Índice de Capítulo

    — Ei, moleque — chamou Michel, chegando ao fim do bosque e se encontrando com Edward.

    De início, Edward pensou que Michel estava falando com ele, mas o líder de Midian logo demonstrou sua verdadeira intenção.

    Cutucando Theo sentado no chão e rabiscando a terra com um graveto, Edward chamou a atenção de seu sobrinho.

    — Ele está falando com você, Te.

    Theo olhou para Michel com uma expressão monótona que incomodou o líder.

    — O garoto tem uma expressão bem… 

    — Eu sei — retrucou Ethan, totalmente insatisfeito.

    Michel tirou uma foice pequena da cintura enquanto arrumava o chapéu de palha. Com um movimento de cabeça, o líder chamou Theo sem dizer uma palavra.

    Alguns minutos depois, uma aglomeração de aldeões formou-se ao redor de um setor da plantação, cujo tampava a estrada e metade das rotas entre a lavoura.

    Eles cochichavam enquanto gargalhadas estouram por vezes. Nada relacionado ao evento que os fez se reunirem ali, mas por motivos pessoais: os fazendeiros apenas encontraram a oportunidade para descansar por alguns minutos e jogar assunto fora.

    — O que tá acontecendo por aqui? Por que vocês não estão trabalhando?! — reclamou Anton, um dos homens mais próximos de Michel.

    O camponês entrou na multidão empurrando os outros fazendeiros.

    Quando chegou ao fim do caminho… Ele se surpreendeu.

    Anton ficou chocado com as costas do Duque Ethan, que estava parado e de braços cruzados apenas observando ao longe.

    — Lorde… — Ele disse, mas foi interrompido por um suspiro pesado.

    — Corte nessa altura — disse Michel, passando a mão no corpo da planta do trigo, quase próximo ao chão.

    Com a foice na mão, Theo cortou exatamente onde Michel ordenou.

    — Ótimo, guarde ali. Agora, faça novamente com os próximos.

    — O que você está fazendo? — Anton perguntou ao se aproximar.

    — Dando motivos para o Jovem Mestre se exibir ao Magnum.

    Uma veia saltou na testa de Anton; Magnum era seu filho único, mas, diferente de Theo, não era um desviante.

    — Vamos! Vou lhe ensinar a tirar as sementes.

    Ao acompanhar Theo e Michel pelo resto daquele dia, Ethan encontrou a solução para sua preocupação.

    Nos próximos meses, Ethan levou Theo para o vilarejo ao menos duas vezes na semana. Mesmo com mais de trinta crianças para brincar, Theo preferiu ficar nos pés de Michel.

    Ele se encontrou apenas na personalidade e valores do ancião, alguém totalmente o oposto de Liam Mason. Theo se apegou ao fato de Michel estar sempre estendendo a mão para os outros, embora não precisassem tanto, apenas para acumular o que ele chama de “saldo positivo”.

    Um carma capaz de garantir um descanso digno… Algo que Liam não fez questão de ter.

    Antes, Michel disse que não existiam heróis na humanidade… Mas o próprio acabou se tornando a luz de uma criança com o brilho mais intenso.

    Um segundo pai para o Jovem Mestre dos Lawrence.

    Quatro meses depois de começar a conviver com Michel, o garoto já estava relativamente mais aberto com alguns aldeões, mas não havia se identificado com as crianças de Midian.

    Quando Michel não estava próximo, Theo ficava sentado aos pés de uma árvore rabiscando a terra com um graveto.

    Naquela tarde em particular, Theo estava rabiscando uma espécie de olho no chão, com raios formando uma espécie de velcro mágico contornando uma pupila afiada.

    “Acho que era assim…” pensou analisando os rabiscos. “A vontade do destruidor… Todas essas informações estão dentro da minha cabeça, todas essas memórias são tão…”

    De olhos cerrados, ele suspirou fortemente.

    “Cruéis.”

    — O que você está fazendo? — Agnes, uma criança cabelos ruivos e olhos castanhos, aproximou-se de Theo lentamente. A neta de Michel, então, continuou: — O que seria isso?

    Ela se inclinou para analisar o desenho de Theo.

    “Ele é estranho…”

    — Um olho…

    — Está bagunçado… A composição não é boa.

    O orgulho de Theo foi atingido. Como?! Como ela teve a coragem de insultar a arte dele? Embora realmente não fosse mil maravilhas… Talvez ela não estivesse tendo a mesma interpretação que ele.

    — Não é para você entender.

    Agnes riu, pois sabia que era a desculpa de alguém com o ego atingido.

    — Sim, sim. Claro. Tem problemas se eu ficar aqui, lendo?

    Os olhos de Theo brilharam como o ouro mais belo.

    — Você lê?! Tipo… Você não é uma camponesa? Como sabe ler?

    Agnes estufou o peito de orgulho e balançou suas ondas de cabelos ruivos para trás.

    — A Duquesa me ensina. — Agnes mostrou um livro — Ela me entrega um livro por semana e, enquanto você está aqui, ela me ensina a ler e escrever…

    A arrogância na voz de Agnes incomodou a Theo.

    — Tá? Ela me ensina todo dia. Lê para mim, me ensina a ler e escrever, me ensina a pintar…

    Enquanto Agnes estalava a língua e ficava frustrada com suas tentativas falhas de incomodar o Jovem Mestre, este, portanto, olhou para a capa do livro em posse da garota e sorriu.

    — Aaaah, o livro da Incursão a Snegriya, né? — Theo comentou entretido. — Sergei Van Klanov decidiu ir para lá há quinhentos anos, para formar a comunidade Patriarcal do Polo Sul. É uma pena que as bestas de mana só Sul, dominadas pelos xamãs antigos, tenham aniquilado toda a tripulação… Só os diários de Van Klanov foram encontrados engarrafados nos naufrágios…

    Theo havia acabado de resumir todo o artigo que Agnes iria usar como material de estudo. Aquilo irritou completamente a garota.

    — Desgraçado! — Ela gritou.

    — Ui, ui. Que vulgar.

    Mexendo os braços e deixando o corpo mole, Theo tirou sarro da neta de seu mentor.

    Pegando um punhado de terra, Agnes lançou contra o Jovem Mestre. Guardando o livro no pé de uma árvore, ela segurou o vestido entre as pernas e começou a correr atrás de Theo…

    Um grande erro.

    Como um desviante, Theo era absurdamente mais rápido que Agnes (embora ela também fosse uma desviante). E embora tivesse aproximadamente dois anos e dez meses, justamente por ser um desviante, a maturidade física de Theo beirava aos de uma criança com quase cinco anos.

    Desviando de Agnes e fazendo-a escorregar na areia, Theo deu a volta e furtou o livro sobre Van Klanov antes de correr para a estrada principal.

    — Devolve! — Agnes berrou tentando se levantar. Ela o perseguiu até a estrada. — É um presente da Duquesa!

    Theo correu pela estrada em direção à plantação de trigo que, naquela época, estava pequena graças à colheita. Ele passou da estrada principal para uma estrada que cortava a plantação.

    O Jovem Mestre começou a gargalhar enquanto corria.

    — Magnum! — Agnes chamou por um garoto sentado numa carroça — Me ajuda!

    O garoto Magnum, sonolento e com um chapéu de palha no rosto para cobrir a face do sol, atentou-se calmamente bocejando e tentando abrir os olhos.

    — Hã?… — Ele resmungou ao bocejar. — O que floi?

    — Pega meu livro!

    Tirando o chapéu do rosto, Magnum se arrumou e olhou para Theo, que ainda corria em sua direção. Sem entender completamente o que Agnes tentou dizer, ele apenas notou um livro debaixo dos braços de Theo e decidiu agir.

    Caindo em cima dos fenos ao lado da carroça, Magnum correu rumo a Theo e se lançou aos pés do Jovem Mestre. Entretanto, este saltou por cima do jovem camponês e o fez cair no chão.

    Michel e Anton viram o exato momento que Magnum caiu. Anton, após ver seu filho caindo descuidadamente no chão, soltou imediatamente os fardos de trigo que carregava nos braços e correu atrás.

    — E, rapaz… — Michel murmurou.

    — Mag! — Anton gritou desesperado.

    — Ei, Theo! Pra plantação! — Michel sugeriu apontando para longe.

    Sem hesitar e demonstrando total confiança em Michel, o Jovem Mestre se lançou para dentro do campo e correu entre as sobras do plantio.

    Irritado, Magnum fez o mesmo.

    “Agnes me acordou só pra isso?! Agora não posso mais voltar a dormir até conseguir pegar o livro!”

    Embora a plantação estivesse cultivada e baixa, era o suficiente para cobrir as pernas curtas das duas crianças. E, ainda que Theo fosse mais rápido e preparado, seu fôlego estava gradualmente se acabando.

    Ele passou a caminhar devagar e olhou para os lados procurando uma rota.

    Mas, inesperadamente, Magnum o atingiu ligeiramente.

    Quando Theo percebeu, ele distanciou o livro e usou o corpo para deixar Magnum longe. O camponês, no entanto, correu para as costas de Theo e tentou roubar o livro novamente.

    Porém, o Jovem Mestre Lawrence jogou o livro para a frente apenas para pegar novamente e se livrar de Magnum. Funcionou, pois, confuso, o jovem camponês largou as costas de Theo.

    Eles correram mais alguns metros até que Theo perdesse o controle ao tropeçar nas plantas.

    Theo foi o primeiro a cair: Magnum, posteriormente, bolou pelo lado.

    O livro caiu da páginas abertas próximo de Theo.

    Ambos os garotos caíram de barriga para cima, podendo assistir ao céu daquela tarde.

    Ofegantes, começaram a esquecer o cansaço e foram tomados pela adrenalina. Em questão de segundos, caíram em gargalhada.

    — Essa menina é maluca! — exclamou Magnum.

    — Pois é! — Theo concordou.

    — Quem vocês estão chamando de quê?! — Agnes, que corria pelo campo levantando o vestido para não tropeçar, berrou indo pegar o livre.

    Anton suspirou de alívio.

    Michel sorriu e virou-se para realizar suas tarefas.

    Eram as primeiras faíscas de felicidade de Theo, aos quais não seriam alimentadas por tanto tempo…

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