um guerreiro que lutou na Grande Guerra e não temia nem o próprio Lúcifer, tremia diante daquele homem.
E então, ele olhou para Naara.
O pavor tomou conta dela. Este é meu fim, ela pensou. Eles finalmente perceberam que não podiam me usar e trouxeram esse monstruoso para me matar.
A cada passo que ele dava em sua direção, seu corpo tremia, como se as correntes que a prendiam também estivessem tentando fugir.
Estou mesmo pronta para morrer? A pergunta ecoou em sua mente, sem resposta.
Mas então, algo mudou. Assim que o homem se aproximou o suficiente para que ela sentisse sua respiração, a aura esmagadora desapareceu. O frio ao redor parecia se dissipar, e Naara percebeu que ele não tremia como seu pai. Ele estava completamente calmo.
Ela olhou para o seu rosto e encontrou os olhos dele — um vermelho profundo, intenso, quase hipnótico. Eles observaram sem pressa, mas também sem hesitação.
Ele é bonito, pensou, quase rindo da ironia da situação. Ao menos, meu fim será pelas mãos de um homem bonito.
Involuntariamente, um sorriso se formou em seus lábios. Foi um erro. Ele viu.
No entanto, o olhar dele não carregava ameaça para ela. A aura sufocante foi direcionada para as pessoas atrás dele. Seu pai. Sua mãe. Uma família que a traíra.
O homem se moveu ainda mais, até que seus lábios ficaram próximos ao ouvido de Naara. Sua voz era baixa, mas carregava uma força imensa:
“Você deseja vingança?”
Ela não conseguiu esconder a surpresa. Seu coração vacilou, e ela olhou diretamente nos olhos dele, como se buscasse alguma explicação para aquelas palavras.
“Você deseja vingança?”, ele repetiu, agora com mais firmeza.
As lágrimas que Naara havia segurado por tanto tempo finalmente vieram, como se ele tivesse aberto uma porta em sua alma. Aquelas palavras eram como um choque de realidade. Sim, ela desejava vingança. Mas até aquele momento, nunca ousara admitir isso nem para si mesma.
Tentou levar as mãos ao rosto, mas as correntes prenderam seus movimentos, reforçando sua impotência.
Então, com um simples gesto, ele destruiu as correntes. O som metálico ecoou pela cela, enquanto as algemas caíram ao chão. Pela primeira vez em anos, Naara estava livre.
E, pela primeira vez, ela sentiu que tinha uma escolha.
“Eh!?”
Naara viu que estava livre, mas seus olhos ainda relutavam em acreditar. As correntes foram destruídas, os grilhões que a prenderam por anos agora jaziam no chão.
“Você deseja vingança?”, a voz firme ecoou novamente.
Sem pensar, ela avançou e o abraçou com força. Seu movimento foi impulsivo, pegando o homem de surpresa. Mas ele não recuou, nem tentou impedi-la. Havia uma estranha segurança em sua presença, uma certeza de que, mesmo que ela tentasse atacá-lo, ele não desviaria.
Enquanto soluçava, sua voz saiu fraca, quase inaudível:
“Si-sim…”
Ele não parecia satisfeito. “Eu não ouvi.”
Com os olhos cheios de lágrimas e o coração pulsando com uma mistura de medo e esperança, ela respondeu com força:
“Sim! O que mais desejo é vingança!”
A sombra do homem se contorceu e, diante de seus olhos, tomou a forma de um lobo negro colossal, com pouco mais de dois metros. A criatura se moveu em um instante, rápido demais para que Naara pudesse acompanhar. O som de algo pesado caindo no chão ecoou pela cela.
Ela virou-se, atônita, para a direção onde seu pai estava. O corpo dele ainda estava ali, mas sua cabeça rolava pelo chão, uma cena que a fez prender a respiração.
O lobo negro voltou para a sombra de seu mestre, dissolvendo-se em um movimento fluido. O homem inclinou-se levemente a cabeça em direção à criatura sombria e murmurou:
“Obrigado”.
Ele então se retraiu, seu olhar foi direcionado para Naara, e estendeu a mão em sua direção.
“Vamos. Vou te levar para um lugar seguro.”
Esse foi o dia que mudou sua vida para sempre. O dia em que conheceu Azrael.
Naara jamais esqueceria. Foi o dia mais feliz de sua existência. Aquele dia marcou o fim de sua família, completamente aniquilada por Azrael, mas ela não sentiu tristeza ou remorso. Sentia apenas gratidão. Ele não era apenas seu Salvador; Azrael era seu mestre, seu amigo, sua família.
Se ele lhe pedisse para morrer, ela morreria com um sorriso no rosto.
Mas agora, duzentos anos se passaram. Duzentos anos sem Azrael. Os dias eram longos, intermináveis, sem sua presença.
De repente, algo chamou sua atenção. Sentiu a proximidade de algumas presenças. Não eram comuns — as forças que emanavam daquelas pessoas colidiam umas com as outras, como ondas tentando dominar o mesmo espaço. Eram auras impressionantes, esmagadoras.
Ainda assim, o que realmente capturou sua atenção foi uma aura diferente. Entre as energias intensas, havia uma aura minúscula. Pequena, sim, mas absolutamente impenetrável.
Era como se as auras poderosas não conseguissem invadir aquele espaço diminuto. A densidade dessa aura era crescente, carregando uma fúria que fazia o corpo de Naara tremer. Ele está irritado, percebe, e um calafrio percorreu sua espinha.
Poucos segundos depois, a porta de seu quarto se abriu lentamente. Rostos familiares apareceram, cada um trazendo consigo uma força imponente. Zenith, Nain, Noir e Sonne. Ela conhecia todos eles.
Mas seu olhar fixou-se no homem que liderava o grupo, aquele cujo sorriso preocupado fez suas pernas fraquejarem. Naara caiu de joelhos, incapaz de se conter.
“Az…” Sua voz saiu como um sussurro.
Azrael caminhou calmamente até ela, seus passos ressoando no silêncio. Quando ele parou, estendeu a mão, como fez no passado.
“Naara, quer me ajudar com essa vingança?”
Ela tentou esconder o rosto, os olhos ainda marejados, mas sua determinação ardendo como fogo.
“Por você, eu desafiaria os deuses e até o Deus Supremo.”
Azrael esboçou um pequeno sorriso. “É bom saber, mas ainda não é hora para algo tão extremo. Vamos começar pelos pequeninos… os membros do Conselho Demoníaco.”
Azrael caminhava à frente do grupo com passos firmes, cada movimento irradiando autoridade. Mesmo em sua fase mais fraca, ele exalava uma presença que parecia sufocar o ambiente. Os corredores pareciam se curvar à sua passagem, e aqueles que cruzavam seu caminho, desviavam o olhar, incapazes de sustentar sua intensidade.
Ao entrarem na sala de reuniões, um burburinho de vozes enchia o ar. Os 24 anciões do conselho demoníaco discutiam, suas vozes firmes e imponentes. Contudo, no instante em que Azrael atravessou as portas, o silêncio caiu como uma cortina.
Sem sequer olhar para os presentes, Azrael caminhou até o trono destinado ao rei e sentou-se, um ato que nenhum outro ousaria cometer. Ele descansou a cabeça na palma da mão, seus olhos analisando cada rosto na sala. Uma postura casual não era sinal de desrespeito, mas de uma confiança inabalável, como se o próprio espaço existisse apenas para ele.
Além dele, seus seguidores se alinharam, formando uma barreira imponente. Mas todos sabiam a verdade: Azrael não precisava de guardas. Eles estavam ali apenas como ornamentos, símbolos de sua capacidade de comandar os mais fortes sob suas asas.
“Vamos começar…” Sua voz era baixa, mas transmitida de uma força que fazia o ar parecer mais denso.
Os antigos permaneciam imóveis, seus olhares fixos em Azrael. Mesmo os mais destemidos entre eles hesitaram em demonstrar desrespeito. Ele continuou, seu tom agora com um toque de ironia:
“Toda essa situação é curiosa, não acha? No passado, executei vários nobres em uma reunião bastante parecida…”
Um dos anciões, talvez acreditando que poderia quebrar a tensão, interrompeu:
“Meu senhor—”
“Calado.”
A palavra saiu como um açoite, e antes que qualquer outra palavra pudesse ser dita, Nain deu um passo à frente. Sua sede de sangue inundou a sala, esmagando todos os presentes. Até os mais poderosos anciões estremeceram sob a pressão.
“Você ousa falar antes de Azrael terminar suas palavras?”, rosnou Nain, seus olhos ardendo com indignação.
Ao lado dele, Zenith lançou um olhar mortal ao ancião, o desprezo estampado em sua expressão.
Azrael estendeu uma mão, um gesto simples, mas suficiente para silenciar qualquer outro som na sala. Ele voltou seu olhar gélido para os anciões, a calma em sua voz escondendo uma fúria contida:
“Vamos ao ponto principal. Ouvi dizer que vocês, com a ajuda de alguns nobres, mantiveram Naara presa por 200 anos. Essa informação está correta?”
Naara, que estava ao lado, sentiu o peso de sua raiva, ainda que ele não a demonstrasse diretamente.
“Príncipe, por favor, entenda”, começou um dos anciões, a voz trêmula. “Naara… o Cavaleiro da Morte… Ela é incontrolável. Nossa única escolha para manter a nação segura foi aprisioná-la até o dia de seu retorno.”
Azrael inclinou levemente a cabeça, um sorriso frio brincando em seus lábios. Ele analisou o velho por um momento, antes de finalmente responder:
“Gostei de você.”
O sorriso no rosto do velho foi breve quando o sorriso de Azrael desapareceu, substituído por uma expressão mortal.
“Agora… É uma ordem, morra…”
O velho congelou, mas seu corpo começou a se mover por conta própria. Um pequeno orbe de energia se formou em sua mão direita, e ele o usou para perfurar seu próprio peito. O corpo tombou no chão, e o sangue se moveu lentamente pelo carpete.
Sem desviar o olhar, Azrael direcionou suas palavras a Naara:
“É verdade que você só recebe ordens minhas?”
“Sim”, respondeu Naara sem hesitação.
“Então, me diga, sem mentiras: você destruiria os demônios em minha ausência?”
“Se fosse uma ordem? Sim. Se eles tentassem algo para lhe prejudicar? Sim.”
“E se nenhum desses requisitos fosse atendido?”
“Eu nunca machucaria um demônio.”
Azrael voltou sua atenção para os velhos. Sua voz cortou o silêncio como uma lâmina:
“Vocês já têm sua resposta?”
Os antigos trocaram olhares nervosos, a verdade agora evidente. Um deles tentou recuperar o controle da situação:
“Meu senhor, o rei e a rainha aceitaram nossa proposta.”
Naara compreendeu imediatamente o que Azrael fez: eles foram forçados a ceder.
“Entendo…” Azrael sorriu de forma brilhante, quebrando momentaneamente o clima opressivo. Contudo, a leveza em seu semblante foi rapidamente trocada por algo muito mais sombrio.
“Contudo…”
A intenção assassina que emanou de Azrael encheu a sala, esmagando os anciões com sua presença. A opressão era tão intensa que mesmo os mais poderosos lutavam para respirar.
“Não posso punir meus pais, posso?”
Ele se levantou do trono, sua figura imponente dominando o ambiente. Seu olhar varreu a sala, e os anciões estremeceram sob o peso de sua autoridade.
“Já chega.” Ele deu um passo à frente, sua voz denotada de uma força inquestionável. “Isso é uma ordem para todos os membros do conselho.”
Os antigos sentiram o peso daquelas palavras, cada um deles sabia o que estava por vir.
“Morram.”
Sua ordem ecoou pela sala, absoluta e irrefutável. Um a um, os corpos dos anciões tombaram ao chão, suas vidas arrancadas pela força da vontade de Azrael.
Ele voltou ao trono, sentando-se com a mesma naturalidade de antes, como se nada tivesse acontecido. O silêncio reinou absoluto, exceto pelo som das respirações tensas dos que restaram na sala.
Naquele momento, ficou claro para todos que Azrael não era apenas um líder ou um príncipe. Ele era uma força da natureza, um ser que não precisava de mana ou armas para ser temido. Mesmo em sua fase mais fraca, ele foi a encarnação do poder absoluto.
“Fale com o rei para escolher novos membros para o conselho,” pediu Azrael com uma calma inabalável.
“Entendido”, respondeu Nain.
“E peça para os guardas limparem essa bagunça.”
Após a ordem de Azrael, Nain inclinou-se em reverência antes de sair da sala para transmitir as instruções.
Com a sala esvaziando-se lentamente, Azrael suspirou, lançando um olhar crítico ao ambiente manchado de sangue e cheio de tensão residual. Ele apoiou a cabeça em uma das mãos, em um gesto de cansaço que contrastava com sua postura imponente.
“Pessoal, tenho algo para falar…”
O silêncio foi imediato. Todos na sala voltaram sua atenção para ele, aguardando suas próximas palavras com respeito e reverência.
“Não vou ficar no palácio por um tempo”, anunciou. “Mas tenho algumas ordens para vocês.”
Houve um breve murmúrio de surpresa entre os presentes, mas uma atmosfera controlada. Mesmo assim, era impossível ignorar a mistura de colapso e melancolia que permeava a sala. Azrael estava livre de seu exílio, mas sua partida ainda pesava nos corações de seus seguidores.
“Zenith”, começou, voltando seu olhar para o cavaleiro mais disciplinado. “Quero que você cuide pessoalmente de Mana.”
“Entendido”, respondeu Zenith sem hesitação, já preparado para cumprir a missão com eficiência.
“Naara,” contínuo Azrael, virando-se para ela. “A partir de hoje, você cuidará da sua região e receberá ordens apenas do rei.”
Naara assentiu, um sorriso contido em seus lábios. Mesmo anos após o exílio, o orgulho que sentia pela confiança de Azrael era inegável.
“Entendido. Não pude cuidar da minha região por estar presa, mas sei que o conselho se manteve funcional. Apesar disso, vou mostrar aos nobres quem é que manda.”
Azrael sorriu levemente. Ele sabia que, com Naara no comando, a região estaria em boas mãos.
“Naara, você pode me visitar quando quiser. Estarei te esperando.”
“Agradeço a oferta”, respondeu ela, a voz compartilhada de firmeza. “Mas minha região deve estar um caos devido à influência do conselho. Quando tudo estiver de volta ao seu estado original, farei uma visita.”
“Entendi. Espero que tudo seja resolvido rapidamente”, respondeu Azrael, com sinceridade em sua voz.
Naara arqueou uma sobrancelha, um brilho confiante em seus olhos.
“Sou um de seus cavaleiros, Azrael. Você acha que não podemos resolver nossos problemas com rapidez?”
Azrael riu, levemente envergonhado pela resposta direta.
“Foi estupidez para mim. Perdoe.”
“Está perdoado”, disse Naara, relaxando sua postura, mas mantendo o tom firme.
Por fim, Azrael voltou-se para Noir e Sonne.
“Vocês dois, estarão comigo.”
as duas responderam em uníssono, sem hesitar:
“Entendido.”
Naara observou as duas se aproximando de Azrael, percebendo uma pontada de inveja. Contudo, ela sabia que a sua responsabilidade era igualmente importante.
Enquanto os preparativos se encerravam, Naara permitiu-se um momento de reflexão. Apesar da saudade e do desejo de permanecer ao lado de Azrael, sabia que ele precisava de paz para recuperar suas forças. Manter os cavaleiros mais fortes longe dele era uma decisão estratégica, que poderia livrá-lo de problemas futuros.
Ver Azrael partir novamente seria doloroso, mas Naara tinha toda a eternidade pela frente. Dez, vinte, trinta anos – ou mesmo cem – não eram nada comparados à alegria de vê-lo livre e em segurança.
O estado de Azrael, sua localização, ou mesmo se ele voltaria. Seu exílio foi cruelmente arquitetado. E, mesmo quando a verdade foi revelada, o local de seu confinamento continuou um mistério.
Agora, porém, a esperança era clara. O reencontro não era mais um sonho distante.
Até o dia do nosso próximo encontro, meu querido mestre e amigo, pensou Naara, enquanto Azrael se retirava.
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