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    Eriel

    No campo de batalha, Eriel só podia observar o caos que a rodeava. O cenário era aterrorizante, quase surreal, como se o próprio inferno tivesse se manifestado naquele lugar. Samal permanecia ao seu lado, concentrada, mantendo um escudo protetor que os isolava da terrível maldição dos cavaleiros. Fora daquele pequeno refúgio, a morte reinava absoluta, espalhando-se como uma epidemia. Cada grito de agonia era uma lâmina cortando a sanidade de Eriel.

    O sul do campo era um verdadeiro abatedouro. O solo estava saturado de sangue, formando poças negras que refletiam o brilho pálido de uma lua distante. O cheiro de carne queimada e apodrecida enchia o ar, tornando cada respiração um esforço nauseante. Naara estava no centro de tudo, uma força destrutiva encarnada. Seu sorriso cruel, que se estendia de orelha a orelha, revelava o êxtase que ela sentia ao eliminar os inimigos sem piedade. Era como se a guerra fosse um santuário perverso para ela, um lugar onde encontrava conforto na destruição.

    A influência de Naara era devastadora. Seu poder se espalhava como uma onda invisível, transformando todos dentro de seu alcance em monstros insaciáveis. Amigos e inimigos lutavam indiscriminadamente, incapazes de discernir quem eram seus aliados. Era uma dança caótica de violência e morte, onde ninguém estava seguro. Se não fosse pela proteção do escudo de Samael, Eriel sabia que ela própria teria sucumbido a essa loucura.

    Naara brandia sua imensa foice, chamada Hell, com uma precisão aterradora. Cada balanço da lâmina cortava o ar, e os inimigos ao seu redor caíam como folhas ao vento. A magia da morte impregnava a arma; um único golpe era o suficiente para condenar suas vítimas. As feridas não apenas sangravam — elas apodreciam instantaneamente, espalhando uma podridão que consumia carne e ossos. Os gritos de dor ressoavam pelo campo, formando uma sinfonia de desespero que fazia o estômago de Eriel se revirar.

    Ela sentiu sua garganta apertar várias vezes, a bile subindo, enquanto observava o cenário apocalíptico. A guerra era algo que transcendia a compreensão humana. Não havia glória, apenas o horror cru e impiedoso. Agora ela entendia por que aqueles que sobreviveram a uma batalha carregavam cicatrizes não apenas no corpo, mas na alma.

    Apesar do poder devastador de Naara, os inimigos pareciam infindáveis. Eram soldados da segunda geração, liderados pelo filho adotivo de Lúcifer, Malak-Tawus. Samael explicou que essa geração de caídos era reforçada pelo apoio de alguns membros da primeira geração, antigos anjos que haviam traído Lúcifer. Foram esses traidores que haviam permitido a captura e prisão de Lúcifer, deixando a liderança nas mãos de Malak-Tawus.

    “Se ele estivesse aqui, isso já teria terminado,” disse Samael, sua voz carregada de amargura. “Mas Lúcifer está selado, e as regras do Deus Supremo impedem que a primeira geração participe diretamente da guerra. Mesmo assim, se um deles intervir, Belial e eu teremos permissão para agir… ou até mesmo os Pecados.”

    Eriel assentiu, mas seu olhar permaneceu fixo em Naara, que dançava no campo de batalha como uma ceifadora incansável. O peso das palavras de Samael ecoava em sua mente. Mesmo entre os caídos, Naara parecia um enigma, alguém que lutava sem hesitação, mesmo que significasse matar sua própria raça.

    “Naara é… um caído?” Eriel perguntou, curiosa.

    Samael soltou um sorriso sombrio antes de responder. “Sempre foi. Ela é um anjo caído, salva por Azrael no passado. A guerra é tudo o que ela conhece.”

    A revelação deixou Eriel atônita. Seria esse o motivo pelo qual Naara insistira para que ela a acompanhasse ao sul? Apesar de todas as estratégias discutidas anteriormente — Naara no sul, Nain no leste, Zenith no oeste, e o exército principal cobrindo a última área — Naara havia exigido sua presença ao seu lado. O antigo rei Belial protestara, argumentando que a maldição de Naara poderia afetá-la, mas Samael garantiu sua proteção, e assim Eriel foi autorizada a seguir com Naara.

    A batalha durou pouco mais de uma hora, e finalmente restava apenas um inimigo de pé. Naara caminhou lentamente em sua direção, com seu sorriso sinistro estampado no rosto, como se saboreasse a vitória. O caído, paralisado pelo efeito da maldição, observava a figura de Naara com puro terror. Ela passou por ele sem sequer olhar diretamente, como se já o considerasse morto.

    Foi quando sua cabeça caiu. O golpe foi tão rápido que o inimigo não teve tempo de reagir. O corpo tombou no chão em silêncio, encerrando aquele massacre.

    “Temos alguns minutos antes que os próximos inimigos cheguem,” anunciou Samael, com a voz firme, mas carregada de exaustão.

    Eriel sentiu o peso dessas palavras como uma pedra no peito. Claro que sabia que mais inimigos estavam por vir, mas ouvir isso em voz alta fazia a batalha parecer interminável.

    “Bom trabalho,” disse Naara, suspirando profundamente antes de se aproximar. Ela parecia finalmente baixar sua guarda e, ao invés de manter o habitual semblante ameaçador, sentou-se ao lado de Eriel.

    “Quero conversar com Eriel. Poderia nos dar algum tempo?”

    Samael hesitou por um momento, mas assentiu. “Vou esperar dez minutos,” disse antes de se afastar. Provavelmente ela iria ao acampamento relatar a Belial o que havia acontecido.

    O clima ficou estranho. Naara suspirou novamente, sentando no chão ao lado de Eriel. Sua postura agora era mais relaxada, mas seu olhar estava diferente. Não era o sorriso cruel e confiante de antes, e sim algo mais suave, até preocupado. Seus olhos, que antes refletiam violência, agora a fitavam como se buscassem respostas.

    “… Você me observou de perto. Viu as atrocidades que aconteceram no campo de batalha. Por minha culpa, todos morreram.”

    As palavras de Naara pesaram no ar, mas Eriel não sabia como responder. Em vez de falar, decidiu apenas a escutar.

    “Você ainda me chamaria de amiga?”

    Eriel foi pega de surpresa pela pergunta. Sua mente voltou há algumas semanas antes, quando treinava com Samael e Naara apareceu de repente. Ela se lembrava das instruções de Samael, das lutas que teve com Naara e do quanto se divertiu naquele período. Na época, talvez tivesse algum receio dela, mas agora não era capaz de vê-la como uma ameaça.

    “Se você me considerar uma amiga… eu ficaria feliz em te ter como uma. Você é uma das pessoas mais importantes que conheci na mansão,” respondeu Eriel com sinceridade.

    “Oh? Azrael também?” Naara mudou o tópico de repente, como se tentasse desviar de algo mais profundo.

    “Ele também é importante,” respondeu Eriel, sorrindo levemente.

    Naara exibiu um sorriso modesto, mas seus olhos denunciavam dúvida.

    “Sabe? Quando Azrael te observa, ele enxerga sua amada… Então, é possível que ele acabe se apaixonando por você novamente. Está tudo bem para você?”

    A pergunta deixou Eriel desconcertada. A ideia de Azrael não vê-la como Eriel, mas sim como uma sombra de alguém do passado, pesava em sua mente.

    “… Se ele se apaixonar por mim, posso pensar sobre isso.”

    Naara arqueou uma sobrancelha, insatisfeita com a resposta vaga.

    “Poderia me dar uma resposta concreta? Se Azrael te pedisse em casamento agora… você aceitaria?”

    Eriel hesitou, sentindo o peso da pergunta. Ela não sabia se estava pronta para um relacionamento, mas também não podia negar os sentimentos que surgiam sempre que estava ao lado de Azrael.

    “Sim…” respondeu, finalmente. A resposta surpreendeu até a si mesma, mas era genuína. Havia algo em Azrael que a fazia sentir-se em paz, e a ideia de estar ao seu lado parecia tão natural quanto respirar.

    Naara levantou-se devagar, limpando a poeira de sua roupa. Sua expressão estava neutra, mas suas palavras saíram como um murmúrio carregado de significado:

    “Eles estão voltando…”

    Eriel arregalou os olhos, sentindo o perigo iminente. Antes que pudesse responder, Naara completou sem olhar para ela:

    “Poderia dizer o mesmo após observar Azrael lutar na guerra?”

    “Sim,” respondeu Eriel, com firmeza.

    Antes que a conversa pudesse prosseguir, Samael retornou, trazendo consigo Zenith e Nain. Ambos exibiam expressões intensas, carregadas de preocupação.

    “Oh? Já terminaram?” Naara perguntou, mas sua postura já estava tensa.

    “Naara…” Nain colocou uma mão firme no ombro dela. “Prepare-se. Todas as tropas estão vindo em nossa direção. Lutaremos contra um exército inteiro.”

    Naara parecia pronta para responder com sua habitual confiança, mas Nain a interrompeu com uma notícia ainda mais grave:

    “Malak-Tawus está acompanhando o exército.”

    O impacto dessas palavras foi imediato. O ar pareceu ficar mais pesado. Todos sabiam que lutar contra o filho adotivo de Lúcifer era algo que deveria ser evitado a todo custo. Sua habilidade era algo que nem mesmo os cavaleiros mais poderosos poderiam vencer.

    “Acabou nosso tempo? Droga!” exclamou Naara, cerrando os punhos.

    Eriel sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Se Malak-Tawus estava vindo, significava que ele pretendia encerrar a guerra de uma vez por todas.

    “Precisamos do Azrael,” disse ela, tentando manter a calma.

    “Belial e Samael foram claros,” acrescentou Zenith. “Apenas Azrael pode vencer. Mas ele ainda não chegou. O que faremos?”

    “Ganharemos o máximo de tempo possível. Azrael não deixaria seus companheiros na mão. Tenho certeza de que ele está a caminho.”

    A voz de Samael tinha uma firmeza inabalável, mas, para Eriel, soava como uma tentativa de acalmar a si mesma tanto quanto aos outros. Havia uma fé quase cega em Azrael, algo que parecia comum entre os cavaleiros.

    Eriel, no entanto, não podia deixar de questionar: se fosse realmente possível vencer sem ele, por que a hesitação?

    “Eriel…” Naara chamou, com uma expressão incomum de seriedade. Seus olhos refletiam algo que ia além de mera preocupação; havia uma mistura de pesar e determinação. “Se a situação ficar complicada, peço que ajude…”

    As palavras pairaram no ar por um momento. O pedido carregava mais do que parecia à primeira vista. Naara estava se preparando para o pior.

    “Darei o meu máximo…” respondeu Eriel, sua voz mais firme do que se sentia por dentro.

    Sem hesitar, ela levou a mão ao brinco que usava. Dentro dele, repousava um poder que ela raramente invocava, um artefato que não deveria ser despertado levianamente. Com um gesto fluido, abriu o espaço dimensional oculto no acessório e retirou sua arma.

    A lâmina que segurava em suas mãos parecia pulsar com energia própria. Seu metal era branco, com padrões vivos que brilhavam em um tom prateado, como se fossem constelações em movimento. Paradoxo, sua espada singular, era tanto um fardo quanto uma bênção.

    {Acorde, Paradoxo.}

    Sua voz ecoou em sua mente, e a espada respondeu. O brilho em seus padrões se intensificou, como se despertasse de um sono profundo. A energia ao redor de Eriel mudou instantaneamente, tornando-se quase palpável.

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