Capítulo 136 — Anjo da caça (1)
— Vamos voltar — ordenou Metzerai levantando-se do morro que estava.
— Voltar pra onde? — questionou um Nefilim, soltando gradativamente um cadáver desfigurado que segurava em mãos.
— Kiescrone.
— Pra quê?
— Croy disse que as coisas vão ficar interessantes por lá.
— Mortes?
— Guerra — afirmou Metz.
Sem que desse tempo das palavras saírem de sua boca, todos os Nefilins viraram o rosto para o Emissário com um sorriso largo e expressivo.
— Eu não vou não — contrariou um adolescente.
— Por que, Nik’hael? — indagou uma mulher, Carriel, esbanjando tristeza ao ouvir que seu irmão não os acompanharia.
— Vai acontecer algo mais interessante por aqui… Posso ficar, né? Metz.
Metzerai se manteve em silêncio.
— Em algumas horas alguém vai aparecer, e o destino dele é muito entrelaçado…
— Como assim? — perguntou Carriel.
— As raízes que o futuro me mostra estão nitidamente disfarçadas pela própria luz que ele emite, cegando completamente minha capacidade de presumir…
— Fique — ordenou Metzerai. — Se você está enxergando alguém dessa forma, é melhor prevenir do que ser imprudente.
— Tá com medo, irmão? — zombou um Nefilim.
— Já enfrentamos sombras antes, e elas são facilmente engolidas pela luz. Mas, em algum momento da tua vida, você viu uma sombra consumir o sol? Não importa em qual universo você olhe, a luz nunca será consumida pelas sombras. É algo lógico. Quer ficar para ver, podem ficar. Quem quiser.
— Eu irei ficar! — exclamou Carriel.
— Está de acordo, Nik?
— Sim, com certeza — retrucou o rapaz.
“Durante oito horas, eu te esperei ansiosamente… Não me decepcione.”
Um clima tenso e descontraído cobriu a distância entre eles: por Theo, um ódio momentâneo consumiu o coração; por Nik’hael, alegria cobria o coração.
— Estou cheio, pode ficar para ti. O massacre no vilarejo Heinsbern foi o suficiente — disse referindo-se ao cadáver de Rod.
“Do que esse maluco tá falando?…” ponderou atentamente as palavras de Nik’hael, todavia, ignorou por um instante. “Não importa agora. Esse cara nem se esforça para esbanjar a intenção assassina dele. Desgraçado…”
Theo o xingou segurando o cadáver de Rod nos braços, sentindo, a cada segundo, o corpo pesar enquanto o sangue escorria pelo ferimento da alabarda.
Seus olhos fundos já haviam perdido o brilho e os lábios secos dominavam a surpresa de ser empalado.
Movido por um sentimento inóspito, Theo correu subitamente contra Nik’hael sem antes uma cerimônia de apresentação.
A única coisa que importava para o rapaz era que sua intuição, ainda como Liam Mason, tratava aquele ser como ameaça.
Tendo o rosto tomado por um breu absoluto, que destacara seus olhos com um brilho intenso e distorcido, carregando o punho com uma pressão elemental sem igual.
Quando se deu por fé na realidade, Nik’hael assistiu ao braço de Theo dirigir-se ao seu queixo à medida que admirava a expressão contínua de Lawrence.
Mesmo com a máscara da lua cobrindo seu rosto, a aura que o cobria esclareceu o sentimento.
No último milésimo, antes que Theo acertasse o soco em seu maxilar, Nik’hael golpeou o braço oponente e criou uma reação de energia para forçar a distância entre ambos.
Theo deslizou no chão até parar a cinco metros do ponto de contato, enquanto Nik’hael pousou delicadamente.
Balançando a alabarda cuidadosamente, transformou sua arma numa espécie de espada cujo cabo era longo e lâmina curta, porém larga.
“Um sigilo…” ponderou Theo.
“O ataque dele… Não. Quero testar novamente.”
Nik’hael, sem pensar muito, arrancou contra Theo empunhando sua arma.
— Dilacere, Zhynf! — Nik’hael entoou gloriosamente.
[Segunda configuração: Garras Triluna]
Servindo de contra-ataque súbito, um dos três cortes de Theo defendeu o <Dilacerar> de Nik’hael e, posteriormente, atingiu o oponente superficialmente pela armadura.
Nik’hael suspendeu o sorriso vitorioso do rosto, substituindo por uma expressão de desapontamento.
[Primeira configuração: Torre do Tormento]
Sendo atacado por todas as direções pela torre de cortes conjurados, Nik’hael tão pouco se importou com os danos; afinal, não existiam.
Graças a armadura que cobria parte do corpo, praticamente nenhum golpe de Theo iria afetá-lo diretamente. O Lawrence já havia subentendido isso, por isso estava trabalhando cronicamente para evoluir.
Girando eventualmente pelo próprio eixo, Theo deslizou e cortou na altura do joelho de Nik’hael que não encontrou dificuldades para saltar e desviar.
Aglomerando energia na espada, Nik’hael transmutou a cor da lâmina para um azul royal e estendeu o alcance da arma para mais um metro.
Utilizando do artifício, caiu como um martelo em cima de Theo que com o impacto da colisão entre as duas espadas, resultou na criação de um campo de energia.
Uma pequena zona estabeleceu-se, criando uma barreira involuntária de éter puro com raios de energia expandindo-se para todos os cantos. A pressão do choque entre as lâminas afundou o chão e rompeu a estrutura.
— Esplêndido! — exclamou, apoiando-se na Intempérie do Firmamento para não cair no chão.
Posteriormente, saltou para trás e recuperou o fôlego.
“Ele também possui o éter como energia nuclear…” analisou Theo.
— Porém, você me decepcionou demasiadamente. Dá pra ver a força que tens somente pela pressão de teu olhar, ainda que coberto por essa máscara. Todavia, seus ataques não possuem vontade, intenção… Você ataca quem lhe ataca. Onde está seu fervor?…
— Não possuo isto por lutas — interrompeu Theo, com desdém no rosto.
O humor de Nik’hael foi quebrado de maneira cômica.
— Eu não sinto prazer por lutas, apenas em momentos que estou aprendendo sobre mim mesmo. Quando estou evoluindo e desvendando coisas novas, somente assim eu aprecio as batalhas. Porém, lutar apenas por lutar, para encontrar alguém mais forte não entra na minha cabeça.
— Então, por que está aqui? Se não gosta de lutas, por que almejou ser um guerreiro? Creio que seja por escolha sua: veja bem, diante do que vejo, você é um nobre que não foi forçado a isso. Você escolheu esse caminho, estou certo?
— Justamente para evoluir. Pessoas possuem talentos em diversas áreas, escolhem geralmente o caminho que acham ser bom. Só que, quando se deparam com os verdadeiros talentos, às vezes é tarde demais para mudar de vida. Estou acostumado com essa vida desde sempre, então acho que meus talentos serão lapidados assim. Eu funciono apenas quando vejo ações ou as executo, é apenas por isso.
— Se está acostumado com essa vida, então sabe que posso te matar, né? Sim, com certeza. Então, por que está se abrindo para mim? Um completo desconhecido?
Theo resguardou-se momentaneamente.
— Por que você é uma pessoa. Tão pouco importa se você vai ser meu inimigo ou não, pessoas são simplesmente isso… Pessoas. Não as temo, assim como não quero ser temido. Acredito que ter afinidade em comunicação acabou me aproximando de mais…
— Só que… Eu sou seu inimigo.
— Não, não é. Não importa se lutaremos aqui, ou se vamos nos reencontrar. Eu só… Não me importo.
— Que chatooo. — Nik’hael deu com os braços. — Se você acabar não se importando com nada, vai se tornar um velho rabugento.
— Meu sonho — retrucou Theo descontraidamente.
“Ele realmente não está me tratando como uma ameaça…” ponderou Nik’hael. “Veremos por quanto tempo.”
— Mas… Eu matei esse cara. Ele não era seu colega? — provocou Nik’hael.
Theo olhou de lado para o cadáver de Rod e logo refletiu sobre o que os defensores contaram sobre os pensamentos de Sara.
De fato, ele não estava sentindo o peso daquelas mortes.
Talvez pela sequência de eventos, talvez por que ele não conseguiu processar corretamente as mortes devido ao ataque de Nik’hael, ou talvez seja por ele simplesmente ser assim.
Inicialmente, ele atacou Nik’hael com raiva por matar Rod; entretanto, não era esse o destino que o próprio Theo já tinha aceitado para o defensor?
Depois de pensar que estava sendo movido por um pensamento egoísta e hipócrita, Theo se acalmou e reconsiderou a luta contra aquele a sua frente.
Theo suspirou ao decretar sua vontade.
— Entendi… Você é igual a mim — sorriu demasiadamente. — Alguém que, embora tenha sentimentos por outros, não consegue expressar nem manter aquele pensamento! Você é inconsistente, por isso és tão belo!
Theo passeou rumo a Nik’hael, arrastando a Intempérie do Firmamento à medida que diminuía a distância.
— Que foi? Vai lutar contra mim?! Por quê?
O Jovem Mestre Lawrence cravou sua espada no chão, liberando uma quantidade demasiada de energia no processo.
— Como eu já disse, luto apenas quando me beneficia uma evolução. — Alongando o braço, fez questão de recompor sua energia. — Quero testar algo.
— Legal.
Avançando de maneira covarde, Nik’hael encantou a lâmina de sua espada com chamas e caiu contra o rapaz dilacerando tudo no caminho.
Este movimento foi facilmente anulado por Theo que, ao utilizar o conhecimento do djinn e amplificar com a ressonância elementar, densificou gradualmente o ar até que o atrito servisse praticamente como uma parede absoluta.
Pouco a pouco, Theo aplicara um encantamento do elemento fogo para causar combustão diante de Nik’hael. O ar, subitamente, explodiu ao céu.
Theo agarrou Hael pelo ombro e o arrastou pelo chão do local, jogando seu oponente de costas para um pilar.
Cravado na estrutura, Nik’hael sentiu o Jovem Lawrence conjurar as lâminas de vento e, consequentemente, serem lançadas contra si.
Conforme executava o feitiço, Theo recuou alguns passos, o que deu brecha para Nik’hael defender cada lâmina com sua espada.
Arrancando novamente contra seu oponente e deixando um único feixe de energia para trás, Theo concentrou o éter unicamente no punho esquerdo e golpeou o estômago de Nik’hael.
Entretanto, longe de um soco imbuído por energia: Theo criou um vórtice de vento que, indeciso com seus vetores, realizava a ação de puxar e expelir o alvo ao mesmo tempo.
Aquele breve efeito foi capaz de romper a postura adversária por um segundo e jogá-lo ao longe.
Nik’hael bolou no chão após ser arremessado para trás.
Sem permitir uma brecha para a recomposição, Theo usou o túnel vetorial para surgir ao lado do opositor e tentar acertá-lo com uma nova combinação: imbuindo as lâminas de vento do djinn com fogo, ele tentou atingir diretamente o rosto de Nik’hael. Todavia, este bloqueou a lâmina com o antebraço.
Segurando o tornozelo de Theo, o oponente aplicou uma força absurda no ombro e conseguiu se erguer de cabeça para baixo visando acertar a cabeça de Theo com um chute.
Cravando a canela no trapézio do Lawrence, o pequeno anjo pulou e restabeleceu a postura no chão.
Posteriormente, os dois entraram num combate corpo-a-corpo duradouro que durou por quase cinquenta segundos. Nik’hael atribuiu suas chamas azuis nos punhos para enfrentar o combate físico.
Embora estivessem com os atributos físicos quase nivelados, a pequena diferença entre eles foi o suficiente para estabelecer a superioridade de Nik’hael durante a luta, tendo em vista que os ataques de Theo quase não surtiam efeito, enquanto o contrário era doloroso.
Notando que agir como um conjurador seria sua melhor opção, Theo distanciou-se repentinamente do adversário e tentou executar um feitiço.
Contudo, ao notar a conclusão do Lawrence, Nik’hael acompanhou seu inimigo e desfez os mudras para a realização da flecha de Ártemis onde, consequentemente, tocou no plexo solar de Theo e conjurou um feitiço de fogo: sem possuir um encantamento, sendo liberado apenas em forma de calor e consumindo o corpo do rapaz por completo.
Enquanto era praticamente incinerado, Theo juntou suas mãos e criou um túnel de vento, aproveitando as próprias chamas de Nik’hael, e realizou uma combinação elementar cujo manifestou-se semelhante a um cone de fogo.
Após três segundos em contato com as chamas, Hael se moveu rapidamente para longe e bateu suas roupas com o fim de apagar a pequena brasa que queimara o tecido branco.
No lado oposto, Theo rasgou brutalmente o tecido de sua roupa que cobria o ombro esquerdo.
Quando estavam lutando corporalmente, as ombreiras de Theo que compunham o Véu da Casualidade se transferiram para os braceletes e, após um pequeno contato, reforçaram a armadura dos antebraços.
Com isso, tanto as ombreiras quanto o manto que Theo vestia anteriormente não estavam mais presentes.
Graças a isso, ele sacrificou uma pequena parte de sua roupa preta, abrindo um rasgo na parte superior esquerda que revelava, parcialmente, a queimadura deixada por Ivan noutras circunstâncias.
Recuperando a espada que havia descartado antes de entrar no combate corpo-a-corpo com Theo, Hael respirou enquanto ajustava a postura de combate e restabelecia as energias.
Um calor abafado e infernal os banhou pelo temor.
Theo recuou um passo intuitivamente, afinal, após todas as lutas e tantos feitiços, seu contrato com o núcleo havia acabado e, portanto, o estado de lucidez se encerrou.
Aquele foi o verdadeiro início do confronto.
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