Capítulo 98 — Espectadores
Zenith
Enquanto me posicionava no meio do exército inimigo, pude sentir a tensão palpável no ar, uma tensão que fazia os cabelos na minha nuca se eriçarem. Meu arco, confiável companheiro em muitas batalhas, repousava inerte em minhas costas, pois sabia que este confronto não seria decidido pelas flechas, mas sim pela espada e pela coragem.
Foi durante a reunião estratégica que compreendi a importância do que estava prestes a acontecer. Azrael, nosso líder, havia delineado meticulosamente os próximos passos que deveríamos seguir. Era crucial ganhar tempo até que os dois fatores determinantes para a virada na guerra se concretizassem.
O primeiro desses fatores era a chegada iminente da princesa dos demônios, Alice. Sua presença era aguardada como um raio de esperança em meio à escuridão da batalha. Azrael não havia revelado todos os detalhes, mas era evidente que Alice trazia consigo algo de extrema importância para o desfecho da guerra.
O segundo ponto crucial era o eclipse. Azrael havia nos instruído sobre os nascidos da noite, uma raça de seres cujo poder cresce exponencialmente com a chegada da escuridão. Contudo, esse poder não era sem limitações. Ao atingir um certo nível de força, os nascidos da noite se tornavam vítimas de sua própria habilidade, enfrentando uma diminuição em seu potencial e uma expectativa de vida encurtada.
Entretanto, mesmo para aqueles que haviam ultrapassado o limite de sua força, existia uma esperança: o eclipse. Durante esse fenômeno celestial, todos os limites eram suspensos e os nascidos da noite viam seu poder se multiplicar a cada instante, como se a própria noite os abraçasse em uma dança de sombras e poder.
Era essa dualidade entre a limitação e o potencial desenfreado que nos guiava na batalha iminente. Sabíamos que o tempo era nosso aliado e que cada momento que passávamos resistindo ao avanço inimigo nos aproximava mais do momento decisivo, onde a princesa dos demônios e o eclipse se uniriam para virar o jogo a nosso favor.
Fomos informados de que o eclipse duraria no máximo seis preciosos minutos. Seis minutos nos quais Azrael se tornaria seis vezes mais forte do que seu eu atual. Era uma janela estreita, mas essa era nossa chance de vitória, nossa oportunidade de virar o jogo a nosso favor.
Enquanto repensava sobre o plano, agarrei meu arco, não mais como uma ferramenta de alcance, mas como uma arma corpo a corpo. Com movimentos rápidos e precisos, cortei através das fileiras inimigas com as lâminas retráteis embutidas no arco. Usando a corda, consegui desviar das investidas inimigas, mas cada movimento era uma dança perigosa entre a vida e a morte.
“Vamos começar agora”, murmurei para mim mesma, um sorriso decidido curvando meus lábios. Minha mana se juntou e formou-se uma coroa de energia branca em minha cabeça, enquanto meu arco começava a emitir um brilho radiante. A energia mágica se canalizava através de mim, criando uma flecha dourada imbuida com meu poder.
{Conquista}
Ativando minha maldição, minhas vestes mudaram instantaneamente, transformando-se em um sobretudo branco adornado com o símbolo de um arco e flecha nas costas. Uma máscara branca materializou-se sobre meu rosto, ocultando minhas expressões enquanto eu focalizava minha atenção em um ponto específico no céu.
“Perfeito”, declarei após analisar cuidadosamente a melhor área para meu disparo. Com um movimento fluido, soltei a flecha, assistindo enquanto ela cortava o céu com precisão milimétrica. Ao atingir a altura ideal, a flecha se desintegrou, liberando finos resquícios de mana que caíam como uma chuva celestial sobre o campo de batalha.
Os mortos atingidos pelos resquícios de mana pararam de se mover instantaneamente, enquanto pouco a pouco, todo o exército inimigo se tornava meu. Minha maldição, similar à de Nain chamada ‘Guerra’, tinha um efeito diferente. Enquanto a maldição de Nain desencadeava o caos ao remover a distinção entre aliados e inimigos, a minha fazia com que todos se tornassem meus súditos, obedecendo aos meus comandos sem questionar.
“Não se movam”, ordenei, enquanto conjurava uma magia de vento que envolvia todo o campo de batalha em um raio de duzentos metros a partir de onde eu estava.
Com o campo agora limpo e sem obstruções à minha vista, preparei meu arco mais uma vez. A energia mágica dentro dele se concentrou, formando uma única flecha de poder inigualável. Mirei para o alto e disparei, utilizando minha magia de vento para acelerar ainda mais o projétil. A flecha se multiplicou no ar, transformando-se em milhares de projéteis letais que atravessaram os mortos-vivos num instante, varrendo qualquer vestígio de resistência diante da minha vontade determinada.
***
Enquanto observava as imagens na tela criada com mana, uma sensação de satisfação invadia meu ser. Tudo parecia estar seguindo conforme planejado. Quando Alice chegasse, cada peça estaria exatamente onde deveria estar.
“Parece que estou realmente em desvantagem”, comentou Hades, seu tom carregado de preocupação. “Bem, não posso afirmar que é uma vitória garantida, especialmente porque a princesa do tempo parece estar enfrentando problemas.”
Fixei meu olhar nas imagens transmitidas e pude perceber que Eriel realmente estava em apuros. Apesar de seu treinamento, o número avassalador de inimigos certamente colocaria qualquer um em uma situação difícil.
“Então é assim… Parece que você não explicou as desvantagens do ‘Lorde do Tempo'”, suspirou Hades.
“Com certeza não. Não adianta eu explicar todas as desvantagens da habilidade. Parte do aprendizado é descobrir por conta própria durante a batalha”, respondi, ponderando sobre a complexidade da habilidade de Eriel.
Os dragões têm uma curva de aprendizado acentuada quando treinam sozinhos, mas isso não se aplica quando são ensinados. Em suma, Eriel deve aprender sozinha, focando em entender sua habilidade enquanto luta.
“Porém, é algo que fica evidente com um pouco de reflexão”, acrescentei.
Parar o tempo pode parecer uma habilidade invencível, pois depende apenas da estamina, mas para seres que transcendem o próprio conceito de tempo, eles podem se mover. Ela precisará descobrir isso por si mesma.
“Parece que a princesa do gelo também está tendo dificuldades…”, comentei ao ver Naara lutando na tela. Ela estava claramente em apuros, enfrentando o guardião do Tártaro em sua forma humana.
“Para ser honesto, imaginei que você lutaria contra o Cérbero antes de chegar aqui. Não esperava que fosse deixar apenas Naara”, admiti.
Certamente foi a escolha mais sensata. Naara era forte o suficiente para derrotar a maioria dos oponentes, mas o Cérbero não era apenas um guardião dos portões dos mortos; ele também deveria ser forte o bastante para impedir a saída daqueles sem autorização.
“Sempre me perguntei como funciona a maldição dos cavaleiros… Você poderia me contar?”, indagou Hades, com interesse.
“Não faria diferença se ele descobrisse ou não”, pensei, antes de responder: “Bem, Nain possui o poder de semear a discórdia com sua maldição da ‘Guerra’… Todos dentro de seu alcance ficam incapazes de distinguir entre aliados e inimigos. Isso inclui até mesmo os próprios aliados, razão pela qual ele precisa manter-se afastado durante as batalhas.”
“Uma maldição cruel”, observou Hades.
“Sem dúvida”, concordei, contemplando as complexidades dos poderes.
Nain não tem controle sobre sua maldição, o que o obriga a lutar sozinho. Sua maldição afeta os outros cavaleiros, razão pela qual sempre lutamos individualmente.
“Então esse é o motivo de estarem sempre separados quando atacam um planeta”, comentou Hades.
“Na verdade, não. Cada um ataca em seu próprio tempo para aumentar a eficácia da maldição. Quanto mais tempo um cavaleiro utiliza a maldição, mais eficaz e destrutiva ela se torna”, expliquei. “Porém, a maldição usada para lutar é diferente daquela utilizada para destruir uma civilização.”
“E Zenith? Fiquei curioso sobre o primeiro cavaleiro”, disse ele, com um olhar genuinamente curioso.
“Oh? Obrigado”, um de seus servos apareceu, trazendo consigo um pouco de vinho que foi colocado em dois copos. “Aceita, Azrael? Pode confiar em mim, não tem veneno.”
Peguei o copo sem medo e experimentei um pouco do vinho, que tinha um gosto suave e doce. “Eu te conheço, você não iria querer fazer algo que me causasse danos antes da nossa luta”, disse, sabendo que ele apenas queria aproveitar a ocasião.
“De qualquer forma… Zenith, né? Ela é bem interessante, a maldição. Zenith tem uma maldição similar à ‘Guerra’ de Nain, mas enquanto Nain consegue confundir o conceito de aliado e inimigo, Zenith possui outra função”, expliquei calmamente. “Zenith possui a ‘Conquista’, uma habilidade que permite controlar as pessoas como se fossem seus próprios seguidores fiéis.”
Basicamente, Zenith se torna uma espécie de deusa reconhecida por todos os afetados por sua maldição.
“Então ela é vista como um ser absoluto?”, indagou Hades.
“Sim. Sua ordem se torna lei, e aqueles afetados não conseguem rejeitar suas palavras. Como seguidores fiéis, eles dariam a vida por Zenith.”
Uma habilidade tão cruel quanto a de Nain.
“Algo parecido com sua habilidade nascente?”, perguntou Hades.
“É parecido, mas não igual. Zenith não consegue controlar a mente de alguém mais forte que ela, ou que possua uma resistência mental muito alta. Contudo, minha habilidade não tem restrições. Contanto que escutem minha voz, ela vai funcionar. No entanto, até mesmo a minha habilidade tem suas fraquezas.”
Mesmo habilidades que parecem absolutas têm suas fraquezas, como o ‘Tempo’ de Eriel. O Tempo funciona muito bem contra seres normais, mas seres transcendentes, como anjos, deuses e muitos da primeira geração, não podem ser afetados. Para criaturas que não estão sujeitas às leis do mundo, uma habilidade que é a própria lei não poderia afetá-las.
“A ‘Morte’ de Naara também parece uma habilidade soberana, mas não é…”, eu disse, me preparando para explicar como funciona. “Naara é capaz de matar instantaneamente qualquer pessoa em seu alcance. O alcance da habilidade depende da quantidade de mana que ela utiliza ao ativá-la, mas sua fraqueza é que ela não pode matar seres imortais, nem seres transcendentes, assim como pessoas que não estão dispostas a morrer.”
Expliquei da melhor forma possível para que Hades entendesse. A habilidade de Naara afeta o subconsciente das pessoas, avaliando se elas têm um motivo para viver ou se já desistiram. Um exemplo simples seria: seres que não desejam mais viver ou aqueles que aceitaram a morte são afetados, enquanto alguém que tem um forte apego à vida não sucumbiria à sua influência.
“Então é assim… Uma habilidade assustadora, mas fácil de combater”, comentou Hades, absorvendo a informação.
Essa era a razão pela qual Naara era a última dos cavaleiros; quando atacados pelas outras maldições, apenas aqueles que perderam sua vontade de viver, pensando que seu fim estava próximo, seriam afetados. Doenças, guerras e uma falsa esperança – todos esses elementos combinados faziam com que a morte parecesse a melhor escolha ou a única saída.
“Bem, Naara não usa a habilidade dessa forma, mas adiciona algo que a torna ainda mais poderosa. Quando ela utiliza sua maldição, ao invés de ampliar o alcance, ela infunde sua arma com uma aura de morte, tornando seus cortes mais poderosos e corrosivos”, expliquei.
Se alguém fosse cortado pela lâmina de Naara, seu corpo começaria a se corroer como se estivesse sendo afetado por um veneno mortal. A dor resultante desse corte era algo que nem mesmo eu desejava experimentar, e a única forma de aliviar a agonia era matando Naara ou amputando o membro afetado.
“Todos são assustadores, mas e sua maldição? Como o mais temido dos cavaleiros, imagino que seja algo cruel…”, indagou Hades, com um olhar curioso.
Expliquei a Hades como minha maldição funcionava, e sua expressão de surpresa se transformou em algo diferente.
Basicamente, minha habilidade sobrecarrega o corpo do alvo, enfraquecendo-o gradualmente, até que todas as suas funções vitais desapareçam, deixando-o em um estado vegetativo.
“Imagino que exista um limitador… Algo como – ‘Essa habilidade não funciona em deuses’ -“, sugeriu Hades, mas apenas sorri em resposta.
“Funciona em qualquer pessoa”, respondi sinceramente. “O motivo de ser considerada a mais forte é porque consigo afetar até mesmo seres como Samael, que era um anjo de alto nível. No entanto, a velocidade de reação da habilidade varia de acordo com o indivíduo. Quanto mais forte, mais lento é o processo.”
Já confirmei que ela funcionava em Belial e Samael, mas levou alguns dias para ver os resultados, então não é muito viável contra seres poderosos.
“Então é por isso que você envia os outros cavaleiros?”, perguntou Hades.
“Exatamente. Enfraquecer os alvos permite que minha maldição seja mais eficaz. No entanto, tenho várias semanas ou meses para trabalhar, então não importa muito se eles estão fracos ou não. A habilidade vai funcionar”, expliquei.
Foi então que olhei para as imagens dos meus companheiros na tela de mana. Naara estava no chão, e isso me surpreendeu.
“Hmm, parece que ela vai começar a lutar a sério. Uma pena para a princesa do gelo.”
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