Capítulo 125 — Clareamento (2)
O véu da lua despencava no forte militar, livre de nuvens carregadas e acompanhadas pelas estrelas. A grande mesa, antes na sala de estar da fortaleza, foi colocada no terreno do forte militar para um pequeno festejo.
Os quase dez metros do móvel de madeira foram completamente preenchidos por todo o tipo de carne; desde frutos-do-mar à carne vermelha.
Malcolm, completamente embriagado, segurava um pedaço de carne vermelha na mão enquanto batia seu copo na mesa. O general gargalhava ao lado de Carl e Zemynder que, respectivamente, estavam alegre e meio quieto.
Nora, por sua vez, levou uma bandeja para o canto que Theo estava acompanhado por seu grupo. A general sambou entre os soldados, tomando cuidado para não derrubar a comida, andando depressa para alcançar os convidados.
Bastien, ainda sonolento, se levantou da cadeira e marchou para ajudar a general desastrada.
— Valeu — agradeceu à Bastien. — Vamos, comam bastante! Essas carnes são recheadas de proteína e mana armazenada. Vocês vão se recuperar logo, logo.
Serach, embora preferisse caçar por conta própria, aceitou de bom grado.
Posteriormente, Aidna, Jack, Bastien e Jess também se serviram. Contudo, Sara e Theo se mantiveram distantes da comida. Kris, no entanto, resgatou três pratos e se retirou, caminhando rumo à capela.
A conjuradora buscou alimentar Rod e Islan, os dois defensores acamados.
Theo tentou simpatizar com a comida, mas não conseguiu. Ele balançou o garfo pelo macarrão e cutucou a carne, porém, sua vontade de comer não apareceu. Notando o comportamento, a general Nora tomou uma atitude precipitada.
— Toma! — disse estendendo uma caneca para Theo. Era composta de madeira e algumas ligas de metais, interiormente, reforçada por um tipo de alumínio.
O rapaz esticou seus olhos para observar a bebida, até que se deparou com o absurdo para ele: hidromel. É sério que uma general estava oferecendo aquilo a um garoto de quinze anos?
— Ele é menor de idade… — disse Selina, mas Aidna interrompeu.
— E daí, minha filha? Quem quer saber viver, começa cedo.
— Pode beber — afirmou Jeanne, que estava sentada ao lado de Theo. A pequena deusa cutucou o Jovem Mestre e aproximou seus rostos.
Pegando uma caneca idêntica a de Theo, Jeanne virou o hidromel em sua boca de uma vez.
Theo a observou atentamente; o batom vermelho brilhava nos lábios e destacavam-se da pele branca. Os olhos da princesa estavam notoriamente se fechando forçadamente, provavelmente pelo gosto forte do hidromel, algo que ela deveria não estar acostumada a beber.
Após terminar de beber, Jeanne bateu o copo na mesa e contorceu a cabeça, se arrepiando completamente.
— Não é acostumada, né? — zombou Theo, apoiando o rosto na mão esquerda e encarando Jeanne.
Ela respirou expulsando um gosto de álcool da boca.
— Não com frequência… Mas, logo vai passar.
— Hm… Sua genética, né?
— É. Por isso que os Vanir e Aesir bebem de monte. Só assim pra fazer efeito.
Selina escutou o nome dos dois clãs divinos e rapidamente se aproximou. Diferente de Theo, que possuia a informação que Jeanne era do clã Vanir, nenhum integrante do grupo de Theo tinha tal conhecimento.
— E você ainda quer que eu beba.
— Só se você quiser — respondeu, recompondo-se da dose forte de bebida alcoólica.
Theo suspirou e espreguiçou lentamente, aproveitando que ergueu os braços, ao retorná-los para baixo, empurrou a caneca para o meio da mesa.
— Deixo pra depois — negou confiantemente.
— Então manda pra cá — disse Aidna. Theo, em resposta, deu um pequeno tapa na caneca para as mãos da druida.
Ao lado de Nora, Aidna e Jack viraram litros de hidromel durante a noite inteira. Selina e Bastien se enturmaram gradualmente com os generais e tenentes de Jane, enquanto buscavam todas as informações necessárias.
Eles descobriram o motivo de Theo se referir a Jeanne com tanto respeito; era de conhecimento mundial que Jane era filha de uma deusa Vanir. No entanto, ninguém, além de Theo, sabia que ela era filha de Nihaya. Este segredo era o que divergia a todos.
Não apenas isso, Serach descobriu que Theo havia usado uma ignição mais cedo e ficou feliz. Ela não queria forçá-lo a mostrar, então, decidiu que iria o esperar até que revelasse suas técnicas de luta.
Todavia, ficou indignada quando soube que Theo usou o elemento luz.
Durante a noite, enquanto todos dançavam, bebiam e comiam aos montes, Theo e Jeanne ficaram juntos todo o tempo. Ocasionalmente, os dois saiam da mesa e caminhavam pelo terreno da fortaleza, conversando assuntos mais distantes possíveis.
Certa vez decidiram entrar na fortaleza e sentaram-se no sofá da sala principal.
Por meia hora, eles ficaram debatendo sobre seus mundos distintos. Já que Theo desejava saber sobre o mundo que está, Jeanne queria saber como estava o mundo de onde Theo veio.
— Então, vocês não estão preparados navalmente? — perguntou Jane.
— Estamos. Temos navios fortes, resistentes e rápidos. Mas, por algum motivo, a maioria nunca volta. Se não forem para os continentes vizinhos, é cem por cento de certeza que não voltarão.
— Nunca descobriram o motivo?
Theo sacudiu a cabeça.
— Tem uns teóricos da conspiração, mas, a maioria crê que é graças a maldição de Poseidon.
— Hm… Ouvi falar sobre essa maldição. Felizmente, não existe aqui.
— É… — Theo refletiu um pouco e tirou uma dúvida que ele criou há um tempo. — Vocês sempre souberam que estão numa dimensão cópia?
— Sim — respondeu rapidamente. — Nós sempre tivemos em mente que este é um domínio, um universo criado por um anjo para proteger o mundo de Deus. Sabe, eu tenho o sonho de poder ir a Vanaheim algum dia.
Theo se atentou as palavras de Jeanne.
— Poder conhecer meu povo, ver o que eles se tornaram… Minha mãe sempre contou sobre o reino dos Vanir, a casa dos deuses naturais. Contou sobre os irmãos que tenho lá, e os meio-irmãos da casa Aesir.
— Quem é sua mãe? Digo, que tipo de deusa ela é?
— Quando a conhecer, vai saber quem é.
Ele encheu suas bochechas de ar e encarou Jeanne com um certo desprezo.
Ela, no entanto, estava sorrindo perfeitamente para Theo e o olhava diretamente nos olhos. Quando estava prestes a se perder nos olhos âmbar do Jovem Mestre Lawrence, Jane despertou rapidamente e, envergonhada, se escondeu por de trás de seus cabelos ruivos.
Arrumando sua postura no sofá, ela repousou as mãos em nas coxas.
Theo, notando a vergonha que Jeanne estava sentindo — provavelmente pelo efeito do hidromel ainda estar agindo, porém, agora com pouca força — se tornou distante.
Escorando-se no sofá, ele olhou para o lado oposto de Jeanne e começou a dar enfase em cada detalhe da construção.
Notou que, embora numa escala colossalmente inferior, a decoração e escolha de padrões daquela fortaleza lembrava bastante a do Castelo da família Caesar.
Ele aproveitou que sua mente puxou as memórias daquele Castelo e viajou por momentos além, lembrando de sua família e amigos na capital Lawrence. A nostalgia apertou o peito de Theo enquanto memórias eram a única saída…
O sentimento de estar tão perto, mas tão longe de casa o fazia se corroer por dentro. Theo jogaria tudo para o ar; deixaria tudo para poder ver Agnes de novo, quem dirá sua mãe e pai.
A filha adotiva dos Lawrence não sai da cabeça do Jovem Mestre.
Como ela está? O tempo passou tanto quanto no domínio? Se considerar, faz mais de um mês. Todavia, como o tempo não funciona exatamente como no mundo casual, quantos dias, meses ou anos havia se passado para sua família?
Agnes conseguiu voltar pra casa? Conhecendo seu pai, deve estar revirando o mundo desde que teve a informação de que seu filho estava desaparecido.
O Duque Lawrence, se não tivesse incinerado o mundo atrás de seu herdeiro, estaria movendo todos os reinos, impérios e continentes apenas para achar seu filho.
Ele já estava entediado de tanto lamentar quando recobrou a realidade; faziam dois minutos, mas Jeanne ainda estava em silêncio e corada.
Theo olhou para a direção da princesa e, ao longe, notou duas figuras espionando os dois. Um homem estava querendo que Theo o encontrasse, enquanto uma criada tentava se esconder atrás de um pilar. O homem era claramente um tipo de mordomo chefe, a julgar pelo terno que bem lhe vestia.
Coçando a garganta e sorrindo relutantemente, o mordomo chefe confirmou com seus dedos, fazendo um sinal de joia para Theo. O rapaz se perdeu, então, o mordomo apontou para Jane e o Jovem Mestre, depois juntou seus dois dedos e cerrou o punho.
Theo o encarou com cara de tacho.
Vendo o mordomo chefe se retirar delicadamente do local, e a criada espiando Theo uma última vez pela brecha do pilar, ele entendeu onde aqueles dois queriam chegar.
De fato, desde que chegou na fortaleza, Theo e Jeanne tiveram uma proximidade acelerada. Talvez seja pelo fato de ambos terem ligação com seres divinos, e ainda serem adolescentes fortes.
Ou, quem sabe, eles apenas se atraíram mesmo.
Atenciosamente, Theo tocou Jeanne ombro a ombro. A pequena deusa, no entanto, pensou ser apenas uma forma do rapaz tentar se aconchegar de fato e desviou o olhar, tentando abrir espaço.
Porém, antes que saísse tanto do sofá, Theo a agarrou pelo ombro; descansando seu braço direito em Jane, ele aproveitou para abraçá-la descaradamente.
O mordomo chefe, que estava observando pela brecha do pilar, saltou de alegria enquanto sua criada ficara corada pela princesa.
— O quê você tá fazendo? — perguntou Jeanne, envergonhada e procurando o rosto de Theo.
Ela pensou que, assim como seus antigos romances, ele estaria completamente vermelho e sem lugar para enfiar a cara e no momento em que Jeanne olhasse para ele, o rapaz a soltaria. Mas não foi o que aconteceu.
Theo estava olhando para um quadro ao fim da sala, apreciando uma obra de arte única que ilustrava “Os Pilares do Renascimento”.
Um vale que nasceu graças a destruição massiva de uma montanha, o que restou foram apenas pilares de pedras que atingiam quilômetros de altura sobre uma planície de pedra coberta por uma névoa translúcida.
Invés de se envergonhar por estar abraçando uma deusa, Theo estava aconchegado pelo contato físico. Portanto, estava calmo como nunca.
Diferente das últimas tentativas de relacionamentos que Jeanne teve, onde seus namorados sempre sentiam medo ao abraçá-la — afinal, ela é uma deusa Vanir e filha de um imperador respeitado —, Theo não partilhava do mesmo sentimento.
Podia ser uma aposta arriscada e emocionada por parte de Jeanne, mas ela aceitou o gesto de Theo e o agarrou pela cintura, abraçando-o de volta e repousando a cabeça no abdômen do rapaz.
— Foi o Stery, né? — reclamou cautelosamente.
— O mordomo no fim do corredor? Foi sim.
— Hum… É bem a cara dele.
Levantando-se do sofá, após se esgueirar pelo colo de Theo e se manter de pé, Jeanne o estendeu as duas mãos e sorriu alegremente após adotar uma postura matriarcal.
— Vambora?
— Pra onde? — perguntou Theo, pegando nas mãos da deusa.
— Para um lugar nosso — retrucou Jeanne, puxando o Jovem Mestre Lawrence e o induzindo pelos corredores da fortaleza.
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