Índice de Capítulo

    Todos os anjos que estiveram na sala de encontro momentos antes acompanharam a comitiva até o salão principal do castelo. Eriel caminhava em silêncio, ouvindo as sugestões da conversa entre Metatron e Gabriel, que lideravam o grupo à frente. Não estava interessado no que discutiam, então desviou sua atenção para os arredores.

    O chão do castelo parecia ser feito de ouro, brilhando com um esplendor celestial, enquanto as portas e paredes estavam incrustadas de pedras preciosas. O excesso desses materiais indicava que, naquele lugar, itens de valor inestimável na Terra eram insignificantes.

    “Você deveria perguntar. Não sou um mensageiro que aproxima as pessoas.”

    A voz de Azrael cortou o silêncio, fazendo Eriel erguer o olhar por um instante. Seus olhos cruzaram-se brevemente com os de Jofiel, que vinha logo atrás. Com um sorriso animado, Jofiel acelerou os passos até alcançá-la, igualando-se ao seu ritmo.

    “Eriel… Posso falar com você?” A voz dela era tímida, quase hesitante.

    “Claro.”

    Eriel inclinou-se para levantar a cabeça, curiosamente. Afinal, estava diante de um anjo de alto nível, e a oportunidade de uma conversa parecia interessante.

    “Notei que seu poder é o ‘Tempo’. Como é carregar uma habilidade primordial?”

    Uma pergunta surpreendente. Eriel não pensava sobre seu dom dessa forma. Para ela, sempre foi mais um fardo do que uma vitória. A restrição de seu corpo humano impossibilitava usar o verdadeiro potencial de seu poder.

    “Um fardo… Com este corpo humano, não posso usar meu poder como deveria.”

    “Entendi…” Jofiel respondeu com um tom compreensivo. “Na Grande Guerra, eu vi Lúcifer usar sua habilidade. Posso imaginar o impacto que algo desse nível teria sobre um corpo humano. Seu poder está no mesmo patamar do dele. Isso é… impressionante.”

    Os olhos de Jofiel brilhavam de interesse, mas Eriel desviou o olhar, inquieta. Não queria alimentar expectativas. Se fosse de uma raça superior, seu poder poderia atingir níveis inimagináveis, mas sua condição humana limitava-a profundamente.

    Jofiel, percebendo a tensão, mudou de assunto. “Soube que minha irmãzinha tem grandes expectativas sobre você…”

    “Irmã?”

    Eriel ficou surpresa. Até aquele momento, não tinha conhecimento de outra figura relacionada a Jofiel. Até algumas horas atrás, os anjos eram figuras que ela conhecia apenas por relatos e textos antigos.

    “Oh! Você não sabe quem é minha irmã?”

    “…”

    O silêncio de Eriel fez Jofiel sorrir de maneira divertida.

    “Charlotte.”

    “!!??”

    As palavras de Jofiel a chocaram. Charlotte, irmã de Jofiel? Era difícil de acreditar, mesmo ouvindo diretamente dela.

    “Isso significa que seu pai é–”

    “Asmodeus? Sim.” Jofiel confirmou com naturalidade, mas seu semblante carregava um leve pesar. “Por muitos anos, senti vergonha desse fato… Até entender melhor o que aconteceu na Guerra.”

    Eriel sabia que Jofiel se referia a Guerra Celeste. Uma batalha catastrófica que destruiu o equilíbrio no domínio do Criador.

    A rebelião de Lúcifer havia sido o estopim. Por seu orgulho, ele tentou tomar o lugar do Criador. Após sua derrota, ele e seus seguidores foram expulsos do Reino Celestial, criando os caídos.

    O castigo foi severo: as asas dos caídos ficaram negras como a noite, um símbolo eterno de sua queda. Seus cabelos, antes de um branco puro, ficaram avermelhados pelo pecado, e os olhos, que outrora brilhavam como o céu, escureceram profundamente. O poder que antes os tornava formidáveis ​​foi selado, reduzindo-os a meras sombras de sua antiga glória.

    Mas Lúcifer… Ele recebeu um castigo único. Suas asas permaneceram brancas como a neve, uma lembrança constante de sua rebelião e da traição que infligiu aos que o seguiram cegamente. Para ele, não houve redenção, nem pertencimento entre seus aliados.

    “Eu não sabia nada sobre a rebelião. Meu pai se perdeu, tornando-se um inimigo de Deus e dos anjos. Acho que ele se perdeu, mas a decisão de abandonar sua família… isso não consigo aceitar. Por sua arrogância, não posso sequer falar normalmente com minha irmã, que nasceu depois da Guerra.”

    Eriel ouviu em silêncio, compreendendo a dor oculta nas palavras de Jofiel. Ela não precisa viver a mesma situação para entender a agonia de perder alguém importante.

    “Talvez ele imaginou o que poderia acontecer se uma rebelião desse errado. Asmodeus… Queria protegê-la. Ao menos, foi o que pensei.”

    Eriel não encontrou palavras para confortá-la, mas conseguiu imaginar os pensamentos de Asmodeus. Um pai naturalmente não desejaria arrastar sua filha para um destino incerto.

    “…”

    Jofiel permaneceu em silêncio, seus olhos baixos, até o momento em que Metatron e Gabriel pararam de caminhar. Diante da sala do trono, as enormes portas douradas se abriram, revelando o interior. Apenas Azrael, Jofiel, Metatron, Gabriel e Eriel foram autorizados a entrar. Os demais anjos receberam instruções para retomar suas atividades.

    Azrael tomou a frente, com Metatron e Gabriel logo atrás. Jofiel, que caminhava um pouco mais afastada, apressou os passos para se aproximar de Eriel.

    “Veja só… Azrael realmente gosta de você.”

    Eriel arqueou as sobrancelhas, confusa com a observação. Percebendo a falta de entendimento, Jofiel continuou.

    “À nossa frente está o Deus Supremo. Sua aura é extremamente densa, algo que até os anjos têm dificuldade de suportar. Mas olhe para frente.”

    Eriel seguiu as instruções e notou Azrael e os outros dois anjos caminhando a frente.

    “Os anjos devem sempre caminhar atrás dos sucessores, mas repare: Azrael está liderando. Ele está criando uma barreira para proteger você da aura do Criador. Metatron e Gabriel, à frente, estão reforçando essa proteção. Tudo para que sua caminhada não seja afetada.”

    Os olhos de Eriel se estreitaram em compreensão. Foi um gesto que evidenciou a magnitude do cuidado de Azrael, algo que ela não havia notado até então.

    “…”

    Quando Azrael parou de caminhar, todos imitaram seu movimento.

    “Você deveria diminuir sua aura. Há um humano na sala.”

    As palavras de Azrael ecoaram no ambiente, firmes e diretas. Instantes depois, Jofiel e os outros anjos deram um passo para trás, saindo do campo de visão de Eriel, abrindo espaço para que ela visse finalmente o Deus Supremo.

    O Criador estava sentado em um trono de luz, que irradiava uma energia além de qualquer compreensão mortal. Seus olhos, reluzentes como o arco-íris, observavam-na com um olhar penetrante. Mesmo com sua aura contida, sua presença dominava o espaço. Não havia palavras suficientes para descrever aquele que era a personificação do poder absoluto.

    “Imaginei que você a protegeria de qualquer forma.”

    A voz do Criador soava como trovões reverberando pelo firmamento. Imponente e cobertura de autoridade, deveria ter feito Eriel tremer, mas ela continuou firme, absorvendo cada detalhe de sua aparência.

    Seus olhos multicoloridos brilhavam com intensidade divina. Na cabeça, usava uma coroa de ouro ornada com pedras preciosas, presa por um tecido fino de seda que ocultava parte dos cabelos grisalhos. Apesar da aparência jovial, semelhante a um humano de quinze anos, seu semblante era frio e impassível, como se as emoções fossem desnecessárias para o senhor do universo.

    Azrael continuou imóvel, mas sua irritação era evidente.

    “Azrael, soube que deseja a remoção do segundo selo. Minha informação está correta?”

    “Você já sabe a resposta. Realmente há necessidade de perguntar?”

    O tom sarcástico e cortante de Azrael contrastava com a reverência que normalmente se esperava diante do Criador. Era claro que a presença do Deus Supremo não o agradava.

    “Ah… Mas ouvir meu querido neto pedindo algo para seu avô é interessante de alguma forma.”

    Eriel observou Azrael. Sua expressão dura se tornou levemente desconcertada, como se o termo “querido neto” o incomodasse mais do que a própria situação.

    “Querido Neto? Quando mais precisei de você, fui abandonado.”

    “Se você não fosse meu neto, eu não teria selado seu poder. Teria permitido sua morte pelo pecado que cometeu. Enviei um mensageiro para salvá-lo, algo que não faria por outro.”

    Azrael estreitou os olhos, contendo sua desconfiança.

    “Com o poder que você tem, não seria mais fácil explicar que eu não cometi o crime? Tenho certeza de que os outros deuses acreditariam.”

    O Criador não respondeu de imediato, mas o sorriso que surgiu em seu rosto fez a tensão na sala diminuir como por encanto.

    “Vamos deixar o passado para trás, Azrael. Diga-me… o que deseja?”

    Azrael respirou fundo, como se estivesse tentando sufocar sua frustração. Após um momento de hesitação, respondeu:

    “Meu querido avô… Poderia remover o selo em meu poder?”

    O Criador pareceu satisfeito com o tom respeitoso que Azrael escolheu, embora este viesse carregado de relutância. Com um simples estalar de dedos, o Criador fez o ambiente inteiro vibrar. Os anjos presentes voltaram seus olhares para Azrael, como se aguardassem algo grandioso.

    Eriel sentiu uma mudança no núcleo de mana de Azrael. Sua mana elemental desapareceu abruptamente, deixando-a surpresa.

    No lugar da mana elemental de escuridão, o núcleo de mana de Azrael foi preenchido com uma energia desconhecida, a mesma que Eriel tinha sentido na sala de encontro dos sucessores. Mesmo que ela tentasse, ela não conseguiu identificar qual elemento de mana estava agora ligado a ele.

    “Você sabe as palavras certas para me agradar.”

    O Criador falou, com um tom que parecia quase juvenil. Para Eriel, o Deus Supremo não parecia um “avô”, como Azrael o havia chamado, mas sim um jovem com uma presença tão absoluta que transcendia qualquer limite de compreensão.

    “Removi o selo, mas lembre-se: sempre há um preço. Certifique-se de pagá-lo no futuro.”

    “Lembrarei.”

    Azrael respondeu, sucinto, sem expressão de gratidão ou compreensão. Sua postura permaneceu firme, mas sua expressão carregava uma relutância quase imperceptível.

    O Criador, então, voltou sua atenção para Eriel. Seus olhos escondidos, com as cores do arco-íris, sondam cada fibra de sua alma.

    “Eriel, vejo que está se adaptando bem à sua nova posição.”

    Ela inclinou levemente a cabeça em respeito. Apesar da grandeza da ocasião, havia nela uma apatia difícil de explicar. Já fazia algum tempo que notou sua incapacidade de se abalar com certos acontecimentos, como se algo em sua essência tivesse mudado.

    “Estou honrada por receber a oportunidade de me tornar uma sucessora.”

    A voz de Eriel era respeitosa, mas a ausência de emoção parecia séria, mesmo para ela.

    “A falta de empatia em suas reações, mesmo após conhecer o Criador, você se incomoda?”

    A pergunta do Deus Supremo atingiu-a em cheio. Ele a compreendia como se pudesse folhear cada página de seus pensamentos. Era algo que vinha tentando entender há tempos, e agora, com suas palavras, a suspeita se tornava uma certeza.

    “Você está certa em se preocupar”, continuou o Criador. “É peculiar não conseguir expressar emoções, especialmente em momentos que deveriam marcar profundamente. Até mesmo quando descobri que sua mãe estava viva, sua surpresa foi… morna. Isso acontece por conta do desenvolvimento de sua habilidade.”

    Eriel o fitou com uma mistura de curiosidade e inquietação.

    “O tempo”, explicou ele, “possui ramificações que se conectam ao controle emocional. Quando seu poder detecta variações em seu humor, ele ativa para evitar que você se sobrecarregue com seus próprios sentimentos. É uma defesa instintiva.”

    Embora fosse uma revelação significativa, Eriel não conseguiu enxergar aquilo como uma vitória. Seus olhos buscaram os de Azrael, que pareceu captar imediatamente seus pensamentos.

    “Não desperdice seu tempo”, ele disse, exalando um suspiro pesado. “O velho não vai revelar a localização de sua mãe ou dos membros da Aliança. Ele se mantém imparcial.”

    Aquelas palavras dissiparam suas esperanças. Se o Criador, com todo o seu poder, optou por não intervir, o que poderia realmente conseguir ali?

    “Certamente”, disse o Criador, com um leve sorriso. “Não revelarei a localização. Mas, já que este é nosso primeiro encontro, ofereço uma dica.”

    Eriel viu a incredulidade nos olhos de Azrael.

    “Isso é novo.”

    “Quando surgir uma oportunidade para a guerra e você for um único no campo de batalha, em um momento de desespero, não use sua oração para pedir forças a algum deus. Em vez disso, reze com todas as suas forças para aquele em quem mais confia aparecer. Nesse instante, sua fé será colocada à prova. E, se passar pelo desafio que o destino lhe preparará, o encontro predestinado te receberá nos braços e mudará o rumo de tudo. No momento de calmaria, olhe para o céu e sorria para aqueles que observam encapuzados. As progenitoras estarão presentes”

    Eriel ficou perplexa. As palavras do Criador, embora enigmáticas e difíceis de decifrar, carregavam um peso que ela não podia ignorar.


    Ao sair da sala, ela e Azrael caminharam em direção ao próximo destino. Metatron e Gabriel continuaram com o Deus Supremo, enquanto Jofiel recebeu a incumbência de acompanhá-los.

    O ambiente parecia estranho enquanto avançava em silêncio. Embora a ausência de palavras não incomodasse Eriel, a atmosfera compartilhada entre ela e Azrael tornou a situação incômoda. Ela não sabia se conversar com ele naquele momento seria bom ou apenas pioraria as coisas.

    Quando chegou à sala de teleporte reservada para os sucessores, Eriel notou a presença do segundo sucessor, Zariel, que estava prestes a partir.

    Os olhares de Zariel e Azrael se cruzaram, e o segundo sucessor abriu um sorriso enigmático.

    “Az, não tenho informações precisas para ajudá-lo a encontrar ou descobrir quem é o atual líder da facção”, começou Zariel, com uma voz que carregava uma estranha combinação de indiferença e gravidade. “Mas lembrei de algo que talvez seja útil. Seu querido amigo traidor comentou certa vez sobre uma pessoa por trás de tudo isso. É alguém que esteve muito próximo de você, mas não é “Aquela” Mulher. Quem sabe o atual líder não seja essa pessoa?”

    Sem oferecer mais explicação, Zariel desapareceu no círculo de teleporte, deixando uma tensão palpável no ar.

    Azrael apareceu impassível, mas Eriel descobriu que as palavras de Zariel o alcançaram. A insinuação de que havia um traidor entre aqueles que Azrael considerava aliados certamente não era algo que ele recebeu com tranquilidade.

    “Devemos partir…” disse ele, em um tom que deixava claro que queria encerrar o assunto.

    Na área de teleporte, Eriel notou algo peculiar. Ela e Azrael estavam posicionados no mesmo círculo mágico. Normalmente, os sucessores viajavam separados, já que seus destinos costumavam ser diferentes.

    Quando a magia foi ativada, Eriel esperava que fosse transportado diretamente à facção. Contudo, para sua surpresa, ela apareceu na sala de teleporte da mansão onde havia vivido com Azrael e os outros.

    “Oh! Não te avisei? disse Azrael, com um tom casual. “Estou voltando para o planeta, e você foi enviada para morar na mansão.”

    Eriel piscou algumas vezes, confusa, mas, como de costume, seu rosto continuou sem expressão.

    “Ethan deveria ter entrado em contato com você, mas, devido à interferência de Metatron, isso não foi possível.”

    “Estou feliz que tenha decidido voltar para a Terra, mas… está tudo bem deixar sua irmã sozinha?” Disse ela, cautelosa.

    “Não se preocupe. Mana já está no planeta, em um quarto que preparei para ela”, respondeu Azrael. “Quanto a Nain, Naara, Zenith, Alice e eu… Todos estamos entrando oficialmente na sua equipe.”

    Eriel ponderou sobre aquilo. Talvez Ethan estivesse considerando substituir sua posição como capitão por Azrael, algo que fazia sentido. Até então, ela não havia feito nada significativo para continuar com seu título.

    “… Temos um convidado…?”

    Azrael interrompeu os pensamentos de Eriel ao notar a presença de uma aura desconhecida na mansão.

    Antes que ela pudesse perguntar, Beherit entrou apressado na sala. Sua aparência era exatamente como Eriel se lembrava, como se o ano que tinha passado não tivesse deixado marcas.

    “Az, Az! Ela está aqui! Ela está aqui!

    Azrael acariciou a cabeça de Beherit, sorrindo. Havia um brilho caloroso em seus olhos, um contraste raro em sua habitual expressão fria.

    “Eu sei. É impossível esquecer sua presença”, respondeu ele, com um tom quase carinhoso.

    Eriel observou a interação entre os dois sem compreender o que estava acontecendo. Azrael, percebendo sua confusão, suspirou e voltou-se para ela.

    “Vamos? Quero te apresentar a minha mestra. Está na hora de conhecer Samael.”

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