Capítulo 114 — Mundo Antigo (1)
Império Egon, Praia de Vincent
Sul do continente
Os soldados de Egon se aglomeravam na praia aproveitando o momento que Kaiser os deu. Era um momento único em que os egorianos poderiam descansar da guerra, já que, em algumas horas, iriam marchar novamente até a baía da migração — onde os refugiados de Mikoto tentavam fugir para Egon, e eram resgatados pelos egorianos.
Kaiser Egon e Liam Mason estavam debaixo de uma árvore, com o imperador sentado sobre uma pedra e o general em pé.
Ambos estavam observando os soldados, entre eles, os próprios generais se divertindo com o mar. O general Le Fay estava mal-humorado, como de costume, afinal, estavam há apenas duas semanas do desastre com o Kishin no Império Xin.
Uma bandeira vermelha, tendo uma águia de seis penas desenhada no centro, balançou como o vento.
— É lindo, não? — comentou Kaiser. Liam despertou para a realidade e observou, ao lado do imperador, o sol bater nas ondas de sal agitadas do mar. — A forma que o sol navega pelas ondas…
— É sim — concordou.
— Sabe? Liam. Infelizmente sabemos tanto do mar quanto sabemos do território inimigo. Não temos a capacidade naval que gostaríamos de ter.
— Nossos navios resistentes à magia de Mikoto não são capazes de resistir à turbulência do mar? — questionou incrédulo.
Kaiser gargalhou de seu general.
— Nunca brinque com a vontade divina.
Liam recuou os olhos do mar, encarando a areia da praia invés disso. Cruzando os braços e suspirando vagarosamente, perguntou:
— Acha que Deus está evitando que nós avancemos para além do limiar?1 Por quê?
— Por que… Eu creio que, além desse limiar, o limite de onde enxergamos, tem um mundo tão perigoso quanto o nosso. Pessoas que evoluíram de forma diferente a nós, se adaptaram de outra maneira. Reis que governam diferente de mim e soldados que atacam similar a você.
— Acha que pode existir outro continente?
— Afirmo. Não é possível que, nesse mundo inteiro, existam apenas dois povos. Talvez existam terras que jamais colocaremos o pé, sábios que jamais conheceremos…
Liam refletiu sobre as palavras do imperador enquanto sentia a maresia tocar sua pele. A bandeira de Egon bateu novamente, sacudindo o vento e desfilando aos olhos.
Batendo no ar, Theo observou a bandeira firmemente.
Suor frio escorreu pelo rosto largo, o brilho dos olhos fora absorvido e, o âmbar que reluzia como o ouro, estava opaco como um vidro fosco.
Ofegando e sem conseguir processar adequadamente, Theo suspirou pesadamente e relaxou todo o corpo. Seus lábios não sabiam como se comportar; ora estavam abertos, ora se fechavam sem se tocar completamente.
Momentaneamente a escuridão absoluta envolveu o chão, apagando as pedras e árvores, deixando apenas a bandeira de Egon balançar diante de seus olhos.
A maré tocou seus pés, alertando que Theo já estava processando aquilo há alguns minutos.
“Como?!” pensou, tentando engolir aquele fato. “Eu nasci neste domínio? Não. Kaiser falou sobre a fúria do mar, com certeza diz respeito à maldição de Poseidon. É diferente neste mundo. Então… Eu renasci no mesmo ramo da Yggdrasil… Quantos anos se passaram desde a minha morte?”
— Também há a possibilidade de ter reencarnado no passado — afirmou Nihaya. — Vindo de você, eu não duvidaria. Entretanto, eu acho que você reencarnou no mesmo período em que morreu.
— No mesmo dia? — perguntou entrando em desespero.
— Quem sabe? Como não piso em Egon há mais de seiscentos anos, sequer posso imaginar como estão as coisas por lá. Ainda mais que, vendo como Egon está nas suas memórias, está muito diferente de quando fui lá em Alvheim.
— Desde quando tem acesso a tudo isso? — Seu tom de voz se alterou gradualmente, o djinn surpreendentemente entendia como Theo estava se sentindo.
— Desde que você caiu no meu sigilo, ao vencer o demônio, consegui criar um vínculo forçado, mas, não se desespere pois em breve iremos romper o laço. Não pense muito na sua antiga vida, pense na atual. Talvez, todos os que você amou já estejam mortos e, após a morte, não há mais o que fazer. Busque a felicidade aqui, mesmo que seja com a minha filha.
Era notório que Nihaya estava com um certo ciúmes, afinal, Jeanne ainda era sua filha. Contudo, Theo não se importou com aquele sentimento no momento. O djinn tinha razão sobre Egon.
“Kaiser… James, Mia…” pensou, lembrando do rosto de cada um dos antigos amigos. “Desculpem minha arrogância, mas vocês me ensinaram assim.”
— Existem soldados de Egon desse lado? — Theo perguntou olhando para o mar, expulsando o ar pela boca à medida que seu nariz ficava vermelho de tanto fungar.
— Sim. Egon e o rei Pendaculos possuem uma aliança. Queria que descobrisse antes, pois você os verá em campo de batalha. Também existe outra coisa que eu gostaria de pontuar…
— O quê?
Nihaya virou-se para a floresta que bordava a praia e, consequentemente, olhou a palma direita.
— Estamos marchando para uma guerra grande, disso eu sei. Também tenho em mente que Bvoyna irá atacar ao lado de Pendaculos, logo, será sua chance de sair desse domínio.
Theo inclinou o rosto e suspirou um “Hum?” para Nihaya.
— Não acho que vocês ganhariam, mas, tenho esperança de uma vitória. Contudo, caso veja que não irá conseguir vencer… Quero que crie um pacto com o Mephys para que, tanto vocês quantos seus aliados, saiam do domínio com vida. Isto inclui, óbvio, levar a minha filha.
— Que papinho… — resmungou, olhando com desdém para o gênio. — Eu prometi que iria matá-lo, então irei.
— Para quem você prometeu tal absurdo?
— A mim.
O djinn gargalhou abafando com a mão, Theo era alguém inconveniente. Mesmo tendo a mentalidade que o permitiria fugir na primeira oportunidade, preferiu agir pelo orgulho de arriscar na morte.
“Ele está obviamente incomodado com Egon…” ponderou observando a expressão descuidada de Theo. O rapaz nem tentava esconder seus pensamentos ao encarar o oceano de uma forma tão escancarada. “Bom, é claro. Afinal, estou me referindo a uma antiga vida. Seus laços estão lá, mas, não há nada que possa ser feito. Ou ele supera, ou vai se perder nisso.”
Caminhando para fora da praia, indo em direção à floresta, Nihaya chamou:
— Vamos.
Theo certificou-se de olhar uma última vez para o oceano, tendo certeza de que iria pisar naquela praia quando voltasse para casa.
— Pra onde? — inquiriu.
— Nos encontrar com o ser que procurei para você.
— E qual seria?…
Interrompendo completamente o jovem, disse:
— Um gênio. — Sorriu com confiança, entrando entre as árvores estreitas da floresta no litoral.
☽✪☾
Ao contrário da última vez, Nihaya não viajou quilômetros em menos de um minuto com Theo. O djinn optou por caminhar e aproveitar a brisa da madrugada enquanto Theo ainda tentava processar a revelação de Egon.
Nihaya deu o seu um tempo para digerir, mas, talvez nem todo o tempo do mundo seria o suficiente.
O Jovem Mestre Lawrence tentou distrair a mente olhando a floresta, mas sua consciência estava tratando aquela revelação como prioridade absoluta.
— É aqui. — Por fim anunciou Nihaya, parando em frente a uma estrutura arruinada. — Venha a mim, irmão ao qual se exila pelo vento — ditou.
“Irmão exilado pelo vento?” ponderou Theo.
O vento se tumultuou na clareira e se moveu para a ruína; uma pequena torre derrubada e escorada ao pé de uma montanha. Um pequeno redemoinho agarrou os pés de Theo, fazendo com que o rapaz se alertasse.
Folhas encantaram o ambiente acompanhadas pelos assobios do vento, conduzindo uma sinfonia única e inédita aos ouvidos do rapaz.
Por reação, Theo socou o chão com o punho imbuído por éter, o que resultou numa pequena ruptura se abrindo no chão.
Lentamente, a poeira do chão se aliou com o vento para formar um pequeno furacão. A irregularidade do vento permitiu que Theo pudesse ver Nihaya uma última vez.
— Dentre os djinns, existem tantas categorias que definem nossa espécie que eu poderia escrever um livro para você — disse — Como sabe, eu sou da raça Marid. Entretanto, os djinns de outras raças não são benevolentes como nós…
A atmosfera no furacão tornou-se rarefeito e, cada vez mais, sufocava Theo com a pressão de energia.
— Este é o líder dos djinns vendavais. Isto é, o que chamamos de “Shaytan al-Riyah”. Ou, diabo do vento…
— Saquei, saquei… — disse Theo. — Você quer que eu subjugue esse diabinho, é? Quer me tornar num mago, um domador de djinns…
— Hum… Esqueci que você é um gênio humano.
Nihaya deu de braços e, posteriormente, cruzou os braços antes de encostar na parede da ruína.
“É somente uma forma de me deixar mais forte…”
Guardando as mãos nos bolsos, o Jovem Mestre Lawrence suspirou com delicadeza em respeito ao diabo do vento.
“Liberação total de energia… Ativação do chakra coronário.”
O éter do núcleo de Theo desativou os caminhos por todo o corpo; evitando que a energia deslocasse para outras funções, deixando o necessário apenas para o sistema nervoso do jovem funcionar adequadamente.
Toda a energia se moveu para o chakra no topo do corpo; o chakra coronário, aquele que armazena tudo o que é inato. Entretanto, ao invés de utilizar um poder inata, Theo dedicou todo seu potencial para desenvolver uma habilidade básica que experimentou há menos de vinte horas.
[Imponência]
Devido à ausência de experiência com aquela técnica, Theo não foi capaz de limitar seu alvo. Ao contrário de Carl que resumiu sua presença apenas nas costas de Artur.
Seguindo a capacidade de armazenamento presente no núcleo de Theo e também o potencial de sua alma, sua presença não se limitou a uma pequena região… — como normalmente acontece com aqueles que aprendem a utilizar a Imponência.
“Ele tem muito poder…” pensou Nihaya, chocado com a sensação que estava o envolvendo.
A presença de Theo abalou toda a ilha da Asa de Pegasus, considerada um pequeno continente. 2
Shaytan al-Riyah desmanchou sua pequena tempestade, reagindo à pressão da imponência de Theo. Recuando para longe, o djinn do vento demonstrou sua forma verdadeira: um homem careca e com tons frios na cor de pele, tatuagens em forma de runas desenhadas pelo corpo finalizando-se na cintura, onde um pequeno tornado tomava conta.
Usando o vento como impulso, o djinn avançou contra Theo que ainda estava levemente envolvido pela tempestade de outrora.
Duas espadas cimitarras 3 foram conjuradas em volta do Shaytan al-Riyah, onde se prepararam para perfurar Theo.
Entretanto, o rapaz não estava incomodado ou se sentindo ameaçado. Theo estava preocupado em focar sua imponência no diabo do vento; dessa forma, sua força seria concentrada ao nível de que o djinn não iria escapar.
A solução estava em sua própria mente, nas memórias da luta contra o guardião da selva, Tevariel. Naquela luta, Theo transferiu sua presença para um lado, fazendo um jogo astral sem ter isso em mente.
“É assim…” Theo concluiu lançando seus olhos cor de âmbar, que brilhavam com intensidade, chegando a intimidar completamente o djinn.
A presença de Theo, que antes cobria toda a ilha, se intensificou unicamente nas costas do Shaytan al-Riyah. Em resposta a isso, as espadas conjuradas foram desintegradas subitamente antes de uma colisão estalar contra o solo.
Nihaya sorriu orgulhosamente.
Shaytan al-Riyah caiu no chão, de joelhos aos pés de Theo enquanto o vento se acalmava lentamente. Ao ver aquela cena, Nihaya passeou em direção ao Jovem Mestre Lawrence com um sorriso estampado no rosto.
“Ele, Theo… Finalmente abriu a porta para se tornar o homem com potencial para destruir você, Cepheus. Um homem forjado no orgulho e egoísmo além do que humanos podem considerar comum…”
Pondo o pé na cabeça de Shaytan al-Riyah, Theo inclinou a cabeça e lançou um olhar de cima, brilhando em amarelo sob a escuridão da noite.
“Um homem que superar tudo imposto a si…”
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