Capítulo 127 — Anjo da caça (5)

— Seu puto… Não vai sequer deixar eu considerar? — reclamou Nik’Hael, esforçando-se para ficar de pé.

— Não.

Hael sorriu insanamente.

Gradualmente, as feridas superficiais dos cortes começaram a se regenerar, vaporizando o sangue como água. 

Acima da cabeça de Nik’Hael, conforme este se revirava em direção a Malcolm, duas auréolas em formas de anéis dourados entrelaçaram-se revelando dezenas de olhos pratas.

Notando a metamorfose do pequeno anjo, Malcolm decidiu retirar a parte superior do traje militar; aquela roupa praticamente colada estava lhe incomodando. 

Em uma parcela de seu torso, mais especificamente acima do peitoral e ambos os braços, foram tomados por escamas roxas — tão escuras que poderiam ser confundidas com preto — ao quais se encerravam em manoplas e garras nas mãos.

— Abdicou de teu traje militar para utilizar essa armadura frágil? — inquiriu Nik’Hael, apertando as próprias bochechas.

— Não vai fazer tanta diferença com essa tua lâmina, não é?

— Já descobriu tanto assim sobre mim? — retrucou envergonhado.

— Claro. Depois que vi o estado do Theo… Ainda após o elixir, os danos que ele recebeu de você não foram reescritos pelas propriedades de cura. Os danos que o nefilim causou foram gradualmente curados, mas o seus permanecem intactos. Isso me faz crer que o encantamento da sua arma, ou atribuição elemental, é similar ao que Zemynder utiliza.

— Sabe tão bem. — Nik’Hael empinou o nariz.

Sacudindo suas vestes brancas, ele se preparou para explicar.

— Desde tenro, escuto sobre o feito de Zemynder ao matar cinquenta nefilins e sobreviver ao meu irmão mais velho, Noxis. Estive durante todo este tempo aprisionado juntos dos nefilins, então, após tanto treinar com eles e até matar alguns de meus meio-irmãos, entendi como o carrasco poderia matá-los… Gae Bulg. A lâmina cujo os ferimentos não podem ser curados.

— Deixe-me adivinhar: você treinou até atribuir este efeito à sua lâmina e ataques comuns?

— Esplêndido! Minhas chamas, uma vez que queimam, afetam os músculos de meus inimigos e fazem queimaduras e cicatrizes irreversíveis. Claro, para a minha infelicidade, os efeitos somem com o tempo. Porém, quanto mais exposto for ao efeito, mais chances de ser permanente…

— Valeu. Agora preciso apenas evitar suas chamas.

— Pelo menos minha técnica vai fazer mais efeito. Troca equivalente, cara.

— Hum…

Malcolm suspirou e fechou os olhos.

“Estou mudando de ideia… Vou ter que terminar com esse moleque antes que o Theo venha até aqui, já que, se ele chegar e for atingido de novo pelas chamas pode ter ferimentos ainda mais graves. Vou ter que usar minha zona?”

Ao notar que Nik’hael inclinou parcialmente o corpo para frente, Malcolm não hesitou em arrancar contra ele. Consumido por uma esfera de energia roxa, o general cravou sua espada na lâmina de Hael onde permaneceram num embate físico.

[Estilo do Dragão Thundra: Agarrar]

Pressionando Hael, o general de Jeanne forçou o pequeno anjo a fugir dos cortes da zweihänder que, naquele estado, poderiam facilmente arrancar um de seus membros. E embora Nik’Hael pudesse se regenerar, isso não se aplicava a membros decepados.

Dezenas de cortes partiram o cenário.

Brandindo sua espada com o brilho azul royal, Nik’Hael conjurou um túnel de chamas azuis que incinerou rumo a Malcolm. Este, no entanto, desviou para o lado e continuou sua série de cortes. 

Pulando para cima, Malcolm caiu perfeitamente acima de Nik e despencou com sua espada emanando raios e energia roxa rompendo o atrito do ar. A lâmina da zweihänder cortou parcialmente o peitoral de Nik’hael, resultando, posteriormente, em uma grande liberação de energia.

Carriel sentiu a liberação de energia, mas ignorou por um momento. Sua concentração estava na lâmina de Bastien, que mesmo estando idealizado de que não lutaria, ameaçava de fato a elfa corrompida. Ao longe, a feiticeira élfica assistia os dois bailes daquela manhã: Zemynder versus Nefilim; Malcolm versus Nik’hael.

— É… Perdemos três nefilins só hoje, mas o Hael vai conseguir um empate ao menos.

— Não vai ajudar o teu amiguinho? — perguntou Aidna, sentada um degrau abaixo da feiticeira.

— Nam. O Nik’Hael sabe muito bem como sobreviver a tudo.

Carriel, abraçando os próprios joelhos, balançou para frente e para trás enquanto observava cada agente.

— Vocês são os convidados do meu pai, né? Com certeza são.

— De quem? — retrucou Sara.

— Bvoyna, o deus da guerra. 

Todos se alarmaram, mas deixaram o silêncio permanecer.

— Nós sabemos muito bem que são do outro mundo, do verdadeiro mundo… — Ela forçou demasiadamente com a afirmação. — Meu pai, sempre que tem sua atenção roubada por algum grupo que invade a fortaleza que deixou no outro mundo, abre as portas desse domínio e dos subdomínios para se entreter um pouco com figuras antigas. Geralmente, esses convidados morrem ainda nos domínios menores, tendo apenas cinco, até hoje e fora vocês, que chegaram aqui. E o único que sobreviveu até Cephian foi o homem que está seguindo vocês…

— Quem? — indagou Jack, tentando enrolar Carriel ao mesmo tempo que estava interessado na história.

— Zemynder. Ele é do mundo de vocês, veio aqui por causa de Bvoyna, e tirou cinquenta filhos do próprio. 

Bastien, que empunhava sua lâmina de Thanatos com bastante confiança, teve sua postura quebrada repentinamente. Não somente ele, mas todos os agentes baixaram a guarda quando tiveram aquela revelação.

— Pelo que sei, após matar os cinquenta nefilins, ele se banhou no sangue dos mesmos e consumiu cada núcleo de energia… Foi há uns trinta anos, infelizmente eu não era viva na época.

“Trinta? Ele parece ser mais jovem que o Bastien, mas, tem no mínimo trinta anos?” ponderou Jess.

— Ele foi o último a chegar no domínio principal, e esteve em uma das últimas expedições para cá…

— Os nefilins são filhos de Bvoyna? — indagou Selina. — Então, ele seria um anjo?

— Em tese? Um anjo de segunda geração, isto é: filho de dois anjos. Bvoyna é filho do anjo caído Gadreel. É aqui que tudo diverge pois, nem mesmo eu que sou filha dele sei ao certo. Alguns que não são membros da família dizem que ele possui uma mãe, enquanto meus irmãos disseram que o pai nasceu apenas da vontade de Gadreel. A partir do desejo do anjo somado aos sentimentos humanos relacionados à guerra.

— Isso explicaria a insanidade dele — comentou Sara.

— O pai é um espírito caótico, quer apenas realizar os joguinhos num tabuleiro. Mas não se preocupem, já que chegaram ao domínio principal e até mataram três Emissários, vão continuar vivos até o “trovejar final”.

— Trovejar final? — Kris temeu.

O Trovejar Final é um termo generalizado conhecido por todo o Império de Romerian que surgiu nos antigos textos de um profeta: Quando o céu cantar para o fim, o fim terá de vir.

— Exatamente. É por isso que temos ordens para deixá-los vivos. Por isso não os matei ainda, e nem pretendo…

Carriel moveu-se instantaneamente para atrás de Bastien e o abraçou pelas costas.

— Essa lâmina, é demasiadamente impressionante — afirmou de bochechas coradas. — Que tal me ensinar o que ela faz, em particular?

Bastien a encarou diretamente nos olhos, sentindo o cheiro atraente que palpitava nos esporos da pele da elfa. Entretanto, sem cair na tentação, ele segurou o cabo da lâmina de Thanatos com força e induziu o restante do grupo para ficar de guarda fechada novamente.

— Você disse ser filha de Bvoyna, quantos filhos ele tem?

— Sei lá, todo ano nasce uns cinquenta — retrucou.

— E quantos deles são Emissários?

— Agora que vocês mataram três? Hum… Treze. Nik’hael está indo para o caminho de se tornar um, então são treze mesmo.

— Você é uma?

— Eu? Haha, não. Mas lhe afirmo, meu amor. Sou tão poderosa quanto uma. Se quiser, posso te passar um pouco de poder. Só precisamos estar a sós para o ritual funcionar…

— Para de falar merda, elfa desgraçada — interrompeu Aidna. — Você só quer roubar a lâmina de Thanatos e arrancar todo o vínculo do Sir Bastien com a espada enquanto copulam.

Selina coçou a garganta.

— Não é isso que você quer com o Theo desde que o conheceu? — zombou Selina.

— Ei, vadia! Tá do lado de Bvoyna agora?

— Quem é Theo? O garoto loiro que ficou lutando com o Nik?

“Estamos caindo num feitiço…” pensou Sara. “Essa mulher consegue nos forçar a sermos genuínos, como se ela fosse um membro de nós… Se não tomarmos cuidado, revelaremos tudo.”

— Hein, amor? Me responde vai…

— Cala a boca — ordenou Bastien, virando o rosto de lado.

Carriel arregalou os olhos mas, em seguida, ofegou intencionalmente no ouvido de Bastien. Aquilo envergonhou o arauto de Hades ao extremo, principalmente quando Jack reagiu aquilo gargalhando.

— Bom, tendo em vista que Nik’hael não está utilizando sua Dynami nem sua Evidenttia, podemos concluir que tudo sairá bem para vocês.

— Evidenttia? — indagou Sara, temendo que aquilo fosse o que estava imaginando…

— Sim, ou Evidência… Hael é um anjo puro, assim como nossos três irmãos mais velhos. Com isso, ele possui uma virtude que poucos possuem… O poder inato de poder ver o futuro e julgar o que é certo e errado.

— Um poder temporal — concluiu Sara, tratando aquilo como nada. Todavia, o resto da Trupe de Ataque ficaram pasmos e quase sem poder respirar.

Selina ficou boquiaberta, com uma expressão que jamais pensariam em encontrar na seguidora de Alunne: medo, desespero, ressentimento… Se uma única criança de Bvoyna tivesse aquela capacidade, qual seria o grupo de monstros que os esperavam?

Enquanto eles buscavam arrancar mais informações dos Emissários e Malcolm ao lado de Zemynder tentavam derrotar os dois inimigos que ainda persistem, Theo sentiu uma dor pontiaguda, como uma leve vibração ecoando pelo cérebro. 

Ilusões de ótica o acompanharam conforme ele arrastava sua Intempérie do Firmamento pelo chão dos Pilares do Renascimento…

Theo passeava em direção a uma dança definitiva.