Quinta-Feira 10:45 am.

    Os gritos rasgavam o ar, misturando-se ao som ensurdecedor de passos frenéticos. O que deveria ser apenas mais uma manhã comum transformou-se em um pesadelo sem saída. Os corredores, antes meros caminhos entre salas de aula, tornaram-se um labirinto de desespero, onde alunos se empurravam, tropeçavam e se atropelavam em uma tentativa cega de escapar. Mas não havia escapatória.

    Os corpos tombavam no chão, esmagados sob a multidão desgovernada. Um, dois — talvez mais — já haviam sido pisoteados, ossos estalando sob o peso de dezenas de pés apressados. Suas mãos se erguiam em súplica, agarrando-se a qualquer um que pudesse ajudá-los, mas não encontravam nada além da indiferença cruel da sobrevivência. Ninguém parava. Ninguém olhava para trás. O instinto gritava mais alto do que a compaixão.

    E então, os tiros.

    O estrondo seco ecoava pelos corredores, acompanhando os gritos como um maestro impiedoso. Sangue manchava as paredes, o chão, as mochilas largadas às pressas. O que havia causado tamanho caos naquela instituição educacional?

    Uma vingança.

    Emily Carter e David Brown haviam decidido que o mundo sentiria a mesma dor que eles carregavam. Não havia alvos específicos, não havia piedade — apenas o gosto amargo da revanche e o brilho metálico das armas em suas mãos. Quem cruzasse seu caminho, pagaria o preço.

    E, naquele dia, a escola aprendeu que o verdadeiro terror não vinha de monstros escondidos debaixo da cama, mas de rostos conhecidos, de vozes familiares, de colegas que um dia sorriram nos mesmos corredores.

    ***

    A manhã começou como qualquer outra.

    Os corredores fervilhavam com os murmúrios abafados dos alunos, armários batiam com pressa, professores enchiam seus copos de café na tentativa de reunir paciência para mais um dia aturando adolescentes insolentes. Nada parecia fora do comum.

    Então por que aquilo estava acontecendo?

    Esse era o pensamento que martelava na mente de Ashley, uma garota branca, de corpo mediano, curvas bem desenhadas, magra e loira, com olhos azuis brilhantes como safiras. Tais olhos agora estavam marejados. Lágrimas escorriam por seu rosto, não apenas pela dor, mas pelo pânico avassalador. Sua camisa grudava no corpo, encharcada de suor — fruto da corrida desesperada e do medo paralisante.

    E quem poderia culpá-la? Uma garota negra de cabelos crespos vinha atrás dela com uma arma em mãos, os olhos inflamados por um ódio impossível de conter.

    Outro tiro.

    Ashley sentiu o impacto antes mesmo de ouvir o som. Uma dor absurda, cortante, como se algo ardente tivesse perfurado sua perna e se alojado em sua carne. O joelho cedeu, e ela tombou para frente, caindo com brutalidade no chão duro. Seu rosto se chocou contra o azulejo frio do corredor, e um gosto metálico se espalhou por sua boca.

    Foi então que outra voz entrou em cena — alguém riu.

    — Olha só… finalmente no lugar ao qual pertence, Ashley.

    A voz veio carregada de deboche. Ashley arfou, virando-se com dificuldade. Sua perna latejava, e cada batida do coração parecia enviar ondas de dor lancinantes pelo ferimento. Mesmo caída, machucada e encurralada, sua arrogância não cedia.

    — Sua filha da puta! — rosnou, o rosto contorcido de dor e ódio. — Por que você está fazendo isso?!l

    A garota que segurava a arma não hesitou. Emily Carter, negra, baixa, de cabelos crespos e corpo volumoso, apenas rugiu em resposta. Seus olhos estavam vermelhos de lágrimas e fúria.

    — Você ainda tem coragem de perguntar?! — a voz dela saiu trêmula, mas não de medo e sim de puro rancor. — Depois de tudo que fez comigo?!

    Ashley riu, mas o riso veio carregado de veneno, cuspido como uma afronta — Sua macaca — o desprezo pingava de sua voz. — Eu devia ter pisado mais em você quando tive a chance.

    O silêncio que seguiu foi tão pesado quanto a tempestade que rugia lá fora. Os dedos de Emily tremeram ao redor da arma. A respiração dela estava pesada, como se o ar estivesse envenenado pela presença da loira.

    — Você não muda, né? Sua porca mal amada — a voz dela quebrou no final, afogada em emoção. — Você me destruiu. Você riu enquanto eu caía. Você me humilhou, me fez querer morrer. E ainda assim, você não vê nada de errado? Você não tem salvação. Pessoas como você não têm.

    Ashley arregalou os olhos. O dedo de Emily apertou o gatilho. O disparo ecoou pelos corredores. A bala perfurou o crânio, e tudo acabou. O corpo caiu pesadamente, um som surdo e final. O sangue salpicou a parede, o chão, e escorreu como tinta quente pelo rosto de Emily. Ela não recuou. Seu sorriso se alargou, distorcido, maníaco.

    Ela riu. E chorou.

    O sorriso permaneceu até o instante em que os policiais a alcançaram, apontando armas e ordenando que largasse a dela. Ela obedeceu sem resistência. Já tinha cumprido seu objetivo. E embora soubesse que pagaria com a própria vida atrás das grades…

    Ela não se arrependia.

    ***

    Ashley Wilson deslizava pelos corredores da escola como se fosse a dona do mundo. Para ela, tudo e todos eram apenas peças de um tabuleiro que ela controlava. E Emily Carter? Emily não passava de um erro, uma aberração no cenário perfeito que Ashley imaginava para si mesma.

    A primeira lembrança que veio foi um dos dias mais humilhantes para Emily:

    — E aí, Carter, tentando quebrar o recorde de quantas calorias consegue engolir antes da aula? — Ashley debochou alto no refeitório.

    Emily segurava um sanduíche trêmula, o olhar preso à mesa. Mas isso não foi o suficiente para salvá-la. Antes que pudesse reagir, Ashley passou a mão no prato dela e derrubou tudo no chão.

    — Ops! Ai, que desastrada sou! — disse em tom de falsa surpresa, colocando a mão no peito. As amigas de Ashley riram alto, e alguém até chutou os restos de comida para longe.

    Emily engoliu em seco, sentindo o rosto queimar. Sua barriga roncava, mas ela não se abaixaria para pegar a comida do chão. Não daria esse prazer para elas.

    Mas Ashley não estava satisfeita. — Sabe, Carter, você deveria agradecer. Tá comendo demais ultimamente. Assim talvez consiga passar pela porta sem entalar.

    A gargalhada geral veio como um tapa. Emily fechou os olhos, tentando segurar as lágrimas.

    ***

    Outro dia, no vestiário da educação física, Ashley encontrou uma nova forma de se divertir.

    Emily havia acabado de sair do chuveiro, envolta na toalha fina que mal cobria seu corpo. Era sempre um momento difícil para ela. Odiava se expor, sentia os olhares julgadores queimando sua pele. Mas naquele dia, foi pior.

    Ashley e suas amigas já estavam vestidas e esperavam apenas o momento certo.

    — Então, pessoal, já viram um porco em forma humana? Porque olha só o que temos aqui!

    Antes que Emily pudesse reagir, Ashley puxou a toalha dela com força. O pânico foi imediato. Emily tentou cobrir o corpo com os braços, mas não havia como se proteger da avalanche de risadas e celulares erguidos para gravar a cena.

    — Meu Deus, que espetáculo grotesco! — Ashley riu. — Talvez seja melhor ficar pelada mesmo, já que roupa nenhuma esconde essa banha.

    Emily se encolheu no chão, sentindo o mundo desabar. Ela queria desaparecer. Sumir. Morar num buraco onde ninguém nunca mais pudesse vê-la. E Ashley? Ashley se afastou satisfeita, como se tivesse acabado de vencer um jogo que só ela entendia.

    ***

    Cada lembrança era um espinho cravado na pele. Emily Carter não tinha esquecido. Nem perdoado. Agora, de arma em punho, vendo Ashley correr desesperada pelos corredores da escola, Emily saboreava o momento.

    O primeiro tiro foi um aviso. O segundo, uma promessa.

    E o terceiro…

    O terceiro foi a libertação.

    ***

    Quinta-Feira 11:52 am.

    O motorista da família Wilson esfregava a lataria negra do carro, removendo os resquícios de lama deixados pelo temporal da noite anterior. Assim que abriu a porta para limpar o interior, algo chamou sua atenção: um buquê de flores abandonado sobre o banco traseiro.

    Não ficou surpreso. Ashley Wilson jamais valorizaria algo que não fosse envolto em luxo. Flores? Eram apenas um amontoado de plantas inúteis para ela.

    Ele pegou o buquê, notando a tonalidade vibrante das pétalas violetas. No mesmo instante, um pequeno cartão deslizou para o chão. Curioso, abaixou-se para pegá-lo. O papel era simples, decorado com a imagem da mesma flor que ele agora segurava. Virou-o entre os dedos e encontrou uma mensagem em negrito, curta e enigmática.

    Um riso seco escapou de seus lábios. A ironia não passou despercebida. Aquela flor em suas mãos… representava exatamente o que Ashley espalhava por onde passava. Estava prestes a jogar tudo no lixo quando a empregada da casa surgiu apressada, o rosto lívido, a voz ofegante, carregada de um prazer mórbido disfarçado de preocupação.

    — Houve um tiroteio na escola da senhorita Ashley.

    O motorista piscou, surpreso.

    — Os pais dela saíram correndo do trabalho. Estão desesperados…, mas, ah, coitados — a mulher baixou o tom, quase um sussurro excitado. — Nem imaginam que a filha deles não tem mais do que reclamar. Nunca mais.

    O silêncio que se seguiu foi sufocante. O homem baixou os olhos para o buquê ainda em suas mãos.

    Acônitos: Na linguagem das flores, simbolizam a misantropia: o desprezo pela humanidade, o ódio em sua forma mais pura. Um presente perfeito para quem não tem alma, nem coração.

    Com um último olhar para as pétalas encharcadas pelo sereno, ele soube que aquela despedida tinha sido planejada muito antes do primeiro disparo ecoar pelos corredores da escola.

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