Seis meses haviam se passado desde sua última visita à floricultura Lótus Azul. A vida, como Elen conhecia, havia virado de cabeça para baixo.

    Tudo começou com o término de seu relacionamento com Arthur. Após semanas refletindo sobre sua felicidade — ou melhor, a falta dela —, finalmente compreendeu que nunca poderiam ser felizes juntos, não com o que haviam se tornado.

    A conversa que selou o fim ainda latejava em sua memória. O local escolhido? Um café movimentado no centro da cidade, onde o barulho constante de talheres e vozes abafadas criava uma barreira discreta contra as emoções expostas. Alexandro insistiu em acompanhá-la. Sentou-se algumas mesas adiante, dando espaço, mas não distância, o que, no fundo, trouxe um alívio a Eleanor.

    Arthur chegou atrasado. Seus passos pesados e a expressão carregada já anunciavam o que estava por vir. Ele se jogou na cadeira à sua frente e cruzou os braços, impaciente.

    — Certo, o que foi agora? — disparou, sem rodeios.

    Eleanor respirou fundo, sentindo o peso das palavras prestes a serem ditas.

    — Arthur, precisamos terminar.

    Por um momento, ele congelou, como se a frase não fizesse sentido. Então, uma risada amarga escapou de seus lábios.

    — Você só pode estar brincando.

    Balançou a cabeça, firme. — Não, Arthur. Chegamos ao nosso limite. As brigas, o ciúme, as desconfianças… Isso está nos destruindo. Eu não quero viver assim, e tenho certeza de que você também não.

    Seus olhos se estreitaram. Ele inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa.

    — Ah, entendi… — murmurou, a ironia gotejando de cada sílaba. — Então tem outro cara, é isso? Está me trocando?

    A acusação era previsível, mas nem por isso menos irritante. Ainda assim, Eleanor se manteve firme.

    — Não é sobre outra pessoa. É sobre nós. Sobre como deixamos de ser parceiros e nos tornamos o pior um do outro.

    — Você é uma ingrata! Depois de tudo o que fiz por você?

    Seus dedos apertaram o copo de café, buscando manter a calma. O tom de voz dele começa a atrair olhares das mesas próximas

    — Arthur, ninguém está negando o que vivemos. Mas isso acabou. Por favor, me escute…

    Ele a interrompeu, batendo a mão na mesa com força.

    — Escutar o quê? Mais mentiras? Eu sabia que não podia confiar em você!

    O burburinho ao redor cresceu, e o garçom lançou olhares nervosos na direção deles. Foi nesse momento que Alexandro se levantou e se aproximou da mesa, a postura relaxada, mas os olhos firmes.

    — Está tudo bem aqui? 

    Falou de forma calma, mas nunca desviou seu olhar do homem a frente, o encarando diretamente. Arthur estreitou os olhos, reconhecendo-o. Sua expressão se contorceu em fúria.

    — Ah, agora tudo faz sentido! Era ele o tempo todo, não era? Você estava me traindo com esse imprestável!

    Ele se levantou bruscamente, derrubando a cadeira. Mas Alexandro não recuou. O coração de Eleanor batia acelerado, mas sua voz saiu firme:

    — Chega, Arthur. Essa conversa acabou. Já disse tudo o que estava entalado, e espero que nunca mais me procure. Peguei tudo o que era meu no seu apartamento, então não vejo mais motivo para continuarmos em contato.

    Levantou-se e saiu, sentindo o olhar dele queimando suas costas. O ar frio da rua foi um choque bem-vindo. Quando alcançaram a calçada, Arthur veio atrás, a mão estendida para agarrá-la pelo braço. Mas Alexandro foi mais rápido. Postou-se entre os dois, seu corpo uma barreira silenciosa.

    O rosto de Arthur oscilou entre a raiva e a hesitação. Alex era mais alto, mais forte, e estavam em um local público. O murmúrio das pessoas ao redor era um aviso claro. 

    — Vai embora, Arthur.

    Sua voz era firme, mas controlada, revelando que estava pronto para qualquer reação do outro homem. Arthur bufou, os olhos transbordando desprezo ao encarar Eleanor pela última vez. Então, virou as costas e desapareceu na multidão.

    Essa foi a última vez que o viram.

    ***

    Após o término, rumores chegaram até Eleanor. Arthur havia sido preso por tentativa de homicídio contra sua nova namorada. A jovem sobreviveu, mas estava hospitalizada, lutando para se recuperar. A notícia trouxe um alívio cruel, um peso que se dissipou e, ao mesmo tempo, deixava uma sombra fria sobre sua pele. Não conseguiu evitar o pensamento sufocante: Poderia ter sido eu.

    Durante todo esse tempo, Alex nunca se afastou. Esteve ali, silencioso em sua presença, constante em sua paciência. Tornaram-se inseparáveis, compartilhando tardes tranquilas e conversas que se estendiam até a madrugada. Mas ela hesitava. Temia estragar o que tinham, temia se perder em alguém de novo. Mesmo assim, seu coração teimava em bater mais forte toda vez que ele lhe lançava um sorriso distraído ou quando seu olhar repousava nela por tempo demais.

    Foi numa tarde dourada de outono que tudo mudou. O vento brincava com as folhas, espalhando tons de cobre pelo parque, e o sol projetava sombras longas na grama. Sentados lado a lado, a distância entre eles era pequena, mas carregada de significados não ditos.

    Foi quando ele quebrou o silêncio, a voz carregada de algo mais profundo.

    — Eu preciso te dizer uma coisa.

    Passou a mão pelos cabelos, um gesto de nervosismo raro nele. Respirou fundo antes de continuar:

    — Eu sempre gostei de você, Eleanor. Muito antes de tudo aquilo com Arthur. Mas nunca quis interferir na sua felicidade.

    Ela sentiu o coração acelerar, a mente tomada pelo turbilhão de emoções que tentava ignorar há meses. E se desse errado? E se perdesse ele também?

    — Alex…  eu… 

    Sua voz falhou, a incerteza pesando sobre cada palavra. Ele, porém, apenas sorriu, os olhos carregados de uma paciência que a desarmou por completo.

    — Não precisa dizer nada agora — sua mão encontrando a dela em um toque firme e reconfortante. — Sei que você precisa de tempo. E estou disposto a esperar.

    Eleanor assentiu, incapaz de responder, sentindo o calor do toque dele e a segurança que sempre encontrou ao seu lado. Uma única lágrima escapou, silenciosa. Talvez, pela primeira vez em muito tempo, não fosse de dor.

    ***

    Três anos haviam se passado desde sua visita à Lótus Azul. Agora, Alexandro e Eleanor estavam noivos, e a mudança para a nova casa era o começo de mais um capítulo juntos.

    A casa tinha um ar acolhedor, com janelas amplas que deixavam a luz do fim da tarde derramar-se pelos cômodos, tingindo as paredes em tons beges. O aroma sutil de madeira recém polida misturava-se ao perfume das caixas abertas, um cheiro de recomeço. Tapetes felpudos ainda enrolados aguardavam seu lugar no chão, e cortinas claras balançavam suavemente com a brisa que entrava pela varanda.

    Enquanto os móveis eram descarregados, Eleanor caminhava pela sala, observando cada detalhe com um misto de ansiedade e excitação. Em suas mãos, segurava com delicadeza o vaso de jacinto que Ren lhe havia dado anos atrás. O presente fora mais do que um gesto de amizade — era um lembrete silencioso do que ela havia deixado para trás e de tudo o que ainda estava por vir.

    Procurando o local ideal, seus olhos pousaram em um canto próximo à varanda, onde a luz tocava o chão de maneira suave, quase convidativa. Parecia o lugar perfeito. Ao depositar o vaso ali, notou algo curioso. Havia um papel dobrado cuidadosamente sobre a cerâmica. Com os dedos trêmulos, puxou-o para si. Era uma folha fina, ligeiramente amarelada pelo tempo. No centro, havia a ilustração delicada de um jacinto roxo e, logo abaixo, uma breve descrição:

    “Na linguagem das flores, o jacinto roxo significa tristeza, perdão e arrependimento. Pode ser dado para quem se desiludiu com a perda de um amor e está deprimido. Porém, em pouco tempo, estará recuperado e pronto para um novo relacionamento.”

    Eleanor releu as palavras, um sorriso discreto surgindo em seus lábios. Como se Ren tivesse antecipado tudo o que viria.

    — Algo interessante?

    A voz familiar de Alexandro soou atrás dela, enquanto ele entrava segurando uma caixa nos braços. Ela virou-se, segurando o papel entre os dedos.

    — É sobre o jacinto — disse, estendendo o bilhete para ele. — Ele significa… um recomeço.

    Alexandre se aproximou, lendo o texto por cima do ombro dela. Um sorriso brincou em seu rosto.

    — Combina perfeitamente com você.

    Eleanor ergueu os olhos para ele, tocada pela simplicidade e profundidade de suas palavras.

    — Talvez Ren soubesse disso antes de mim — murmurou, pensativa.

    Ele riu baixinho, puxando-a para um abraço.

    — Bom, recomeço ou não, o importante é que estamos aqui agora.

    O calor de Alexandro a envolveu, dissipando qualquer sombra de dúvida que ainda restasse. O jacinto, vibrante e sereno, parecia iluminar o ambiente, um símbolo silencioso de tudo o que os dois haviam superado para estar ali juntos.

    Ela deslizou os dedos entre os dele, apertando sua mão com firmeza.

    — Vamos aproveitar tudo — sussurrou, fitando-o com intensidade. — Não quero arrependimentos.

    — Nem eu.

    E então, sem aviso, Alexandro puxou-a para um beijo. Mas não foi apenas um toque de lábios — foi profundo, carregado de promessas não ditas, de segredos partilhados sem palavras. O mundo ao redor pareceu desaparecer, restando apenas o calor de seus corpos colados, a respiração entrecortada e a certeza de que, depois de tantas tempestades, estavam finalmente onde deveriam estar.

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