Capítulo 46 — Quem está no labirinto.
Azrael despertou sentindo algo quente e reconfortante. Seus olhos abriram lentamente, e ele se viu deitado no colo de Noir, mas não era sua forma usual. Ela estava em uma versão mais velha, de beleza deslumbrante e quase etérea. Seus olhos se encontraram, e um leve sorriso curvou os lábios de Noir, transmitindo uma serenidade que contrastava com o ambiente hostil do labirinto.
A Noir mais velha era uma visão divina, sua presença irradiava uma aura imponente e fascinante. Com o retorno pleno dos poderes de Azrael, ela podia manter essa forma sem preocupação, mas ele sabia que a versão mais jovem ainda era sua preferida.
“Por quanto tempo eu dormi?” perguntou ele, sua voz rouca do cansaço.
Noir passou a mão delicadamente pelos cabelos dele, seus movimentos suaves como uma brisa.
“Não por muito tempo. Talvez vinte ou trinta minutos.”
Azrael fechou os olhos por um momento, sentindo a segurança que sua companheira proporcionava. Saber que ela estava ali, vigilante, o tranquilizava. No entanto, ele não queria ser um fardo.
“Inimigos?”
Noir suspirou profundamente antes de responder.
“Liberei minha aura. Nenhum deles ousou se aproximar. Mas posso sentir presenças poderosas mais à frente.”
Azrael assentiu, já esperando por isso. O Labirinto Superior não seria um desafio trivial. Os primeiros monstros que enfrentara eram apenas os mais fracos, e mesmo assim tinham sido complicados. Se não fosse a dica de Nêmesis sobre como derrotá-los, ele ainda estaria lutando.
“Não estou preocupada com os monstros menores”, continuou Noir, seu tom ganhando um ar mais sério. “Mas sinto algo estranho. Um poder similar ao seu, Az.”
Azrael permaneceu em silêncio por alguns segundos, mas seu olhar se tornou mais afiado. Ele também havia notado. Desde que cruzara a entrada do labirinto, uma mana peculiar, uma mistura de Luz e Escuridão, se destacava no ambiente. Isso levantava duas possibilidades: ou havia dois usuários de manas distintas, ou um único ser que possuía ambas, como ele. Mas, ao contrário de sua mana corrompida, essa parecia pura.
“Curioso para ver onde isso vai nos levar…” murmurou, enquanto refletia sobre sua decisão de vir a esse planeta.
A dica da versão mais velha de Eriel o levara até ali, mas ele ainda não tinha certeza se valia o risco. O que quer que estivesse selado no labirinto precisava ser importante o suficiente para justificar o perigo.
Ele se levantou do colo de Noir, seus movimentos ainda um pouco rígidos, mas sua determinação intacta.
“Vamos continuar?” perguntou ele, enquanto Noir o observava com um sorriso suave.
“Claro”, respondeu ela, sem hesitar.
Azrael considerou por um instante deixá-la no espaço dimensional onde guardava seus itens, mas logo descartou a ideia. Noir era sua maior aliada, alguém em quem confiava completamente. Sua presença ao lado dele era indispensável.
{Sonne, quer me acompanhar também?}
{Não. Ainda estou me recuperando… Preciso de mais tempo para recuperar minha energia.}
Ele sabia que havia exigido demais de Sonne durante a invasão à instalação da Aliança, mas naquele momento não tinha escolha.
{Você estará pronta para a guerra?}
{Provavelmente. Estou me recuperando gradualmente. Como você recuperou seu poder, poderei usar o meu máximo sem preocupação.}
{Então, descanse bem.}
Sonne não respondeu, mas Azrael sentiu que ela já havia desligado a conexão mental, priorizando sua recuperação.
Enquanto avançavam pelo labirinto, o ambiente tornava-se cada vez mais opressor. As paredes se moviam em intervalos regulares, desorientando qualquer tentativa de memorizar o caminho. Apenas algumas cavernas localizadas permaneciam estáticas, tornando-se pontos temporários de orientação.
Os encontros com inimigos tornaram-se mais frequentes e perigosos. Noir lutava ao lado de Azrael com precisão impecável, executando os planos que ele formulava. A sincronia entre eles era perfeita, permitindo que enfrentassem os desafios de maneira eficiente.
Em um determinado momento, Azrael parou abruptamente, seus olhos fixos à frente.
“Noir, você sentiu?”
Noir fez um leve movimento de cabeça.
“Sim. Duas presenças. Elas possuem uma abundância de mana.”
“E parecem grandes… Trolls ou orcs, talvez?” sugeriu Azrael.
Uma nova caverna surgiu à frente. Dentro dela, dois trolls colossais aguardavam. Com mais de quatro metros de altura, suas presenças eram intimidantes. Eles seguravam espadas longas, que pareciam pequenas em suas mãos desproporcionais, e seus corpos estavam protegidos por armaduras pesadas e robustas.
Azrael estreitou os olhos. A força bruta de trolls era lendária. Enfrentá-los diretamente seria um risco enorme. Ele sabia que, para superar aquele obstáculo, precisaria de estratégia, precisão e a confiança absoluta em Noir.
“Prepare-se”, disse ele em voz baixa, enquanto sua espada de mana começava a tomar forma. Noir apenas sorriu, com o brilho familiar de antecipação em seus olhos.
O desafio estava apenas começando.
Os dois trolls à frente pareciam mais do que simples brutamontes. Algo na aura deles indicava uma inteligência superior à de qualquer troll que Azrael já enfrentara. O labirinto parecia tê-los moldado, fortalecendo-os com sua mana e permitindo que sobrevivessem nas partes mais hostis daquele planeta.
Noir, ao lado de Azrael, observava atentamente os inimigos.
“Se está pensando em usar o Lorde do Tempo, desista”, ela disse, sua voz calma mas firme. “Seu corpo ainda não se adaptou completamente ao seu poder. Sua resistência e energia continuam muito distantes do que eram no passado.”
Azrael sabia que ela estava certa. Embora tivesse recuperado sua mana, o corpo que habitava agora passara séculos sem o treinamento adequado. Mesmo com o retorno de seus poderes, levaria tempo para que ele se adaptasse novamente, tanto física quanto mentalmente. Usar habilidades de alto custo, como o Lorde do Tempo, seria arriscado.
“Você tem um plano?” perguntou Noir, quase como se lesse seus pensamentos.
“Sim”, respondeu ele, concentrado.
Embora a vantagem da surpresa estivesse do lado deles, Azrael decidiu que não a utilizaria. Ele queria transformar aquela luta em um treinamento, uma oportunidade para reacostumar seu corpo às suas capacidades.
Respirou fundo, liberando sua mana. Com um movimento decidido, avançou em direção ao troll mais próximo.
{Venha, Amaterasu.}
A espada dourada materializou-se em sua mão direita, brilhando intensamente.
{Venha, Tsukoyomi.}
A lâmina negra surgiu em sua mão esquerda, envolta em uma aura sombria.
As espadas eram apenas projeções das originais, mas mesmo assim carregavam poder suficiente para lidar com os trolls. Sem hesitar, Azrael atacou, desferindo um golpe horizontal com Tsukoyomi que cortou o tendão do troll. O gigante caiu de joelhos, confuso e vulnerável.
Aproveitando o momento, Azrael pulou, girando no ar. Sentiu Amaterasu atravessar o pescoço do troll, sua lâmina dourada cortando com precisão. O corpo do monstro desabou no chão com um estrondo.
“Bem… parece que acabei sendo sorrateiro, mesmo sem intenção”, murmurou ele, enquanto pousava com agilidade.
Criou uma pequena esfera de energia negra e a lançou no corpo inerte do troll, apenas para garantir que não houvesse resquício de vida.
“Azrael!”
A voz de Noir chegou tarde demais. Ele sentiu um impacto esmagador em suas costas, sendo lançado violentamente contra a parede da caverna. A dor aguda da perfuração o deixou momentaneamente atordoado. Quando conseguiu se levantar, buscando entender o que havia acontecido, viu uma figura feminina surgir das sombras.
Era uma mulher de beleza perturbadora, com cabelos dourados brilhantes e olhos que emanavam malícia. Grandes asas, com aparência de teias de aranha, completavam sua figura quase sobrenatural. Seu sorriso era cheio de zombaria, e a aura que emanava dela era sufocante.
“Droga…” murmurou Azrael, percebendo que a criatura havia se escondido até o momento oportuno para atacar.
Sem perder tempo, a mulher lançou uma magia de fogo em sua direção.
{Anti-magia.}
Azrael balançou suas espadas, cortando os feitiços no ar. Nenhuma magia, por mais poderosa que fosse, parecia capaz de atravessar suas lâminas.
Ele avançou contra a inimiga, destruindo cada feitiço lançado em sua direção. A mulher, sem se intimidar, materializou uma espada de madeira que parecia tão resistente quanto aço. Quando as lâminas colidiram, o impacto foi tremendo, fazendo o braço de Azrael tremer com a força da criatura.
A luta se intensificou. Cada golpe que trocavam fazia faíscas voarem pelo ar, e nenhum dos dois parecia disposto a recuar. Azrael pressionava, mas sentia o peso da exaustão crescente. Seu corpo ainda não estava no auge, e a fadiga acumulada começava a cobrar seu preço.
Os dois lutaram por longos dois minutos, uma troca incessante de golpes que não dava espaço para erros. Azrael sabia que um único deslize seria fatal.
Ele considerou chamar Noir para ajudá-lo, mas não podia desviar o olhar da fada. Um instante de distração seria suficiente para selar seu destino.
Porém, algo começou a incomodá-lo. Não importava o nível dos trolls ou a força daquela fada, Noir deveria ter vencido sua luta com facilidade e já estar ali para apoiá-lo.
Foi então que ele percebeu. Noir não estava lá.
Pela primeira vez, desviou o olhar por um instante, apenas o suficiente para confirmar que ela não estava em campo.
{Noir?}
Tentou alcançá-la mentalmente, mas não obteve resposta.
“Noir?” chamou, seu tom se tornando mais urgente.
A fada, observando sua confusão, pareceu intrigada.
“Onde está Noir?!” gritou Azrael, sua voz ecoando pela caverna.
Sem esperar uma resposta, ele avançou novamente contra a fada, sua determinação renovada pela preocupação crescente.
A fada, com um sorriso malicioso, levou a ponta do dedo à própria cabeça, realizando um gesto estranho.
Azrael estreitou os olhos, tentando entender o que ela tramava, até que, de repente, algo ficou claro.
Ele parou por um instante, concentrando-se, e usou seus sentidos aprimorados para examinar o ambiente ao seu redor. Foi então que percebeu a sutileza da magia que o envolvia.
Uma ilusão.
{Anti-magia.}
Com um movimento decisivo, ele cancelou o feitiço, e o cenário ao seu redor mudou instantaneamente. A fada à sua frente desapareceu, e, no lugar dela, estava Noir.
“Noir? O que aconteceu?” perguntou ele, confuso.
Ela parecia aliviada e, ao mesmo tempo, exausta. “Quando derrotamos os trolls, você notou aquela porta. Depois disso, uma magia o atingiu. Quando tocou na porta, foi como se você tivesse perdido completamente a noção. Começou a me atacar, e, por mais que eu tentasse falar com você, não me ouviu…”
Azrael levou um instante para processar o que ouvira. A magia de ilusão havia sido mais poderosa do que imaginava, manipulando sua percepção ao ponto de distorcer a realidade completamente. Por um momento, ele nem sequer se lembrava da porta mencionada por Noir.
Ele olhou ao redor, então fixou os olhos na imensa porta de ferro que agora estava bem diante deles. As runas antigas entalhadas em sua superfície brilhavam em um tom azul pálido, exalando uma energia antiga e carregada de poder. Suas formas e escritas traziam memórias há muito enterradas.
Azrael aproximou-se lentamente, examinando as runas. Assim que leu as palavras gravadas no topo da porta, ele sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
“Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate” — Deixai qualquer esperança, vós que entrais.
As inscrições eram familiares. Elas indicavam um mecanismo que drenava a mana de alguém para alimentar o labirinto ao redor. Durante seu aprisionamento, ele próprio havia sentido algo semelhante, mas este labirinto parecia ainda mais cruel. Aqui, o poder do ser aprisionado não apenas sustentava as estruturas, mas também contaminava o ambiente, transformando os monstros e o próprio espaço em algo tóxico e mortal.
Azrael colocou as mãos na porta e tentou abri-la. Era pesada, mais do que ele esperava, e exigiu toda a sua força para movê-la. Depois de um esforço considerável, a passagem finalmente se abriu com um rangido grave e ensurdecedor.
Do outro lado, ele viu o que esperava: uma figura humana acorrentada no centro da sala. Correntes e selos mágicos envolviam seu corpo, restringindo seus movimentos e drenando sua energia. A figura parecia frágil, mas Azrael sabia que havia mais ali do que os olhos podiam ver.
Ele aproximou-se com cautela, desfazendo os selos um por um. À medida que cada um deles era removido, a energia no ambiente parecia oscilar, como se o próprio labirinto reagisse à libertação. Quando finalmente o último selo caiu, ele observou o rosto da prisioneira.
Era uma mulher jovem, de beleza impressionante, mas seu olhar carregava confusão e descrença. Seus olhos fixaram-se em Azrael, como se ela não pudesse acreditar que alguém realmente a libertara.
“Quanto tempo… quanto tempo eu estive aqui?” Sua voz era baixa, mas repleta de emoção reprimida.
Azrael, por um momento, permaneceu em silêncio, apenas observando-a. Então, algo clicou em sua mente, e a verdade o atingiu como um relâmpago. Ele reconhecia aquele rosto.
“Leviatã?” murmurou, incrédulo.
Diante dele estava ninguém menos que o pecado da Inveja, a lendária rainha dos demônios do Leste. Leviatã, o ser mais poderoso da segunda geração, que havia desaparecido há mais de mil anos.
Ele nunca a havia visto antes, mas não havia dúvidas. A presença, a aura e a força que emanavam dela eram inconfundíveis. Leviatã, o primeiro híbrido, estava ali, aprisionada há séculos, e Azrael acabara de libertá-la.
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