Capítulo 47 — Leviatã
A figura diante de Azrael era simplesmente deslumbrante. Sua beleza transcendente irradiava uma aura que parecia enfeitiçar o ambiente ao redor. Seus cabelos, longos, eram divididos ao meio, metade de um negro profundo, como as sombras mais escuras, e a outra metade de um branco puro, como neve sob a luz do sol. As duas cores opostas fluíam em ondas perfeitas até sua cintura, criando um contraste visual que parecia encarnar a dualidade entre luz e escuridão.
Seus olhos eram um espetáculo por si só. O esquerdo brilhava como uma joia de safira, um azul profundo e sereno, enquanto o direito ardia como um rubi incandescente, intenso e penetrante. Ambos carregavam uma intensidade quase sobrenatural, capazes de invadir a alma de quem ousasse encará-los.
Seus traços eram delicados e incrivelmente bem definidos, quase como se tivessem sido esculpidos pelos próprios deuses. A pele pálida e impecável acentuava ainda mais o contraste com suas madeixas negras e brancas, enquanto seus lábios, cheios e rosados, formavam um sorriso enigmático que oscilava entre a sedução de um demônio e a pureza de um anjo.
Azrael não conseguia desviar o olhar. Havia algo nela que o atraía de forma irresistível, como se fosse puxado por uma força invisível e implacável. Era mais do que desejo; era um chamado primordial, uma conexão que parecia existir desde antes do tempo. Ele sentia como se suas almas fossem partes de um mesmo quebra-cabeça, destinadas a se encontrar.
Ela deu um passo à frente, e seu movimento parecia desacelerar o próprio tempo. Seu olhar curioso examinava Azrael com intensidade, enquanto sua presença irradiava poder e elegância. Quando sua mão se ergueu para tocar o rosto dele, o calor de seus dedos contra sua pele fez cada fibra do corpo de Azrael reagir.
Por um instante, o mundo ao redor desapareceu, e tudo o que restou foi ela. Seus olhos viajavam involuntariamente até os lábios dela, e ele teve que lutar contra o impulso avassalador de beijá-la. Havia algo de quase hipnótico na maneira como ela se movia, na forma como sua respiração suave parecia sincronizar com a dele.
“Você…” Sua voz era suave como uma melodia e reverberava na mente de Azrael como o som de sinos celestiais.
“É igual a mim?” perguntou ela, seus olhos faiscando com curiosidade e algo mais que Azrael não conseguiu decifrar.
Ele respondeu, sua voz rouca e carregada de emoções conflitantes. “Sim…”
A intensidade no olhar de Leviatã aumentou. “Então você também está sentindo?”
“Sim,” ele confirmou, incapaz de negar o que se passava entre eles.
“É estranho…” Ela abaixou levemente o olhar, quase tímida, mas sua postura mantinha a dignidade de uma rainha. “Tudo o que desejo neste momento é beijá-lo.”
Azrael engoliu em seco. Nunca havia experimentado algo tão intenso. Ele sabia que isso ia além da atração física; era algo mais profundo, mais primitivo. Era a ligação entre dois seres que compartilhavam não apenas uma raça, mas uma essência.
“Eu, Leviatã, rainha dos demônios do Leste, apaixonada por um híbrido? Isso é… insano,” ela murmurou, mas havia um toque de verdade naquelas palavras que ela não podia ignorar.
Azrael a observou em silêncio, tentando processar tudo o que sentia. Não havia dúvidas: ela era única. Não apenas por sua beleza incomparável, mas pela força que emanava e pela maneira como seu simples olhar parecia penetrar até as profundezas de sua alma.
O motivo pelo qual Azrael e Leviatã podiam manipular os elementos de luz e escuridão residia na dualidade de suas origens. O sangue de anjo e demônio fluía em suas veias, dando-lhes acesso aos dois elementos primordiais. No entanto, esse poder não vinha sem riscos. Leviatã, em particular, era o primeiro ser no universo a dominar ambos os elementos, algo que a colocava em constante perigo.
“Você pode parecer igual a mim… mas é diferente,” Leviatã comentou, a intensidade em seu olhar fixando-se no dele. “Sua mana foi corrompida?”
Os olhos díspares de Leviatã brilharam, como se a pergunta a atingisse mais profundamente do que ele esperava. Azrael percebeu que ela também enfrentava o mesmo abismo que ele enfrentara no passado — um precipício perigoso onde a força incontrolável poderia corromper sua mana.
Leviatã deu um pequeno suspiro, seus lábios esboçando um sorriso cansado. “Foi difícil… há mil anos, quase perdi o controle. Quase corromper minha mana foi a pior dor que já senti.”
Azrael manteve o silêncio, absorvendo a força das palavras dela. Havia algo na vulnerabilidade que ela deixava transparecer que o tocava profundamente. Leviatã, apesar de sua majestosa presença e poder incomparável, era uma alma que suportava uma dor antiga.
“Como você foi presa?” Ele perguntou, a voz baixa e cheia de curiosidade.
Os olhos dela escureceram levemente, a raiva sutil permeando sua expressão. “Zeus…” Ela pronunciou o nome com desprezo. “Ele me pediu para acompanhá-lo, dizendo que meus irmãos estavam sob sua posse. Era mentira. Ele me traiu e me selou.”
Azrael sentiu a raiva dela reverberar no ar, mas também captou o peso de sua decepção. A traição de Zeus não era apenas um ato de violência, mas uma ferida profunda em sua honra e confiança.
“Então todos os monstros do planeta evoluíram por sua causa…” Ele conectou as peças em sua mente. “O tempo todo, sua mana vazava do selo, fortalecendo as criaturas ao ponto de transformá-las em feras poderosas.”
Leviatã assentiu, sua expressão sombria. “Quando encontrar Ziz e Behemoth, lembrarei de me vingar.”
Azrael pensou no desafio das espadas, onde um erro poderia transportá-lo para o local onde Behemoth estava aprisionado. “Noir, no desafio das espadas, se eu escolhesse a espada errada, seria enviado para onde Behemoth está, certo?”
Noir confirmou com um leve aceno. “Sim, mas o local é desconhecido. Foi criado pelo Deus Supremo, vazio à princípio, mas Behemoth parece ter surgido lá de alguma forma.”
Leviatã ergueu uma sobrancelha, intrigada. “Ele está bem?”
“Sim,” Noir respondeu. “Ele não é uma ameaça, apenas descansa. Por isso, não foi expulso.”
Noir refletiu sobre a localização. “Ele deve estar no Éden. É o único lugar cuja localização é um mistério.”
Azrael estreitou os olhos, pensativo. “Éden… faz sentido. Há áreas lá proibidas para mortais.”
“Pedir ajuda ao Deus Supremo está fora de questão,” Azrael murmurou. “Não podemos contar com… ele.” Azrael franziu o cenho. “Agora chegou a parte difícil. Ziz… posso dizer que é fácil encontrá-la, mas…”
“Mas?” Leviatã pressionou.
Azrael hesitou, seus olhos parecendo perder o foco por um momento. “Ela é uma das espadas lendárias.”
O impacto das palavras pairou entre eles. As espadas lendárias eram símbolos de poder, mas as espadas precisavam de almas para ascender a tal posição. Leviatã entendeu imediatamente o significado do que Azrael dizia.
“Ziz morreu?” A voz dela saiu quase num sussurro, mas carregada de emoção.
Azrael suspirou, seus ombros pesando sob a carga de sua resposta. “Não sei os detalhes… mas é provável.”
No entanto, havia uma esperança. “Noir é uma exceção. Ele não morreu para se tornar uma espada lendária.”
“Como isso é possível?” Leviatã perguntou, intrigada.
Azrael então contou a história de Noir. Ele relembrou os eventos da guerra entre deuses e dragões — quando Amaterasu, Tsukuyomi e Nêmesis se uniram para enfrentar o deus dos dragões, o Dragão do Caos. Noir havia sobrevivido, mas não sem cicatrizes.
Enquanto falava, Leviatã o escutava atentamente, absorvendo cada detalhe. Apesar de sua presença imponente e sua posição como rainha, havia algo em seus olhos que revelava uma profunda curiosidade e um desejo de entender o mundo ao seu redor.
A batalha foi brutal, ceifando a vida de Tsukuyomi e de muitos outros. Entre os sobreviventes, poucos sabiam do sacrifício desesperado de Amaterasu. Para salvar o irmão, ela fez um pacto com dois dragões: o Dragão do Fogo e o Dragão do Caos.
“Se concordarem em usar a magia de reencarnação em Tsukuyomi, permitirei que um de vocês fuja”, disse ela, o olhar firme mesmo diante da ameaça de destruição de sua raça.
O Dragão do Caos aceitou sem hesitar — a proposta era vantajosa. No entanto, o Dragão do Fogo revelou que não tinha poder suficiente para realizar o ritual. Foi então que Amaterasu, sem recuar, ofereceu sua própria vida para que o ritual fosse concluído.
O pacto foi selado. O Dragão do Fogo fugiu, enquanto o ritual consumia Amaterasu e o Dragão do Caos. Tsukuyomi também perdeu sua vida no confronto, assim como outros deuses menores, cujas mortes foram consideradas insignificantes no contexto daquela guerra.
Após sua morte, a alma de Amaterasu foi encontrada pelo Deus Supremo. Ele fez uma proposta inesperada: ligue-a a uma de suas armas para que pudesse continuar a existir. Amaterasu aceito, mas sob uma condição. “Deixe-me ver meu irmão uma última vez.”
O Deus Supremo atendeu ao pedido. Ele levou Amaterasu até o local onde a alma reencarnada de Tsukuyomi havia renascido. Mas o que ela encontrou foi um choque devastador. Em vez de um guerreiro forte e digno, havia apenas uma criança, doente, fracassada e abandonada por sua família. Uma criança que mal conseguia sobreviver.
A fúria de Amaterasu foi imediata. “Isso é uma piada cruel?” esbravejou, imaginando que o Dragão do Fogo havia tramado para enganá-la. No entanto, o Deus Supremo explicou pacientemente. “Sua morte, por mais grandiosa que fosse, não foi suficiente para proporcionar uma reencarnação adequada.”
Comovido pela situação, o Deus Supremo desceu até o planeta e fez uma proposta à criança. “Se aceitar, poderá abandonar este corpo frágil e viver dentro de uma de minhas armas, ao lado de sua irmã.”
Sem nada a perder e à beira da morte, a criança aceitou. Sua alma foi fundida à espada negra, transformando-a em um receptáculo de poder. Amaterasu, por sua vez, também aceitou sua nova existência, mas com a condição de que o portador da espada negra fosse alguém digno. “Crie um teste impossível para qualquer um que não valorize, Tsukoyomi.”
O Deus Supremo acatou o pedido, e assim Noir e Sonne se tornaram as lendárias armas vivas. Noir, porém, não era apenas a portadora da espada; ela era o receptáculo da própria arma. Se Noir desaparecer, a espada também desapareceria. Com Sonne, a relação era oposta: a destruição da espada apagaria a existência de Sonne.
Essa história foi relatada a Leviatã, que ficou em silêncio até o fim, antes de comentar: “Então Ziz pode estar viva… ligado à sua arma, como Noir.”
“Talvez,” admitiu Azrael, pensativo. “Ela pode aparecer na guerra que está se desenrolando. Algo me diz que a Aliança está por trás de tudo isso. É provável que Baal e Ziz estejam envolvidos.”
Leviatã o encarou, um brilho de determinação em seus olhos. “Se for o caso, vou com você. Não acho que conseguiria ficar muito tempo sem sua presença, de qualquer forma.”
Azrael sentiu um aperto no peito com aquelas palavras. No fundo, ele sabia que sentia o mesmo. Desde que conheceu Leviatã, algo parecia ligá-los, como se uma linha invisível os unisse. Quanto mais se afastava dela, mais sombrio e vazio seu coração se tornava.
“Antes de qualquer coisa, precisamos encontrar a saída do labirinto”, disse ele, tentando se concentrar no presente.
“Precisamos mesmo?” Leviatã inclinou a cabeça, um sorriso sutil brincando em seus lábios. Com um estalar de dedos, um portal surgiu diante deles.
“Sou usuária da ‘manipulação da realidade’,” disse ela, com simplicidade. “Não há limites para o que posso fazer.”
Azrael piscou, surpreso. “Manipulação da realidade… você criou um portal?”
“Sim. Decidi que não deveríamos perder mais tempo. Meu novo mestre parece estar com pressa.”
“Mestre?” ele perguntou, confuso.
“Não se atenha aos detalhes.” Ela o interrompeu com um sorriso enigmático.
Azrael olhou para o portal, hesitando. “Vamos ficar no ar?”
O portal flutuava sobre um campo de batalha. Leviatã arqueou a sobrancelha, quase divertido. “Minha habilidade julgou que este era o melhor local. Ah… veja, ali vem ela.”
Antes que Azrael pudesse responder, ouviu a voz de Noir gritar: “Az, não!”
Seu corpo congelou. Quando seguiu o olhar de Leviatã, viu um corpo despencando em alta velocidade em direção ao chão. Algo dentro dele estremeceu. Uma voz estranha, ao mesmo tempo, familiar e completamente distinta, ecoou em sua mente.
{Finalmente.}
E então, ele sabia. Ele não conseguiu mais manter o controle sobre ‘Ele’.
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