Índice de Capítulo

    Nihaya o seguiu sem questionar, enquanto o restante ficou debatendo sobre a semana um. O primeiro dia, embora bastante frenético pela quantidade de práticas esportivas, não iria se comparar com o resto da semana que Moris preparou.

    Os dois gênios, um mortal e outro sobrenatural, andaram com uma certa distância. Theo passeava pela arquibancada, apreciando a paisagem, enquanto Nihaya esperava o general falar.

    Porém, essa espera durou bastante tempo…

    Theo estava viajando, como casualmente, em sua própria percepção do mundo. Todavia, sem ser de uma forma conceitual ou moral, mas pelo próprio espaço: uma distorção sem igual, alterando o fluxo temporal diante seus olhos e rasgando a noção espacial.

    Objetos pareciam mais distantes do que realmente estavam, como uma milha. Ele podia alcançar o horizonte com um esticar de braço.

    “Isso…” pensou.

    — Outro despertar — disse Nihaya. — Graças a Jeanne, talvez. Ela amplifica o potencial de quem está por perto. Não igual a você, mas todos estão passando por um despertar…

    Os olhos de Theo estavam com um brilho que emanavam fervor.

    — Creio que esteja ligado ao tempo… — disse Theo.

    O general olhou para a própria mão.

    — Se eu aprender sobre o tempo, poderia bater de frente com os Emissários?

    — Como já falei, depende da sua técnica temporal. Provavelmente ligado à sua perspectiva e noção… — disse Nihaya. — Mas, apenas despertando esse poder para entender melhor.

    — E como eu faço?

    Ele cerrou o punho.

    — Existem algumas formas. Algumas complicadas, outras nem tanto…

    — Me leve para aquela dimensão novamente. — Theo disse em tom sereno e concreto. Nihaya se assustou com o pedido. — Nik’Hael disse que você levou ele e Bvoyna para lá. Logo, você tem acesso, não é?

    — Hm…

    Nihaya parou antes da arquibancada acabar, permitindo que o vento batesse em seu manto e jogasse-o para frente. De lado, o djinn virou a cabeça consideravelmente para Theo e o admirou por ser alguém tão infantil.

    — Acredita em tudo que seu inimigo te fala?

    — Bom, depende. Você apareceu lá sozinho. Então, costumo acreditar no que qualquer um fala, desde que seja realidade.

    — O que te faz pensar que apareci sozinho? — perguntou Nihaya, com um sorriso forçado no rosto.

    Theo deu de ombros com as palmas abertas e decretou:

    — Você é um djinn, e eu sou um gênio mortal. Não me subestime.

    A energia do general começou a vazar pelos ombros.

    — Estamos entendidos, rei? Você quer a queda de Cepheus, não é? Logo, faça-me o favor de obedecer minhas ordens.

    — Aprendeu a latir, não foi? Entretanto, seus latidos não passam de um grunhido infeliz para mim. Um simples ranger de dentes. Começou com isso após sua assimilação com a alma de Liam Mason? Ou, só ficou confiante a ponto de mostrar suas garras, como sendo descendente do sangue azul dos Caesar?

    — Não faço a menor ideia do que está falando — disse sacudindo os braços —, eu só estou sendo eu. Porém, adotando uma postura de quem já fui, por que, embora deteste minha vida passada, Liam Mason foi o maior general que já carregou o sangue humano. Você sabe, já vasculhou minhas memórias.

    Nihaya fechou os olhos e os abriu num piscar, olhando para Jeanne posteriormente.

    — É… E é desse homem que eu preciso. Você não é uma ameaça para mim, sequer para Bvoyna. No entanto, não espero que seja. Eu quero que você proteja Jane, assim que eu for.

    Ele subiu os degraus em direção a Theo.

    O general Mason ficou um pouco intimidado, mas conseguiu recuperar sua postura rapidamente.

    “Quando eu for?” ponderou Theo. “O que diabos ele quer dizer…”

    O djinn parou do lado de Theo e cochichou:

    — Estou os treinando para conseguirem segurar os Emissários. Pois, enquanto eu estiver sob a influência de Bvoyna, não poderei machucar nenhum deles. Portanto, irei ajudá-lo, não por que agiu como um homem, mas por que eu preciso que seja minha espada e escudo, Theo de Lawrence. Preciso que sejam minha barricada…

    — Para quê? — interrompeu Theo.

    Olhando para o céu azul, Nihaya suspirou.

    — Para que eu possa invadir o Castelo Real da Guerra, e matar o rei… Nem que isso signifique no rompimento do meu laço com o Mephys. O que, por fim, resultaria em minha morte.

    O djinn virou o rosto de lado, vendo o semblante curioso e desfalcado de Theo enquanto os cabelos pretos do general voavam com o vento. Porém, sua visão focava em Jeanne, que estava se divertindo com Selina e Nora há algumas dezenas de metros.

    — Por isso…

    Um suspiro pesado e agonizante escapou de sua boca.

    — Irei transformá-lo num monstro, para proteger minha pequena deusa Vanir… Quando este domínio ruir…

    ***

    Os ventos frios da madrugada assobiaram pela vidraça, acompanhando a cortina dos corredores do Palácio dos Sete Condes. A porta entreaberta do saguão da Quinta Legião facilitou que a pequena névoa de ar esgueira-se para dentro; bordando os pés da Quinta Távola.

    Theo, sentado na cadeira da ponta, tocava as pontas dos dedos — em seu mudra, onde a ponta de cada dedo, das duas mãos, se tocam e permitem o refluxo de energia — enquanto se atentava aos planejamentos de seus tutores.

    Os Titãs, ao lado de Zemynder e Nihaya, debatiam como iriam treinar a Quinta Legião durante as semanas, e como seus treinamentos poderiam se alinhar.

    Eles não queriam treinamentos isolados, e sim ensinamentos que completassem o outro, como se o antes fosse uma preparação quanto ao pós, um aprimoramento.

    — Nietsz, quais pontos da magia deste mundo são superiores ao do nosso? — perguntou Javier, com o cotovelo esquerdo apoiado na mesa.

    Inicialmente, Theo estranhou o termo “magia” ser utilizado pelos Titãs. Afinal, no mundo deles, a magia é considerada tudo aquilo que não pode ser executado ainda: a teoria. Portanto, para Theo, que usa o termo “ciência”, aquele comportamento era estranho.

    Mas, desde que chegou à Kiescrone, ele passou a simpatizar com o termo.

    — Não sei explicar, ainda — respondeu o djinn — Não consigo julgar o sistema do seu mundo, pois vi pouco. Mas, é semelhante ao nosso.

    — Então… O que você vai os ensinar? Bênçãos? Técnicas de refinamento e materialização? É básico!

    — Um básico que funciona, para vocês.

    Zemynder se ajeitou na cadeira e completou:

    — Acontece que esse básico vai ajudar vocês para o meu treinamento.

    — E o seu treinamento é o mesmo que o do Moris! — Javier alterou o tom de voz. — Entendem? Poderíamos facilmente resumir, mas vocês escolheram usar quase um mês inteiro.

    “Sir Javier ainda não aceitou que a ideia dele foi rejeitada…” ponderou Theo. “É… na verdade ele tem bons motivos.”

    — Esse chilique todo é porque não concordamos com você? — disse Zemynder. — Você quer resumir tudo que planejamos em uma semana de treinamento. Quem você acha que vai evoluir e se lapidar assim?

    — Se não conseguirem, são inut…

    — Bom, ambos têm uma parte da razão — o General interrompeu com um gesto sutil —, de fato, não há como evoluir da forma que desejamos com uma semana de treinamento, nem mesmo com Titãs do nosso lado. No entanto, também concordo que quatro semanas é um prazo distante para algo que pode começar amanhã.

    Theo dissolveu o mudra com um movimento leve.

    Todos os olhares da Távola, carregados de uma certa apatia mútua, voltaram-se ao general que os livrou daquele início de discussão. Javier se jogou no encosto da cadeira e suspirou.

    — Vocês decidiram isso em uma noite, é óbvio que iria haver conflitos. — Ele expurgou o ar dos pulmões como se estivesse para adotar um fardo. — Moris e Javier, vocês vão intercalar nesta semana: na primeira metade do dia os treinamentos de Moris, na segunda metade, Javier. Nietsz e Zemynder serão o mesmo ritmo, porém, na próxima semana. Após isso, invés de ensinar, vocês irão apenas acompanhar.

    — Quer resumir o que planejamos a cinquenta por cento? — Nihaya protestou.

    — Por que não? Javier tem um par de razões, afinal. Embora sejamos os últimos a entrar em batalha, não sabemos quanto tempo teremos para prepará-los.

    — Fala de preparo… Mas, como está o seu? General Mason. — Zemynder questionou. — Você esteve aqui nas nossas reuniões anteriores, por que não debateu?

    Theo deu de ombros e distorceu as sobrancelhas, como se dissesse: Porra, sério que me perguntou isso?

    — Eu nem me arrisco a tentar dizer a idade de vocês, e há quanto tempo são generais. Pensei que agiriam semelhante à medalha que esbanjam há anos e saberiam administrar tudo. Mas, erro meu. Javier, amanhã você vai introduzir sua sistemática, depois de amanhã  os dois Titãs vão tentar uma forma de executar seus treinamentos simultaneamente.

    Ao olhar para Nihaya, o General notou que tanto o djinn quanto Zemynder já haviam entendido o recado.

    — Perfeito, acho que já entenderam.

    Zemynder cruzou os braços e jogou as costas no encosto da cadeira, e olhou cautelosamente para o general.

    Theo tinha uma certa vontade, uma aura autoritária e sabia usar as palavras como um líder, ainda sem a confiança necessária, mas sabia agir como o cargo que lhe foi dado.

    O carrasco estava admirado.

    — Então… Está sugerindo uma mudança total de planos, general? — perguntou Nihaya, consoladamente.

    — Sugestão? — Theo retrucou apoiado no braço da cadeira. Mesmo que sua voz possuísse um bom-tom de humor, ele estava nitidamente sério. — Pensei que haviam acatado minha ordem de mudanças sobre o plano falho e mesquinho de vocês…

    O ego de Javier foi abruptamente alfinetado com àquelas palavras.

    — Hunf — Moris suspirou estupefato, carregando um sorriso orgulhoso.

    “Olha a audácia desse maluco…” Zemynder pensou de olhos arregalados.

    Theo se levantou esticando os braços e espreguiçando enquanto os outros membros interpretavam as atitudes do general. O único, portanto, que encarou tudo como ofensa, foi o próprio Javier, quem havia levantado o debate.

    Coçando o cabelo, o general proclamou:

    — Façam planos interessantes dessa vez. Se eu tiver que voltar aqui para debater sobre alguma inconsistência de vocês, irei jogar a culpa totalmente nas suas costas quando for relatar à rainha. Por hoje, irei assumir a responsabilidade do cronograma falho e ineficiente. Da próxima… vou sortear quem vai se responsabilizar com isso.

    Enquanto o general passeava por detrás do carrasco, o último estendeu a cabeça por cima do ombro e o confrontou:

    — Não vai participar da nossa reunião? Queremos ouvir sua opinião para chegar num cronograma “descente”.

    — Estou indo assumir o seu erro. Me entreguem um rascunho das ideias quando chegarem a uma primeira conclusão. Por ora, proponho uma pausa para vocês descansarem a cabeça. Discutir com a cabeça quente não vai ajudar a ninguém.

    — Fato — concordou Moris, sendo o primeiro a arrastar sua cadeira e seguir para a porta junto do general.

    Javier foi o único membro que se manteve na Quinta Távola, ficando sozinho após todos saírem.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota