Capítulo 116 — Horológio de Boreas (3)
Sem sentir realmente o peso dos andares do Horológio de Boreas, Theo obliterou rapidamente os andares três e quatro.
As criaturas se resumiram à continuidade evolutiva da árvore anolus; no terceiro andar, foi a vez dos anyfelos.
Seres que se assemelham a uma serpente de ossos, no entanto, com sua cabeça possuindo um vórtice por dentro do crânio. O esqueleto era exposto, embora fosse possível ver a mana vagar por entre sua coluna e sustentar suas asas flutuantes ao redor do corpo.
Se comparado aos anolus, a visão da evolução era infinitamente superior, tendo uma vantagem comum para os espíritos de vento, mas difícil para criaturas de baixo nível; poder ler as turbulências de vento, sendo assim, capaz de prever as ações antes de acontecerem.
Theo sofreu um pouco por estar despreparado.
Embora tivesse lido sobre essa árvore evolutiva de criaturas, passou longe de sua cabeça poder lutar contra elas.
Porém, sua solução para derrotá-lo fora manipular os vetores do vento ao redor do corpo das criaturas, criando cortes e partindo-as ao meio rapidamente. Assim, ele preveniu que os anyfelos pudessem reagir à turbulência.
No quarto andar, Theo encarou as mesmas criaturas.
Ele utilizou da mesma estratégia, porém, teve de aguçar sua estratégia e manipulação elemental, chegando a prolongar a luta a quase meia hora. Foi uma luta chata e longa, mas Theo conseguiu lutar sem sofrer danos.
E no fim, ele decidiu não avançar para o quinto andar.
Conhecendo os padrões, os andares quintos (5, 10, 15…) provavelmente terão algo especial e ele não queria presenciar agora. Sabendo que são cem andares e notando a facilidade dos primeiros, ele temeu a dificuldade dos superiores.
Naturalmente, qualquer um avançaria até o fim, sabendo que iria retornar mesmo que morresse.
Mas Theo não possui um espírito competitivo.
Ele não age pelo impulso da adrenalina por um novo desafio, ele avança cautelosamente e pela lógica; se for seguro, ele avança, se houver uma incerteza como a que está sentindo no quarto andar, ele recua.
Embora haja raras exceções, quando Theo sente prazer em lutar, é dificil vê-lo sair desse raciocínio.
Entretanto, ele não desistiu completamente da torre. Agindo pelos padrões e lógica, Theo tinha alguns testes para realizar. O primeiro deles era sua projeção.
Por escolha própria que ele sempre entra em seu plano espiritual surgindo na plantação de trigo, no mesmo ponto.
Afinal, antes não tinha nada de interessante para ir ao longe. No entanto, agora que possui uma estrutura divina em seu próprio mundo, ele queria saber se consegue chegar aos andares superiores apenas se projetando.
Estando no plano, inicialmente não foi capaz. Ele teria que sair e retornar, somente assim poderia se projetar como desejado.
Quando despertou novamente, encontrou a todos ainda em descanso, tendo apenas Nihaya como exceção; o djinn se mantinha de guarda na entrada da gruta.
Durante mais alguns segundos, analisando o ambiente e o comportamento de Nihaya, Theo retornou para seu plano espiritual; desta vez, viajando por sua própria mente e induzindo seu espírito ao andar vinte e cinco, onde tentou se materializar pela janela.
No entanto, assim que se projetou no plano espiritual, Theo foi lançado para longe com uma explosão de vento.
Theo caiu sem suporte no chão, tendo apenas um pequeno vórtice para amortecer a queda. Deitado no chão e rodeado pelo trigo, ele ponderou sua atual situação.
O choque mental que o rapaz levou teria sido o suficiente para desfalecer qualquer um, mas ele resistiu.
Ainda assim, esse choque foi o suficiente para Theo acordar e não conseguir acessar o próprio plano espiritual por algumas horas; para acessar o plano, deve-se estar pleno de sua própria consciência.
Afinal, o plano espiritual que Theo acessa casualmente é o plano mental, uma manifestação da mente do rapaz que toma uma forma dimensional para si e para quem entrar nele. Isso é um plano espiritual individual.
Com sua mente levemente paralisada pelo choque de poder que recebeu ao tentar invadir um local superior, Theo foi afetado a ponto de não poder acessar seu plano espiritual.
Acordando desnorteado, teve seu transe interrompido por Nihaya que rapidamente brincou com o jovem dizendo:
— Não está conseguindo dormir?
Theo havia acordado há poucos minutos, e acabado de acordar novamente.
Ainda desnorteado, tentou responder Nihaya sem ignorância.
— Estava testando algumas coisas no meu plano individual — retrucou.
— Entendo.
Olhando para sua unha, Theo notou uma cutícula que o incomodou incondicionalmente e decidiu roer, buscando arrancar a epiderme que permanecia em sua parte externa.
O local estava um verdadeiro silêncio; tedioso, mas calmo. Todos estavam realmente apagados de cansaço, era notório pelo fluxo de energia fraco em seus canais de chakra.
Deslocando a cabeça de Serach, ao qual repousava em seu ombro, Theo visou sair sem despertar sua protetora e Aidna — que estava deitada em seu colo. Cautelosamente, ele caminhou até Nihaya.
— Veio pedir perdão? — indagou Nihaya.
— Não — retrucou instantâneamente.
— Típico de um general.
— Como você sabe sobre mim? Vagou entre mundos também?
— Também? — perguntou genuinamente, mas não esperou uma resposta. — Não. Só posso vagar entre os planos do domínio, sou um prisioneiro também. É… Eu sei de vocês por que li suas mentes; gostaria de saber o potencial dos novos desafiantes de Bvoyna. Então, me deparei com você; um ser fragmentado, o espectro do destino. Pelo que soube do Arconte deste domínio, Araav, o Arconte do Destino, foi o único que matou um Mephys. Coloco expectativas em você quanto a isso.
— Não enche.
Nihaya sorriu abafado.
Ele sabia o desdém de Theo quanto aos Arcontes e toda a conversa convincente de Alunne sobre o arauto de Araav, por isso decidiu brincar com o jovem. Em contrapartida, o djinn acreditava fielmente naquelas baboseiras superficiais.
— Ah, como você se tornou um djinn? — perguntou curioso após alguns segundos.
Nihaya olhou para o céu estrelado, analisando a paisagem enquanto buscava uma explicação humana.
— Através do conhecimento da energia. Eu vaguei por décadas até que descobrisse a verdade no monte Eot’i, onde adquiri a consciência absoluta… O mundo é energia; se você molda a energia, logo irá moldar o mundo… Entendi isso por Nalleth Zala.
— Você o conheceu?
— Sim.
— Como ele era? Sua aparência, personalidade, força, mentalidade, postura…
— Quer o código de indivíduo? Ele era incrível, pena que desprezível — disse suspirando. — Foi um dos mais sábios a quem tive o prazer de conhecer, e hoje só estou vivo por causa dele. Mas, utilizou a matemática para quebrar a barreira errada. No fim, surgiu um herói que assumiu o papel de vilão…
Theo processou por alguns instantes.
Ele admirava Nalleth, aprendeu a enxergar o lado “heróico” do vilão mundial após a noite que dormiu na casa de Luanne.
O rapaz até trouxe uma saga de livros sobre Nalleth em sua mochila, mas, devido ao catastrófico rumo que a missão tomou, ainda não teve a chance de ler.
Ver um djinn admirar sua inspiração foi belo.
— Você disse que iria me contar um segredo, antes do meu capricho…
— Em partes, era sobre você e os dois Titãs. Mas, agora tenho um novo segredo que não preciso contar. Quer dizer, precisa, mas não irei contar…
— Filho da puta… Vai mesmo meter essa?
O djinn sorriu balançando a cabeça, enquanto Theo o encarou irritado.
Logo ele relevou e ignorou o comportamento de Nihaya.
“É mesmo… Se passaram algumas semanas desde que entramos aqui. Eu mudei?…”
Olhando para suas mãos, viu as sombras do passado lhe agarrar: puxando sua essência e corroendo sua mente, trazendo à tona os pesadelos, agora sendo o motivo de uma evolução apressada.
Uma adaptação momentânea gerada por um sim apressado, somente agora ele estava desfrutando de suas memórias e experiências por completo.
A mente de Theo estava passando por um momento de turbilhões de memórias ao mesmo tempo, cada brecha que uma memória abria, dava lugar a outro fragmento.
Ele revisitou memórias que não desejava ver novamente, fazendo suas lembranças imparciais se tornarem completas. Foi uma vida resumida a sangue e dor, gerada por uma guerra entre dois reis egoístas e um soldado que não obedecia às leis.
Por fim, ele se recordou de memórias recentes, mas esquecidas pelo domínio da guerra. Theo olhou novamente para Nihaya e buscou palavras.
— Fale logo — disse o djinn.
— É… — Hesitou. — O que você quis dizer quando afirmou que eu já era um djinn?
— Ah… Sabia que você iria perguntar isso. Tava demorando, até. Olha, eu não vou mais explicar o por quê, afinal, todos devem entender seus caminhos sem a mão alheia. É uma iluminação própria. Porém, irei deixar isso contigo, vai ajudar.
Diante a mão do djinn, surgiu uma ruptura em tua carne; assumindo um semblante azul, lentamente materializou-se um livro branco de hastes douradas, denotando uma runa — equivalente a letra V — no meio.
— Sério?…
O livro tinha uma presença iluminada.
— Venheim? — murmurou Theo, tentando traduzir o título do livro.
— Vanaheim — corrigiu.
— Quase… Pera, Vanaheim? — Theo perguntou após segundos, lembrando o que Vanaheim significava.
Um dos dez reinos da Yggdrasil, Vanaheim, o mundo dos deuses Vanir. Para os druidas, os únicos acima dos reis e abaixo de Myrrdin Ambrosius.
Quando estudou sobre a Yggdrasil para teorizar que havia nascido no mesmo reino, Theo se deparou com o fantasioso mundo dos Vanir; um dos mais avançados e prósperos do universo, com seres ligados a natureza desde sua essência, onde a manipulação de mana se aproximava ao éter perfeito.
Alguns artigos apontaram que Nalleth seguiu os ensinamentos desses seres outrora; a manipulação que se resume ao idioma universal: a matemática.
Ao se tornar fluente nesse idioma, Nalleth pôde romper a barreira do mundo, aquela que rege as leis naturais e sobrenaturais. Nalleth Zala via o mundo como códigos, e deles calculava o futuro.
Theo queria chegar neste mesmo resultado, mas, embora estivesse um milênio à frente de Nalleth com conhecimentos de uma antiga vida e informações disponíveis por todos os cantos, sua genialidade não se comparava àquele que conseguiu destruir o mundo.
Agora, diante de seus olhos, aquilo poderia ser a fonte do conhecimento necessário para atingir sua centelha perfeita e chegar a seu objetivo.
Todavia, Theo não sabia como ler aquele livro: estava escrito em runas ancestrais. Ele chegou a estudar este idioma, porém ainda confunde algumas runas, consequentemente dificultando sua pronúncia e tradução.
Para a sua infelicidade, Nihaya também não iria traduzir.
Era incompreensível suas atitudes, mas o djinn não iria ajudá-lo; se quisesse, poderia ter entregado um livro já traduzido para o grego 1 ou latim 2.
Se conseguissem sair do domínio em breve, Theo poderia tentar ganhar fluência no idioma e traduzir sozinho, mas teria que gastar, possivelmente, 150 mil duky’s 3 no processo.
Ele também cogitou ir atrás de Aidna, porém, a druida não tinha domínio, assim como o rapaz. Ela sabia ler em runa clássico, não ancestral.
Mas, não custava nada arriscar. Infelizmente, a druida estava dormindo, então teve que deixar para mais tarde.
Percebendo o estado pensativo do rapaz, Nihaya ajustou as costas na parede de pedra e quebrou o silêncio.
— Minha filha sabe traduzir — disse.
Theo, que tentava interpretar as figuras no livro, ficou pasmo quando percebeu o comentário do djinn.
— Filha?…
— É. Eu não iria mencionar a ninguém, pois ela sabe identificar mentiras e vocês não são um exemplo de boca fechada. Mas, quero que você crie laços com ela, já que se conhecerão amanhã ao meio-dia. Acontece que, com o decorrer dos séculos, decidi me infiltrar no mundo humano e assumir o posto de rei.
Theo sorriu de canto, notando a perspicácia do djinn.
— E assim como todo rei, você teve sua rainha. Posteriormente, a princesa surgiu — zombou. Djinns tratavam humanos realmente como inferiores, até os da raça Marid. No entanto, para Nihaya, foram motivos de dor até encenar aquela soberba no primeiro encontro com Theo. — Então, como ela é?
— Perfeita. Não digo como um pai que admira sua filha, mas perfeita de fato.
— O quê? Ela é especial também?
— Como você? Não sei. Ela não é um gênio, mas não é burra. Afinal, meu gene djinn, misturado com os da mãe dela, impedem isso.
— Sua esposa é de uma raça diferente também?
— Minha esposa e filha, não à toa, podem traduzir esse livro com perfeição, são membros do clã de deuses Vanir.
O fato contado por Nihaya chocou Theo. Como ele pôde revelar aquilo para o rapaz?!
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