Capítulo 119 — Jeanne Mospeliart (3)
Jeanne, Theo, Nihaya e Nora decidiram voltar para o forte seguindo uma estrada no meio do bosque.
— O senhor demorou bastante — disse Jeanne, comentando para Nihaya. — Foram cinco dias.
— Perdoe-me. Os acompanhei durante a luta contra o Emissário Zethíer.
— Venceram? — Ela não esperava uma resposta positiva.
— Sim. Eles foram capazes.
— Um Emissário caiu?! — questionou Nora.
— Três. Outro grupo, proveniente deste mesmo grupo de rivais, foi capaz de derrotar o Emissário das Bestas e o Emissário dos Dragões.
Nora ficou pasma.
— Como vai ficar o domínio dos dragões agora?
— Enquanto o domínio principal existir… Nada.
— Entendo… — disse Jeanne. — Deve ter havido inúmeros sacrifícios…
— E onde está esse outro grupo? — Nora se aproximou de Nihaya.
— Na capital de Alsuhindr, já os deixei com nosso imperador.
Jeanne desconfiou das palavras do general.
— Ah só… E onde está o grupo dele? Quem é o líder? Estou ansiosa…
— O grupo dele está descansando na capela — disse Nihaya, interrompendo a general. — Estão cansados após a série de lutas que ocorreram sem parar até a morte de Zethíer. O líder é o próprio Theo.
— Sério?…
Antes que Nora pudesse jogar suas perguntas precipitadas para cima de Theo, Jeanne notou a ansiedade do rapaz e segurou sua mão esquerda calmamente.
Entrelaçando os dedos, Theo sentiu sua alma tornar-se leve com um toque confortável, dando total liberdade e forças para Jeanne. Gradualmente, a moça puxou Theo para longe dos dois generais.
— Você está cansado também. Não deveria estar descansando com seu grupo?
— Não. Eu tô bem — retrucou o rapaz.
— Certeza? Geralmente, a sombra não ultrapassa a luz.
— O que tá insinuando?
Ainda caminhando, Jeanne estendeu o braço de Theo para a frente e segurou a mão esquerda dele com suas duas mãos.
— Sua mente é dominada por uma luz bela e intensa, poderosa e condensada. Porém, ao mesmo tempo, enxergo uma sombra consumindo essa parte bela. Você é confuso demais…
Theo estalou a língua e isto foi o suficiente para Jeanne entender seu desconforto.
— Então, mudando de assunto… Como tá o seu mundo? Quer dizer, o original. Cresci ouvindo que este é apenas uma réplica de um mundo inteiro…
— Está caminhando para um caminho bem… tenso. Estamos evoluindo tecnológica e mentalmente, isso tá causando um conflito imenso no mundo como um todo.
— Entendi.
— Por que deseja saber?
Ela sorriu.
— Por que ouvi falar que é um mundo mais puro que esse. Eu gostaria de conhecer.
— Quem sabe… Quando eu terminar o que tenho que fazer, você possa conhecer?
— Pra isso, você tem que trabalhar sua mente.
— Quantos anos você tem, psicóloga?
— Dezesseis.
Theo saltou com as sobrancelhas, pasmo e sem conseguir compreender.
O corpo de Jeanne condizia com uma mulher madura e totalmente desenvolvida.
— Um ano mais velha que eu? Você parece ter vinte!
— Ué… — resmungou, olhando Theo dos pés à cabeça. — Você não é muito diferente… Quinze? Parece ter quarenta e dois.
“Vinte e sete de Liam, quinze… É. Faz sentido.” Theo raciocinou que Jeanne estava enxergando sua alma; por certa parte, ele realmente tinha aquela idade. No entanto, Theo não enxergava sua vida assim. Não mais.
O rapaz passou a enxergar sua segunda vida como um novo ser, isso teve em mente desde sempre. Porém, reforçou isso assim que se uniu a Liam.
— Assim que chegarmos na fortaleza, você vai descansar. Não quero que o líder do novo grupo esteja dormindo enquanto debatemos nossas estratégias.
— Tá bom…
☽✪☾
Quando chegaram no forte militar, Jeanne cedeu seu próprio quarto para Theo descansar. Ele aceitou quando entendeu que era o local mais gracioso, até do que a própria igreja lá fora.
Em tese, ele deveria descansar o dia inteiro e dormir como um anjo, entretanto, a realidade foi bem distante disso e, para a infelicidade do jovem Lawrence, seu descanso foi um tormento.
O mundo dos sonhos foi sabotado pela própria mente, transformando o belo em um pesadelo onde manchas negras o consumiam por inteiro. Mãos, feitas de pura sombra, agarrando-o e sugando seu corpo para o chão, arrastando para seu descanso apropriado; o submundo.
Se fosse uma peça de Hades, Theo gostaria de saber, mas, aquilo estava além da mão de um ser divino.
Era dele próprio quem tinha mais medo; sua própria mente é a maior arma contra si, Theo tinha isso gravado. “O seu único inimigo, é você.”
De repente, o espaço se apropriou do vazio. Uma imensidão absoluta; sem fonte de luz; o próprio espaço sem o tempo. Theo o sentiu, pôde ver mas seus olhos e mente não processaram.
Era um sonho, mas real. Uma barreira autoimposta, erguida pelo próprio reflexo de sua inferioridade que serviu de espelho para Theo enxergar seu nariz.
Porém, até isso foi manchado pelas sombras.
Theo sentiu seu corpo desmanchar conforme era puxado pelas sombras; seu mundo se adaptou e, então, colapsou a mente perturbada.
No mundo físico, Theo se contorcia na cama, descoberto por qualquer edredom que tivesse usado antes.
Ainda consciente, porém com dificuldade para respirar, foi despertado por uma dor aguda nas costas graças a um movimento brusco que efetuara automaticamente.
Abrindo os olhos, ele processou um pouco e buscou encontrar diversas vezes até que entendesse seu estado.
Sua respiração estava falha e fraca.
Os edredons jogados por cima dele se estendia até o chão, onde sua perna também estava pendurada e dormente, sendo perceptível para ele apenas pela pressão sanguínea localizada na coxa e uma queda na canela.
Lutando contra a preguiça, os olhos cor de âmbar dançaram pelo teto do quarto, analisando adequadamente cada detalhe.
Depois de lamentar o despertar repentino, Theo sentou-se na cama e continuou olhando para o nada; observando a cama bagunçada, todavia, seus olhos ignoravam a presença de algo material diante de si.
— Quarenta minutos — disse Jeanne. — Você descansou por esse tempo.
Theo suspirou, descrente.
— Acho que não passaria disso, também — resmungou esfregando os olhos. — Desculpa por bagunçar sua cama. Eu arrumo…
— Não será necessário. Cada ser humano aqui dentro tem uma função, e a sua, definitivamente, não é a de uma criada. Pegue.
Jeanne ofereceu uma xícara branca, delineada por uma espada branca. Theo a encarou diretamente nos olhos, enquanto esfregava seu olho direito e bocejava internamente — evitando que o bocejo saísse de sua boca. Quando seus olhos lacrimejaram por preguiça, ele aceitou a xícara com sua bebida favorita: café.
A pequena deusa, então, se abaixou perante a Theo, pondo as mãos nos joelhos do rapaz e o observando de baixo.
— Como vocês derrotaram Zethíer?
— Eu não sei. Ajudei apenas contra o guardião e derrotei um demônio da floresta, mas não ajudei diretamente contra o Emissário.
— Entendo. Como derrotou o demônio?
— Tive um breve despertar, estava louco… Consegui ver a energia do mundo e segui.
— Majestoso…
Theo observou um sorriso suave surgir no rosto de Jeanne e, posteriormente, retornou a encarar seus olhos castanhos a ponto de notar que seus cílios eram enormes.
— E àquela capa? Quem a deu? Ou, como conseguiu?
O rapaz olhou para seu ombro e notou que o manto havia desaparecido. Um breve desespero o abraçou, porém, ao ver que o manto estava estendido num cabide próximo à porta, ele se acalmou.
— Não sei.
— Entendi… Ele é bem interessante, tem algumas propriedades únicas que nunca senti.
Olhando por fora, sem estar com o manto em si, Theo percebeu que, de fato, as propriedades do manto estavam a quem de qualquer artefato já presenciado por seus olhos.
Nem mesmo a espada que o general Li Minghua lhe entregou para derrotar o Kishin era tão majestosa.
— Você como um todo é bem atraente — disse Jeanne, repousando seu braço esquerdo sobre a coxa de Theo e, consequentemente, deitando seu rosto por cima. Os dois se encararam novamente. — Não está mentindo, apenas está perdido demais nesse mundo. Confuso, isso te torna humano. Bem mais humano que qualquer um ali embaixo.
Ela deu dois tapinhas na perna do rapaz.
— Termine o café e veste o manto, vou te apresentar ao pessoal.
Jeanne levantou-se e caminhou para o outro lado do quarto, indo em direção a um pequeno closet.
Enquanto andava, de costas para Theo, o jovem notou a roupa utilizada pela deusa; um vestido branco e colado, ao qual se estendia somente até metade da coxa, mas era completado por uma calça totalmente preta.
O rapaz se perdeu no desfile de Jane, vendo seu corpo perfeito de uma visão única, sem os cabelos ruivos para tampar as costas revelando as curvas suaves e simetricas de seu quadril.
Jeanne se virou de lado para pegar uma roupa, que estava na parte inferior do guarda-roupa. Ela teve que se agachar, jogando seus fios de cabelos para trás da orelha, Theo olhou o rosto belo da princesa.
Contudo, o que lhe chamou atenção foram os bustos dela que balançavam com os menores movimentos. Talvez não fossem tão grandes quanto os de Aidna, mas eram, com certeza mais cheios e firmes.
Quando ele se desencantou com a mulher, percebeu que estava quase a desejando por completo.
Ele fechou os olhos forçadamente e bebeu todo o café da xícara por desgosto a si. Deveria ser uma ação comum do homem desejar uma mulher, porém, daquela forma ainda era escroto e imperdoável para Theo.
Ele condenou a si pelo comportamento que ele julgava de moleque.
Quando notou ter ingerido todo o café de uma só vez, ele caminhou em direção ao manto e guardou a xícara sobre uma mesa ao pé da janela. Analisando melhor o manto, ele notou que a região interna, antes avermelhada, estava totalmente preta naquele instante.
Isso o confundiu, por que a mudança repentina?
Enfim, pegando as ombreiras visando vestir o manto novamente, Theo foi surpreendido por um comportamento único.
O tecido soltou da ombreira esquerda e se encolheu completamente para a armadura do lado direito, restando apenas as duas ombreiras brancas que, em segundos, se transformaram em pequenos discos de metais.
O que sobrou da ombreira esquerda despencou contra o chão, mas, após uma reação instintiva, Theo agarrou descuidadamente.
Segurando os dois discos em mãos, não deu tempo para ele admirar; subitamente, os dois artefatos se transformaram em braceletes de prata e ouro, cobrindo todo o antebraço de Theo e seguindo para a mão direita, entrelaçando em seus dedos.
Entretanto, a mão esquerda ficou livre desse último detalhe, dando um destaque para a ressonância que estava quase apagada em sua pele.
Ele decidiu ignorar a marca e admirou os braceletes novamente. O rapaz não contestou o comportamento do seu mais novo artefato, apenas aceitou e deixou um ponto final.
— Vamos? — chamou Jeanne, saindo de seu closet. Agora, a filha de Nihaya estava vestida por seu traje militar branco, esbanjando medalhas mesmo sendo tão nova.
— Vamos — afirmou Theo, se virando para a porta e saindo do quarto ao lado de Jeanne.
Ao saírem do quarto e entrarem no corredor, ambos se encontraram com Nora e uma criada: a general, com seus cabelos curtos e roxos, estava esbanjando uma roupa totalmente preta. Ela ficou desanimada quando viu que Theo, naturalmente, estava com roupas do mesmo estilo.
Ainda assim, ela era quase única; com um mini vestido preto ajustado se concluindo numa mini saia e acompanhada por uma meia calça, ao qual finalizava num salto alto.
— Olá! — disse a general, sorrindo para Theo.
Ele sabia que ela o perguntaria sobre alguma luta, assim como fez anteriormente.
— E aí.
Dito e feito, Nora o questionou sobre suas lutas.
Jeanne os conduziu pelo corredor enquanto ouviu Theo responder sua general, o que rendeu algumas boas gargalhadas graças ao bom humor que o rapaz adotou.
Uma criada entrou no quarto em seguida, com algumas trocas de panos em seu braço. Sua primeira observação foi a jaqueta amarela de Theo no cabide e, em seguida, algo que a fez paralisar.
Ela fez uma cara de surpresa e arregalou os olhos, tampando a boca com sua mão pequena.
Os olhos brilharam de emoção ao ver a cama de Jeanne totalmente bagunçada, algo que jamais aconteceu.
— Senhorita Jeanne… — murmurou com um tom de felicidade e totalmente corada.
A empregada fantasiou coisas que não aconteceram naquela cama entre Theo e a princesa, e deusa, Jeanne.
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