Capítulo 110 — Tormenta dos caídos
— Um rei lidera, os cavaleiros defendem, os bispos guiam e a rainha se prende às torres em segurança…
Após resmungos, um olhar cor violeta e tenso caiu sobre um tabuleiro de xadrez. Mãos cobertas por luvas pretas afastaram os fios de cabelos brancos e lisos para trás, revelando uma testa pálida e suada.
Seus olhos balançaram pelo tabuleiro para entender aonde iria a seguir.
Então, ele seguiu.
Tomou a decisão precipitada de atacar o cavaleiro que defendia a rainha, porém, esqueceu que a rainha também sabia atacar.
— Porra! — xingou ao vento.
— Olha a boca — reprimiu seu adversário Noxiz — Finalmente o Metzerai perdeu! Você esqueceu que as rainhas também atacam, né?
— Finalmente o Metzerai perdeu — repetiu com um tom infantil.
— Metz, não deveria deixar isso subir à cabeça — disse Metcroy.
— Não briguem, não briguem — ironizou Noxiz, bocejando enquanto despencou numa cadeira de madeira.
Metcroy deslizou de tédio por seu trono; um homem de aparência jovem, obviamente não atendendo a sua idade física.
A armadura cor de prata que cobria seu corpo brilhou em resposta à luz ambiente, enquanto as placas da própria deslizavam pelo tecido. Os cabelos, bagunçados e lisos, revelaram sua tonalidade branca amarelada enquanto cobriam partes de sua testa.
Noxiz encarou o teto do saguão, com seus olhos negros de pupilas retangulares e inclinadas, enxergando ao próprio abismo.
Metzerai, por sua vez, se levantou da cadeira e esticou seus braços, estalando os dedos e alongando as costas.
Afastando levemente a cadeira de madeira que estava sentado, caminhou em direção a uma vidraça aberta e se apoiou no encosto. No topo de um castelo ele admirou o império ao qual servia; Cephian, a grande capital.
Uma cidade que, por si só, já era capaz de se equiparar ao território de um reino.
Os barulhos de uma cidade industrialmente avançada não alcançaram seus ouvidos, mas a poluição cobria o campo de visão e tornava a paisagem cada vez mais cinza.
— Por que estou aqui? — questionou Metzerai.
O filho mais velho de Bvoyna, Metcroy, ajustou sua postura no trono e induziu seu irmão gêmeo a sentar-se novamente.
Noxiz bocejou ao mesmo tempo que se espreguiçou, enquanto Metzerai, ao ver novamente o tabuleiro de xadrez, lançou seu jogo favorito no chão com um tapa.
Sua revolta era frustrante e perceptível; duas mil, seiscentos e treze partidas jogadas e aquela havia sido sua única derrota.
Para quem não a conhece de perto, a frustração de ser um perdedor é bastante amarga.
— Inicialmente, quero notificar a vocês que Zethíer foi assassinado — anunciou Metcroy sem carregar um pingo de empatia pela morte de seu irmão mais novo.
Metzerai e Noxiz, em contrapartida, receberam a notícia, anunciada sem um pingo de sentimento, de uma forma marcante e perturbadora.
Entre os dezesseis Emissários de Bvoyna, Zethíer era o filho mais novo, porém, o sexto mais poderoso. Para Metz, sua derrota deveria ser alguma brincadeira de mal gosto.
Os filhos de Bvoyna não costumam perder, ainda mais após ganharem a consciência de seu pai.
— É mentira — retrucou de voz rouca.
— Não, não é. Isso me faz crer que os novos desafiantes não são apenas seres moribundos. Anteriormente, o cachorrinho de estimação do papai1 morreu sem sinais de uma luta. Porém, quando fui visitar o reino de Zethíer após receber essa notícia, estava tudo devastado. Não havia sinal de seu exército, muito menos ligações entre os seres que o serviam.
— E o corpo dele? — indagou Noxiz.
— Cremado. A única coisa que restara foi uma manopla sobre a última localização da energia que ele emanava.
— Quem foi? — Metzerai começou uma alteração repentina em seu comportamento, contudo, foi interrompido por Noxiz.
— Calma. De fato, eu também quero saber quem conseguiu realizar isso. Porém, isso tá mal contado. Tem dedo dele no meio, né?
Metzerai custou a entender, mas a realidade caiu em suas costas.
— O desgraçado do djinn, né? — comentou Metz, escorando-se novamente na cadeira.
— Sim. Antes nosso pai desejava que fechássemos os olhos para as atitudes do Nihaya, mas, agora, eu tenho certeza de que ele é um traidor — afirmou Metcroy. — Continuo tentando localizá-lo, mas está meio difícil.
— Não é óbvio para onde ele tá indo? — pontuou Noxiz. — Alsu.
— Não sei ao certo se ele está envolvido, mas, recebi uma informação do exército que está no campo de batalha. Um grupo moribundo foi guiado pelo general Nietsz até Jeanne Mospeliart.
— Onde quer que eu me posicione? — perguntou Metz, carregando estresse em sua voz.
Metcroy se espantou por um momento, mas, recuperou a situação esboçando um sorriso sádico.
Levantando-se do trono, ele pegou um mapa guardado ao lado numa parede escura. Estendendo o mapa pela mesa retangular e enorme, deixou seu dedo cair pela região que o exército de Jeanne estava repousando junto do grupo de Theo.
— Eles, com toda certeza, irão para o reino de Kiescrone em alguns dias ou horas. Após isso, devem se reestruturar e marcharem em direção aos Pilares do Renascimento e se reunirem na capital de Alsu novamente. Entretanto, eu recomendaria você a ficar aqui…
Metcroy apontou para uma região que, no mundo real, ficaria entre o Ducado Lawrence e o deserto de Ithak; pois o império de Alsuhindr fica entre o deserto, o território de Nethuns e Gran-Empire.
— Eles terão que passar pela cordilheira de gelo para chegar à capital, então recomendo que você se espalhe por aqui…
— Sei muito bem o que irei fazer. Vou me infiltrar em Kiescrone e pôr um subordinado nos Pilares do Renascimento, colocar perseguidores no antigo ducado Lawrence e pegá-los na porta do império Alsu.
— Pode ser imaturo… — disse Noxiz.
— Não mata. Vou varrer o chão com esse exército medíocre.
— Você está estressado pelo Zethíer? — brincou Metcroy.
— Você não? Ele era nosso irmão.
O irmão mais velho sorriu.
— Como você costuma dizer, se morrer, você é fraco. Acho que teremos que rever nossa mentalidade sobre força. Se ele era o sexto mais forte, o resto não deve ser muita coisa…
Metzerai estalou a língua em desdém.
— E você, Croy. O que vai fazer? — perguntou Noxiz tentando quebrar o clima entre os gêmeos.
— Hum… O Plikat e o Lorde Reptiliano morreram para umas presenças bem poderosas, ao qual estou acompanhando desde que chegaram a Alsu. Acho que irei visitá-los.
— Uhum… Acho que vou ficar com o pai, vai que ele manda uma missão para mim. E aí, Metz. Vai querer uma carona? Metz?…
Ao olharem para a ponta da mesa, Metcroy e Noxiz sentiram falta de seu irmão, que já havia sumido do ambiente sem deixar rastros.
“Seu imaturo…” pensou Metcroy, fechando os olhos e suspirando profundamente. Deslizando os dedos pela mesa, ele caminhou de volta para o trono.
Prisão dos Bastardos
— Capital de Cephian —
Abaixo da cordilheira principal ao qual limita o território de Bvoyna, estrutura-se sua maior prisão, criada unicamente para seres que lhe descendem.
Monstros ditos como inumanos; gigantes canibais que viam o mundo como destruição, e a destruição como o mundo. Seres com almas manchadas pela soberba, ganância, luxúria, gula, inveja, preguiça e ira…
— Seja bem-vindo, é uma surpresa vê-lo por aqui… Lorde Metzerai — disse o guarda responsável pelo portão principal.
Meio irmãos dos Emissários, filhos de Bvoyna…
— É. Jurei nunca vir aqui ver esses lixos, mas é o jeito.
Pertencentes à segunda geração da própria raça…
— Eles estarão dispostos a receber vossas ordens.
O enorme portão abriu-se, permitindo que um vento abafado escapasse da jaula.
Uma pressão que a Bíblia da Criação costumava citar; o perfeito equilíbrio entre Nether e Aether2.
Metzerai batalhou contra a pressão, caminhando plenamente enquanto ignorava o vento e sua energia exótica. Os olhos cerrados transbordaram ira; sentimento irreconhecível para um ser tão etéreo quanto ele.
Seu sangue ferveu por ter que recorrer aos próprios meios-irmãos.
Chegando na ponta de um enorme abismo, Metz encarou uma névoa ofuscar brilhos carmesim. Dezenas de olhos olhavam para Metzerai, encarando sua alma primordialmente.
Repentinamente, um estrondo alastrou-se para a frente de Metz, espantando a névoa no caminho e tremendo a infraestrutura da prisão.
Calmante, Metzerai olhou para o ser em tua frente.
Seu irmão, em questão, um monstro bastardo com o sangue impuro. Para um filho de anjo e deusa Vanir, ver um híbrido com raças inferiores ser reconhecido como seu irmão feria teu ego.
Filhos de humanos e anjos: Nefilins de segunda geração, a segunda vinda de Bvoyna.
Levitando diante a Metzerai, um de seus irmãos, tendo além dos três metros e completamente despido, o encarava com desdém e um sorriso facínoro no rosto.
— O que desejas, grande realeza? — ironizou o Nefilim, brincando com o fato de ter Metzerai presente de si.
— Irei levar seis deles — disse Metzerai, informando ao guarda. Virando-se de costas, suspirou com desgosto e voltou a caminhar em direção à saída — Além disso, irei levar o pequeno também.
Estalando a língua, o Nefilim lamentou pelo desdém de seu irmão mais velho.
Agindo precipitadamente, o híbrido avançou contra Metzerai e buscou acertar um soco em suas costas.
O soco do Nefilim atingiu diretamente as costas de Metz e, por impacto, resultou num desbalanço em toda a estrutura regional; agricultores, tanto de Cephian quanto do reino vizinho, viram suas plantações morrerem enquanto eram atacados por um terremoto.
O céu rugiu da pobre alma condenada.
Escondido atrás de uma parede refinada e segura, ainda assim, o guarda sentiu a pressão do soco e quase ficou surdo pelo estrondo emitido.
O vento que outrora escapou da prisão saiu como uma tempestade, desta vez, causando um furacão nas montanhas.
Embora tivesse despejado toda sua força num único soco, a expressão do Nefilim era a de completo desespero: após todo aquele impacto, Metzerai não havia permitido sequer que o chão abaixo de si fosse rompido.
“Nem o chão foi danificado?…” ponderou o Nefilim. “Não… As costas dele sequer estão cobertas por energia, não há condições que isso seja sua própria resistência…!”
A intuição do Nefilim alarmou sobre a morte em que ele jamais acreditou que chegaria para ele. Mesmo que soubesse de seu destino, ele tentou evacuar novamente para o abismo, porém, a intenção assassina de Metzerai manifestou-se em poder rapidamente.
O corpo do Nefilim foi desmembrado por completo, tendo seus braços lançados para cada canto do abismo.
Os membros e órgãos caíram como granizo, enquanto o sangue servia de chuva para a prisão.
— É um aviso de quem sou. E, para vocês… Um bom apetite — anunciou Metz, sem sequer virar de costas.
A medida que saia da prisão, Metzerai escutou gargalhadas estrondosas enquanto mandíbulas mastigavam os membros do Nefilim que caíram no abismo.
“Zeth… Tenha noção de que não irei te vingar. Não quero que vire uma assombração do inferno, embora nosso pai tenha nos educado a não acreditar nisso. Mas…”
Chegando ao exterior da prisão, Metzerai deparou-se com o furacão resultante do soco do Nefilim.
Somente com sua intenção, a tempestade foi cessada e deu lugar ao céu limpo, isento de nuvens, tingido pelo laranja do sol no horizonte que anunciava seu repouso.
Abaixo deste mesmo céu, Metzerai encontrou seu objetivo:
— Preciso revisar o significado de força.
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