Raphael Durand

    Hoje era o aniversário de minha esposa, Sophia Durand. Como em todos os anos, meu ritual era presenteá-la com um buquê de flores. Normalmente, eu as comprava em uma floricultura perto de casa, mas, para minha surpresa, ela havia fechado na semana passada. Descobri isso apenas hoje, ao chegar e encontrar um cartaz na porta com um pedido de desculpas e um grande “FECHADO” em letras maiúsculas, ao lado de outro papel anunciando a venda do local, com um número de contato abaixo.

    Agora, eu vagava pela cidade em busca de outra floricultura, mas minha paciência estava se esgotando. Justo quando considerei desistir, meus olhos captaram algo peculiar, uma pequena loja diante de um beco estreito.

    Havia algo nela que me atraía.

    Olhei para a placa acima da porta. Lótus Azul. Na vitrine podia ser visto alguns vasos de plantas então resolvi arriscar. Um arrepio percorreu minha espinha. Parecia… destino.

    Empurrei a porta e entrei. O ambiente me envolveu imediatamente, como se eu tivesse atravessado para outro mundo. O lugar lembrava um antiquário, com vasos de flores dispostos em prateleiras de madeira, algumas plantas caindo em cascata do teto. A atmosfera exalava um ar antigo, carregado de nostalgia — e olha que eu sou velho. — O aroma das flores impregnava o ar, e a luz filtrada pelas janelas criava um efeito quase místico sobre as pétalas coloridas.

    Aproximei-me do balcão e toquei a pequena campainha de mesa. O som ecoou suavemente pelo ambiente. Segundos depois, uma mulher emergiu dos fundos.

    — Bom dia, em que posso ajudar o senhor hoje?

    Sua voz era melodiosa, acompanhada de um sorriso cortês. Ela era encantadora. Traços asiáticos, cabelos loiros escuros. Sua aparência era incomum, quase teatral. Usava um vestido preto com babados e detalhes vermelhos, longo atrás e curto na frente. Um pequeno chapéu adornava sua cabeça, combinando com as luvas que iam até os cotovelos e as botas de salto alto.

    Mas o que mais me chamou a atenção foram seus olhos. Verdes como esmeraldas, brilhando com uma intensidade quase hipnótica.

    — Senhor?!

    — Ah, claro! Desculpe-me — tentei me recompor. — Gostaria de comprar um buquê de flores. Alguma recomendação? É para o aniversário da minha esposa.

    Um brilho curioso passou pelos olhos da mulher.

    — Entendi. Acho que tenho as flores perfeitas para ela. Mas, antes, poderia me ajudar com essa bandeja?

    Só então percebi que ela carregava um jogo de chá dourado feito de vidro, apesar de que remetia mais ao cristal pela sua transparência e elegância.

    — Claro, onde devo colocá-la?

    Ela apontou para uma pequena mesa redonda no canto da loja. — Ali, por favor.

    Obedeci prontamente, depositando a bandeja com cuidado. Para minha surpresa, ela me ofereceu uma xícara de chá.

    — Aceitaria tomar uma xícara comigo?

    — Eu adoraria, porém, estou um pouco atrasado.

    — Uma xícara não fará mal, — disse ela, com um sorriso enigmático. — Logo você terá suas flores.

    Sua insistência tinha algo de irresistível. Era como se suas palavras carregassem uma força que anulasse qualquer argumento. Suspirei, vencido, e me sentei, aceitando a xícara que ela oferecia.

    — Obrigado, senhorita…?

    — Ren.

    — Um prazer conhecê-la, senhorita Ren. Meu nome é Raphael.

    Ela fez uma leve reverência. — Igualmente. Então, me fale sobre sua esposa.

    A pergunta me pegou de surpresa, e quase derramei o chá. Recobrando a compostura, sorri antes de responder.

    — Em poucas palavras? Ela era incrível. Nunca conheci alguém como Sophia.

    — Me explique.

    — Como descrevê-la? — suspirei, ajustando a postura. — Uma mulher de caráter forte, completamente diferente de mim. Determinada, mas também doce. Nunca desistia do que acreditava ser correto. Uma verdadeira ativista.

    Ren sorriu.

    — Parece realmente especial.

    — Sim… 

    Ela me observou em silêncio, como se pudesse ver mais do que eu estava disposto a revelar.

    — Você é um homem de sorte, Raphael. Nem todos têm a chance de encontrar um amor assim.

    Concordei, sem palavras. O aroma do chá e das flores se misturava ao turbilhão de memórias que me envolvia. A risada de Sophia, seu olhar brilhante, o jeito apaixonado com que falava sobre suas causas. Ela sempre será a mulher da minha vida. Não importa quanto tempo passe, sei que nunca conseguirei amar outra pessoa.

    — Senhor Raphael? 

    Sua voz suave me trouxe de volta.

    — Oh! Sim, desculpe, — ri, tentando disfarçar. — Me perdi em lembranças, sabe coisa de gente velha.

    — Eu imagino o que… ou melhor, quem ocupava sua mente. Sophia teve sorte de encontrar um homem tão bom quanto você. E vice-versa.

    Ela tinha um sorriso leve e eu não pude evitar retribuí-lo. Contudo o meu era mais um tipo de sorriso nostálgico. Os minutos seguintes passaram como um sopro. Contei a Ren sobre minha vida com Sophia, nossos desafios, alegrias e o lar que construímos. Quando o chá terminou, ela se levantou graciosamente.

    — Vou preparar seu buquê. Tenho certeza de que ela vai gostar.

    A observei desaparecer nos fundos da loja. Algum tempo depois, ela retornou, segurando um buquê cuidadosamente embalado, que não pude deixar de admirar.

    — Aqui está. Espero que esteja do seu agrado.

    — Não poderia ser mais perfeito. Obrigado, senhorita.

    Depois de pagar, deixei a loja. Mas a imagem de Ren e daquele lugar peculiar permaneceram comigo, como um sonho que se recusa a se dissolver ao amanhecer.

    ***

    O céu começava a se tingir de laranja e púrpura quando cheguei ao encontro de Sophia. O silêncio do lugar, quebrado apenas pelo som suave do vento, parecia acolher meus passos.

    — Sophia, desculpe pelo atraso — minha voz ecoou baixo. — A floricultura que eu sempre ia fechou recentemente, e fiquei andando pela cidade à procura de outra.

    Fiz uma pausa para recuperar o ar.

    — Eu sei… deveria ter me organizado melhor. Mas você sabe como sou — sorrio. — Hoje, quando fui comprar as flores, encontrei uma floricultura deslumbrante. Aposto que você ficaria maravilhada se visse. E também conheci uma mulher um tanto peculiar.

    A imagem de Ren surge em minha mente, com seu vestido elaborado e a maneira distinta como falava.

    — Ela parecia saber muito sobre você, Sophia. Algo no jeito dela, nas palavras… era estranho, quase como se já te conhecesse.

    O sol começava a desaparecer no horizonte, tingindo o céu de um tom escarlate profundo.

    — Parece que hoje nosso encontro terá que ser mais breve do que o normal. Perdão por isso. Mas prometo que virei amanhã novamente.

    Abaixo-me para colocar o buquê diante da lápide de mármore branco, onde o nome de Sophia está gravado com elegância. Sua foto foi uma das últimas que tirei dela quando viajamos para a França. Ao fazer isso, noto algo cair do buquê — um cartão.

    Curioso o pegou, virando-o para ler. A imagem, idêntica às flores que acabei de deixar na lápide, decora o cartão. Abaixo dela, uma frase simples, mas poderosa:

    “Crisântemos: uma escolha apropriada para demonstrar apoio e solidariedade aos entes queridos do falecido. Representam luto e memória, honrando a vida de quem partiu.”

    Fico imóvel por um instante. Como ela poderia saber? Não lembro de ter mencionado nada dessa parte sobre Sophia. Uma risada curta e desconcertada escapa de meus lábios:

    — Ren… você é realmente a pessoa mais misteriosa que já conheci.

    Enquanto observo o cartão mais uma vez, uma brisa suave percorre o cemitério, trazendo consigo uma leve fragrância floral. Por um instante, tenho a estranha sensação de que Sophia está ali, sussurrando algo que eu não consigo ouvir. Fico mais um tempo em silêncio, perdido entre memórias e mistérios. A noite começa a cair, e, apesar do vazio que carrego, meu coração parece um pouco mais leve.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota